O que vai acontecer com a economia?

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

As expectativas de que a atividade econômica iria aos solavancos no primeiro semestre deste ano em certa medida não se concretizaram. Nos três primeiros meses a economia cresceu 1%. E, embora ainda não tenham sido divulgados os números oficiais pelo IBGE, as estimativas são de um crescimento na casa de 1% neste segundo trimestre. Com isso, a economia brasileira fecharia o semestre com uma expansão ao redor de 2% em relação ao último semestre do ano passado.

É pouco, mas melhor do que as previsões que apontavam para uma possível desaceleração a partir de abril. Esse resultado se deve à volta da vida à quase normalidade. Com os efeitos da pandemia minguando – os casos e mortes no Brasil têm caído a patamares bem baixos –, tudo que estava represado voltou com forte intensidade, puxado pelo setor de serviços, com o consumo das famílias sendo o centro dessa expansão. Segundo o Monitor do PIB do FGV IBRE, em torno de 85% do crescimento interanual do consumo das famílias em relação ao ano passado pode ser explicado pelo consumo de serviços, devido ao elevado peso desta categoria na cesta de consumo das famílias brasileiras.

Com a economia reabrindo e a normalização de grande parte do setor de serviços, o que mais pesa no PIB e gera empregos, as taxas de desemprego saíram dos incômodos dois dígitos, iniciando uma trajetória descendente. Em junho, a taxa de desemprego caiu para 9,3%, depois de flertar durante muito tempo na casa dos dois dígitos.

Taxa de desemprego


Fonte: FGV IBRE.

No caso das taxas de desemprego, apesar da melhora, os analistas de mercado de trabalho, renda e produtividade do FGV IBRE acreditam que os números devem ser olhados com certa cautela.

Veja a Carta do IBRE: Mercado de trabalho surpreende, mas problemas estruturais permanecem.

Mas não há dúvidas de que a reabertura da economia, especialmente as atividades presenciais e mais intensivas em mão-de-obra, fizeram o PIB engordar um pouco. A grande questão que se coloca é se este segundo semestre também trará resultados positivos. E, quanto a isso, há muita incerteza e opiniões divergentes entre os economistas. E, para 2023, todas as previsões apontam para um baixo crescimento econômico. O endividamento das famílias tem batido recordes. Segundo dados do Clube de Diretores Lojistas, em julho último o endividamento das famílias subiu16,5% e o número de pessoas que estão devendo há mais de 3 meses aumentou quase 40%. Quase metade dos inadimplentes tem dívidas de até R$ 1 mil, e as mulheres, muitas delas chefes de família, estão ligeiramente mais endividadas que os homens. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), oito em cada dez famílias brasileiras têm dívidas; 22% dos brasileiros estão com mais da metade dos seus rendimentos comprometidos com dívidas.

Dados da Serasa Experian, divulgados na última segunda-feira (21), mostraram que o número de pessoas inadimplentes bateu recorde em junho, chegando a 66,8 milhões de consumidores. Em agosto de 2021 esse número era de 62,2 milhões de pessoas. A maior parte são dívidas com bancos e financeiras, mas também em serviços básicos como água, luz, gás e compras no varejo, nos chamados carnês das lojas. A alta da inflação e dos juros são apontadas como principais causas desse crescimento.

Leia: Dívidas sobem, renda cai.

Anote: Crescimento a partir de 2023 também dependerá da disposição do governo para realizar ajustes, afirmam pesquisadores do FGV IBRE no IBP.

Apesar dessa piora, pesquisa DataFolha de julho, divulgada na semana passada, mostrou que 48% dos entrevistados acreditavam que a economia iria melhorar nos próximos meses; 28% achavam que ela ficaria igual e 18% que haveria uma piora. Na pesquisa anterior, feita em junho, 33% acreditavam em uma melhora, enquanto 34%, em uma piora. Com relação a sua situação financeira, a parcela de quem achava que iria melhorar pulou de 47% em junho para 58% em julho. 

O Boletim Macro FGV IBRE de agosto coloca alguns pontos que podem atrapalhar a manutenção de uma trajetória ascendente do PIB:

• Estímulos fiscais e reduções temporárias de preços de energia e de outros preços administrados devem contrabalançar parcialmente os efeitos contracionistas da política monetária e da desaceleração da economia mundial, com efeitos negativos sobre os preços das commodities.  No entanto, os estímulos não são capazes de reverter a desaceleração que já está em curso.

• Isso já pode ser notado pelos indicadores de confiança setorial e do consumidor do FGV IBRE. Com relação ao comércio, a tendência continua a ser de retração, com previsão de contração do varejo ampliado neste terceiro trimestre. Com relação aos serviços, o mês de julho foi ainda mais favorável para o setor, mas a prévia da Sondagem para o mês de agosto já aponta para uma contração no mês.

Índices de Confiança Empresarial e dos Consumidores
(Com ajuste sazonal, em pontos – Em vermelho os dados prévios de junho)


Fonte: FGV IBRE.

