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Entrevistas 15 ago 2022
“Embora prevaleça a agenda social, é preciso sinalizar com o equilíbrio fiscal”
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Postado por Conjuntura Econômica
Vilma da Conceição Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI)
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Diretora da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI) há um ano, Vilma da Conceição Pinto– que foi pesquisadora do FGV IBRE, com passagem pela Secretaria de Fazenda do Paraná antes de chegar a Brasília – conversou com a Conjuntura Econômica sobre os desafios de conciliar demandas sociais com o a disciplina fiscal. Também, de se garantir regras exequíveis que resgatem a confiança no compromisso com o equilíbrio das contas públicas. A seguir, os principais trechos dessa conversa.
A melhora observada nas contas públicas este ano vem acompanhada de uma liberação de R$ 41,2 bilhões fora do teto de gastos – além de um aumento de cortes orçamentários em áreas como saúde e educação para cumprir o teto. Qual o balanço desse cenário?
Vejo, ao analisar o teto de gastos da forma como está, o risco de descumpri-lo em 2022 e 2023 é baixo. Dá para cumpri-lo, com algum corte de despesas. Mas temos que levar em consideração que para este ano abriu-se um espaço de R$ 113,1 bilhões em comparação ao teto anterior, seja pela mudança na regra de pagamento dos precatórios, criando uma margem de mais de R$ 40 bilhões, seja pela mudança na regra do teto propriamente dita, que resultou em aumento de R$ 69,9 bilhões no teto de gastos. Então, dizer que estamos cumprindo o teto de gastos hoje não necessariamente quer dizer que estamos em um nível de gastos menor do que temos observado nos últimos anos. Lembrando que o objetivo original do teto de gastos é de que as despesas primárias não cresçam acima da inflação, algo que não que temos observado com clareza nos últimos anos. Embora, o gasto primário como porcentagem do PIB esteja menor que o observado no período pré-pandemia, o desempenho em termos de variação interanual descontada a inflação nos mostra outros elementos.
Quando analisamos as despesas de 2016, que é o ano base do teto, houve uma queda real de 1,1% dos gastos primários da União. Colaboraram para esse resultado algumas mudanças como o fim do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), e microrreformas como a da regra de acesso ao seguro desemprego. Além disso, em 2015, houve um aumento dos gastos em decorrência do equacionamento de passivos, reflexo das pedaladas fiscais, que também sensibilizaram essa variação interanual para 2016, via efeito base de comparação. Em 2017 também houve queda de 1,1%. Mas em 2018 volta-se a registrar crescimento real de 2% nas despesas primárias, bem como em 2019, de 2,7% em relação ao ano anterior. Para 2020 e 2021 a análise do crescimento das despesas primárias totais fica mais complicada, devido à pandemia. Mas quando se olha 2022 no acumulado de janeiro até junho, ou mesmo o número projetado pelo Tesouro, já observamos novamente um crescimento das despesas primárias em relação a 2021 da ordem de 1,2% em termos reais.
Levando em conta a atual conjuntura doméstica e externa, considera que a agenda do ajuste fiscal – dominante no debate eleitoral de 2018 – fique em segundo plano entre os compromissos do presidente que assumir o país em 2023? Como esse contexto pode influenciar o debate sobre o futuro do teto de gastos?
Embora ainda prevaleça a agenda social relacionada com os efeitos da pandemia, também será preciso sinalizar compromisso com o equilíbrio fiscal. Com tantas mudanças que foram ocorrendo na Constituição para tirar gastos do teto, de fato a regra perdeu seu foco, seu objetivo. Os agentes já não acreditam que ela é capaz de segurar eventuais pressões para aumento de despesas. Será preciso recuperar parte dessa credibilidade perdida. Agora, uma sinalização de disciplina fiscal pode vir de várias formas. Uma delas é demonstrar a intenção de cumprir regras, ou levantar uma agenda de revisão ou harmonização dessas regras.
