Mulheres: responsabilidades aumentam mais que a renda

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Uma das linhas estudo que a economista Janaína Feijó, pesquisadora do FGV IBRE, abraça com afinco é a de gênero (confira postagens anteriores sobre esses estudos no fim do texto). Recentemente, uma série de levantamentos feitos por Janaína demonstram que, apesar de as mulheres terem participado do recente aumento da formalização no mercado de trabalho e da melhora da remuneração, a desigualdade ainda marca esse percurso. Além disso, Janaína constatou que, no caso das mulheres, essa evolução tem sido acompanhada de um aumento de outras responsabilidades, o que pode gerar sobrecarga.

Em 2023, a expansão do emprego com carteira assinada aconteceu tanto para homens quanto para mulheres, em proporções similares. No caso dos salários, entretanto, a história foi diferente. Depois de uma pequena redução na disparidade entre o rendimento habitual de todos os trabalhos contabilizado pelo IBGE para homens e mulheres em 2020, nos últimos anos houve uma volta ao padrão pré-pandemia. No quarto trimestre de 2019, o rendimento das mulheres representava 78,5% do auferido para os homens. No quarto tri de 2020, essa proporção subiu para 80,78%. “Esse resultado refletiu o efeito da pandemia, com o desemprego de profissionais menos qualificados e informais. Então, é como se houvesse uma homogeneização do mercado em termos de atributos produtivos – como maior escolaridade, experiência –, colaborando para essa melhora, que de certa forma foi artificial”, diz. No quarto trimestre de 2023, essa distância voltou a aumentar, para uma relação de 79,25% do rendimento dos homens.

Quem são os chefes de família


Fonte: PNADC, elaborado por FGV IBRE.

Ao mesmo tempo em que essa melhora temporária se perde, Janaína observa um aumento de mulheres que se declaram chefes de família, refletindo uma pressão maior de outras responsabilidades além da busca por uma fonte de renda.  Com base em dados da PNAD Contínua, ela constatou que a partir de 2022 o número de mulheres que se autodeclaram chefes de família superou o de homens, e que esse número continuou crescendo em 2023, com aumento de 0,8 ponto percentual, somando 51,7% do total. Pela definição do IBGE, uma pessoa chefe de família é aquela que é reconhecida por todos da casa como a responsável pelos negócios da respectiva casa. Para ilustrar o tamanho dessa transformação, ela cita que em 2012 o percentual de mulheres que declaravam serem chefes de família era de 35,7%. “É uma mudança importante, que reflete não apenas alterações nas normais sociais e culturais, mas fenômenos subjacentes como o aumento de domicílios chefiados por mães solo”, ilustra. Assim, se por um lado há uma transformação fruto de um aumento da escolaridade de mulheres, que passam a compartilhar mais responsabilidades financeiras relacionadas à provisão da família, há também um aumento daquelas que não têm a quem delegar essa tarefa.

Evolução do Rendimento Habitual de todos os trabalhos – a valores de 2023.T4
Todos os trimestres

 

Evolução do Rendimento Habitual de todos os trabalhos – a valores de 2023.T4
Apenas os 4º trimestres


Fonte: PNADC, elaborado por FGV IBRE.