• Outro setor que foi destaque no primeiro semestre, a construção civil, que cresceu 9% em relação ao mesmo período do ano passado, já perde fôlego. A sondagem do setor referente ao mês de julho mostrou um recuo das expectativas para os próximos meses, ainda que a percepção referente à atividade corrente continuou favorável, refletindo o ciclo de negócios dos últimos dois anos. Segundo o Boletim, “é importante destacar que este setor foi muito beneficiado pelos estímulos adotados durante a pandemia, encerrando o segundo trimestre em torno de 11% acima do nível observado no último trimestre de 2019, antes da pandemia. Um resultado muito superior ao desempenho do PIB, estimado em 2,8%”.

No entanto, um sinal de alerta já foi aceso.  Desde 2020, a despeito de uma aceleração do nível de atividade do setor, as construtoras vêm enfrentando muitas dificuldades com a disparada dos custos de construção. Primeiro, com uma forte alta das matérias-primas e, mais recentemente, também da mão de obra. Entre julho de 2020 e julho de 2022, o INCC-DI subiu 31%. O componente Materiais e Equipamentos teve alta de 51,5% no mesmo período, em decorrência da elevação expressiva de insumos como aço (94%), tubos (77,9%) e eletrodutos de PVC (67,5%). Isso tem levado o setor a renegociar contratos.

Segundo a Sondagem da Construção, do FGV IBRE, apesar desse processo de alta dos insumos e renegociação de contratos, “para o conjunto das empresas do setor, o risco de paralisação de obras é ainda relativamente baixo: para 77,1% das empresas não há risco de paralisação.

Mas há segmentos, como os de Obras viárias e Obras de arte, em que mais de 20% das empresas apontam risco de paralisação. Estes são segmentos que possuem contratos majoritariamente com entes públicos. O setor de Obras viárias é responsável pela construção de estradas e ruas. O de Obras de arte, pela construção de túneis, viadutos, pontes etc.”, diz os quesitos especiais da Sondagem. 

Sinal de alerta: Construção: teste de força.

O Boletim destaca o papel dos investimentos que, “conseguiram compensar as perdas do primeiro trimestre, mas devem recuar no ano, já que o aperto monetário e a incerteza na economia continuam em um patamar historicamente muito elevado. O calendário eleitoral, em conjunto com a incerteza política, também prejudicam o investimento.  É importante ressaltar, como menciona o Boletim, “que a trajetória ascendente da taxa de investimento ao longo dos últimos anos contém alguns fatores bem específicos e temporários, que contribuíram para que a taxa de investimento a preços correntes atingisse 19,2%, ante 15,5% em 2019, refletindo um aumento real de 16,5% nesse período. Entre os principais fatores, podemos destacar: a internalização das plataformas de exploração e produção de petróleo, o aumento do preço relativo do investimento em relação ao PIB, e uma destinação dos investimentos, muito concentrados em setores beneficiados pelo aumento de preços de commodities, como também pelas taxas reais de juros muito baixas, como o setor agrícola, de energia e o setor da construção civil”.

Se há problemas internos, o cenário externo também não deve ajudar muito. Pelo contrário. É o que mostram os Barômetros Econômicos Globais Coincidente e Antecedente do FGV IBRE.

• Os Barômetros Globais voltaram a cair em agosto, sinalizando uma expressiva desaceleração do crescimento mundial no trimestre. O Barômetro Coincidente recua pelo sétimo mês consecutivo enquanto o Barômetro Antecedente volta a cair depois de registrar estabilidade no mês anterior. Os resultados refletem uma perspectiva pessimista para o crescimento econômico global também nos próximos meses. Entre os indicadores setoriais coincidentes, a queda foi disseminada em todos os setores, com destaque negativo para o setor da Construção, com queda de 4,0 pontos e com o menor patamar entre todos os setores (71,5 pontos). Com o resultado, todos os indicadores se afastam ainda mais da média histórica de 100 pontos.

Veja: Barômetros Globais registram queda em agosto, refletindo mundo em desaceleração.

Barômetros Globais


Fonte: KOF, ETH Zirich e FGV IBRE.

A Sondagem da América Latina, produzida trimestralmente pelo FGV IBRE, também sinaliza um cenário pouco animador. O Índice de Clima Econômico da América Latina (ICE) recuou no terceiro trimestre deste ano em relação ao trimestre anterior, devido a uma forte piora das expectativas. A piora nas expectativas acende um sinal de alerta, pois indica que os especialistas consultados nos vários países da região esperam uma desaceleração econômica nos próximos meses.

No caso do Brasil, o Indicador de Situação Atual (ISA) que havia melhorado 12,9 pontos, com a piora das expectativas daqui para a frente fez o indicador no Indicador de Clima Econômico (ICE), em 33,3 pontos.

Clima Econômico na América Latina


Fonte: FGV IBRE.

Com esse rosário de problemas, um dos maiores desafios será a questão fiscal. Como menciona o Boletim, “as novas políticas de estímulo fiscal deste ano provavelmente se tornarão permanentes, tornando o cenário de sustentabilidade da dívida pública ainda mais difícil. O desmonte do arcabouço fiscal, em um contexto de juros reais mais elevados aqui e lá fora, em meio às pressões por manutenção ou até ampliação dos gastos públicos, tornam o cenário para 2023 ainda mais nebuloso para o Brasil. O cenário mais provável é de contração do PIB, e mantemos a previsão de -0,3% para o ano que vem”.

Relembre: Embora prevaleça a agenda social, é preciso sinalizar com o equilíbrio fiscal.

Leia a íntegra do Boletim Macro FGV IBRE.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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