No contexto do teto de gastos, por exemplo, a sinalização de compromisso com as contas públicas se deu não com o corte imediato de despesas, mas com uma regra que previa um ajuste no horizonte de médio/longo prazo. Da mesma forma, ainda que o próximo governo não execute ações tão imediatas do ponto de vista de impacto nas contas públicas, ele pode indicar essa preocupação a partir de outras agendas. No caso das regras fiscais, entretanto, será preciso cuidado com o desenho a ser proposto. Quando lembramos das discussões em torno da criação do teto de gastos, quando este ainda era a PEC 241, e das projeções que fazíamos naquela época, já tínhamos dificuldade de enxergar um cenário em que o governo conseguisse cumprir o teto até o prazo previsto na lei sem mudanças na nossa estrutura de gasto. Então, é importante que a regra seja bem calibrada. Caso se apresente uma regra muito rígida ou frouxa demais, criam-se dificuldades para que ela apresente os efeitos esperados. Por outro lado, vemos que isso abriu espaço para muitas modificações, mexidas, exceções colocadas ao teto nos últimos anos. Então, é importante pensar em um arcabouço de regras fiscais que de fato sinalize que o governo vai se comprometer com o equilíbrio das contas públicas, mas que também seja uma regra exequível. Esse é o espírito que precisamos defender. Em qualquer caso, o engajamento do Congresso em torno dessa agenda será fundamental.
A evolução das receitas colaborou para um cenário fiscal mais benigno no curto prazo. O presidente que assumir 2023 também contará com parte dessa benesse? Quais serão os desafios que acompanharão o novo mandatário, levando em conta o ambiente de pressão por gastos e perda de credibilidade da âncora fiscal?
Para 2023 consideramos um resultado primário basicamente neutro, próximo de zero. Não é tão ruim, considerando que até pouco tempo atrás era difícil pensar um cenário superavitário num período tão curto de tempo, se levarmos em conta a trajetória das contas públicas desde que iniciou o déficit fiscal, em 2014. Mas isso tem sido puxado de certa forma pelas receitas. E aí entra outro debate, sobre quão estrutural será esse ganho pelo lado das receitas. Até agora, vemos um resultado positivo, também ajudado pelo choque inflacionário. As receitas primárias líquidas de transferências por repartição de receita cresceram nominalmente 28,2% no primeiro semestre de 2022, em relação ao mesmo período do ano anterior, já o crescimento descontado a inflação foi de 15,1%. Para 2023, nossas premissas apontam para um IPCA de 4,8%. Esperamos um crescimento do PIB de 0,7%, com viés de baixa. De acordo com estudos que realizamos, podemos observar neste período uma elasticidade próxima à unidade, que vai influenciar o resultado de 2023.
No curto prazo, se o governo fizer algum tipo de consolidação fiscal, não expandir tanto o gasto, podemos observar alguma redução do produto, o que também poderia justificar o viés de baixa em algumas estimativas de crescimento do PIB. Mas será importante, de alguma forma, sinalizar compromisso com o equilíbrio fiscal, e a partir daí avançar em questões estruturais. Pensando para frente, considero importante que o governo indique como abordará a questão de investimento em capital humano e infraestrutura. Em capital humano, pensando em gastos sociais como indutor de redução de pobreza e insegurança alimentar, de forma eficiente. O Bolsa Família foi um programa social com impacto significativo na redução da pobreza, e custou 1/3 do que custa hoje o Auxílio. Será preciso indicar como melhorar esses indicadores, a partir do desenho e da qualidade desses gastos. E aí entra a questão não só social. Entre elas, como impulsionar investimentos, sem se desprender da disciplina fiscal. Desde 2015 o investimento líquido do governo central é negativo. Então, será preciso buscar formas de melhorar a composição do nosso gasto, aumentar a eficiência, visando as agendas que existem, mas sem abrir mão do compromisso com a disciplina fiscal.
Leia a íntegra desta entrevista na Conjuntura Econômica de agosto.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.