Mesmo entre as que trabalham, Janaína lembra que as condições tendem a ser desiguais. A partir de dados do IBGE, Janaína identificou que as mulheres que trabalham e são chefes de família ganham 30% menos que os homens chefes de família. Outro levantamento da pesquisadora é a composição salarial e de gênero entre diretores e gerentes gerais no Brasil. Nesse grupo, as disparidades se repetem. Em média, a participação das mulheres no total dos empregados é de 39%, mas em determinados segmentos a diferença é ainda maior. Entre dirigentes do setor agropecuário, elas representam 9,3% dos profissionais; no setor de tecnologia de informação e telecomunicações, as mulheres em cargos de direção somam 13% do total. Na média, a diferença de salários entre homens e mulheres que ocupam o mesmo cargo segue o mesmo padrão, de 30%. No ano passado, o presidente Lula sancionou lei (no 14.661) que determina igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres, mas Janaína considera que não se pode esperar mudanças significativas a partir dessa norma. “Trata-se de um fenômeno multifatorial, que não se corrige apenas com uma lei. Ela é uma sinalização para a sociedade de que o governo quer gerar equidade, mas sozinha não terá resultado, porque parte dessa desigualdade que a gente observa no mercado de trabalho aconteceu bem antes dessas mulheres entrarem para o mercado, nas decisões que são tomadas sobre sua trajetória de vida que acabam condicionando a uma situação de desequilíbrio”, afirma. “Mudanças nesse campo não acontecem rapidamente. Demandam que uma nova geração mais qualificada e mais representativa em profissões além daquelas relacionadas ao cuidado – entre outras do setor de serviços, em que as mulheres já estão mais bem representadas –  cheguem para ganhar participação.”

Taxa de participação – 14 +

 

Taxa de participação – períodos selecionados – 14+


Fonte: PNADC, elaborado por FGV IBRE.

Na outra ponta desse quadro estão as mulheres fora do mercado de trabalho. No final de 2023, entre aquelas de 18 a 60 anos que se declararam chefes de família, 33,6% não tinham trabalho formal ou informal, nem buscavam uma ocupação, somando 30 milhões. Entre os homens, esse percentual é de 10,6%, representando 28 milhões.  Janaína lembra que, no Brasil, a taxa de participação, que mede o percentual de pessoas em idade para trabalhar que estão empregadas ou buscando emprego – ainda está menor que no pré-pandemia: ou seja, menos gente no mercado de trabalho. Mas, entre homens, a diferença do quarto tri de 2023 para o quarto tri de 2019 é de 0,8 ponto percentual, contra 1,5 ponto percentual entre mulheres. Ainda que a condição de liderança, de acordo à definição do IBGE, não se limite à capacidade financeira, Janaína destaca que é um percentual grande diante das responsabilidades com que esse grupo tem de lidar. “Programas de transferência de renda, como o Bolsa Família – que prioriza que mulheres recebam o benefício – podem explicar parte desse resultado”, diz. Ela destaca, entretanto, que não se pode descartar um aumento da dificuldade que essas chefes de família têm sentido para voltar, como a gerada pelo próprio tempo fora do mercado, que leva a crescente desatualização e perca de experiência.  

Rendimento Habitual de todos os trabalhos – 2023.T4 – cargos de diretoria ou gerência


Fonte: PNADC, elaborado por FGV IBRE..

Recentemente, Janaína publicou levantamento sobre um fenômeno relacionado a esse desafio, que vem ganhando relevância: o da “geração sanduíche”, como é conhecido o grupo de adultos entre 35 e 49 anos que convivem com crianças e idosos em seus lares. Conforme aumenta a expectativa de vida da população, ampliam-se as chances desses arranjos existirem. “Apesar da uma redução da taxa de natalidade tender a contrabalançar esse quadro, no Brasil culturalmente os jovens moram até mais tarde com os pais – diferentemente dos Estados Unidos, por exemplo, onde é comum vê-los sair de casa na época da faculdade”, compara Janaína. Hoje, diz, essa geração sanduíche soma 1 milhão de pessoas no Brasil, a maior parte mulheres. Destas, 34% estão fora do mercado de trabalho e, entre as que trabalham, 37% estão na informalidade.

Diante de uma balança repleta de fatores que pesam desfavoravelmente às mulheres, a pesquisadora do FGV IBRE reforça a importância de políticas de apoio a esse grupo, começando pelo acesso a creches, e que também passa pelo estímulo à formalização. No início de março, o governo federal anunciou a criação do programa Asas para o Futuro, para inclusão de mulheres de 17 a 30 anos, especialmente negras e moradoras de periferia – no mercado de trabalho focada em qualificação, que também prevê ações para formalização de empreendedoras.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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