“Educação é cada vez mais importante para recuperar a participação da mulher no mercado de trabalho”

Janaína Feijó, pesquisadora do FGV IBRE

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Da mesma forma que a pandemia tirou mais emprego de mulheres do que de homens em 2020, a recuperação do mercado de trabalho observada em 2021 no Brasil continuou beneficiando mais os trabalhadores do sexo masculino. Levantamento realizado pela pesquisadora do FGV IBRE Janaína Feijó indica que, filtrada por gênero, a taxa média anual de desemprego – que em 2021 fechou em 13,2%, de acordo ao IBGE – foi de 16,45% para as mulheres, não só acima da média como mais alta que a registrada em 2020, de 16,26%. “Enquanto isso, entre homens o desemprego caiu de 11,82% em 2020 para 10,71% em 2021. Ou seja, a melhora do emprego registrada em 2021 deveu-se praticamente à melhora do mercado entre trabalhadores homens”, diz.

Esse quadro ainda é mais grave quando se observa que as mulheres também estão atrás na recuperação da taxa participação no mercado de trabalho depois do choque sanitário. Ou seja, o desemprego mais alto se dá mesmo tendo menos candidatas em busca de uma vaga. Enquanto em 2021 a taxa de participação dos homens fechou 1,88 ponto percentual (p.p.) abaixo da registrada em 2019, entre as mulheres essa distância foi maior, de 2,78 p.p.  “A taxa de participação das mulheres registrada em 2021, de 51,56%, equipara-se à de dez anos atrás”, diz Janaína, ressaltando que a pandemia interrompeu a gradual melhora da inserção de mulher no mundo do trabalho. Esta atingiu seu maior nível da década em 2019, de 54,34% do total das mulheres em idade ativa. 

Taxa de participação na força de trabalho


Fonte: Elaboração da autora com base nos microdados da PNAD Contínua disponibilizados pelo IBGE. OBS: Valores anuais se referema média dos quatro trimestres.

 

Evolução taxa de desemprego por gênero


Fonte: Elaboração da autora com base nos microdados da PNAD Contínua disponibilizados pelo IBGE. OBS: Valores anuais se referema média dos quatro trimestres.

A pesquisadora do IBRE lembra que a queda mais intensa da participação das mulheres na força de trabalho nos últimos anos pode estar relacionada ao aumento da demanda por cuidados culturalmente identificados como de responsabilidade das mulheres durante a pandemia, como a atenção aos filhos enquanto as escolas não retomaram as aulas presenciais. E cujo impacto financeiro pode ter sido compensado pelo auxílio emergencial –  especialmente em 2020, quando os valores transferidos eram mais altos e cobriam um maior número de beneficiários. Janaína destaca que a conquista de uma nova vaga por esse grupo tende a ser mais desafiadora no contexto atual, lembrando que com a pandemia a demanda por trabalhadores tendeu a aumentar entre aqueles com mais anos de escolaridade, muitas vezes em áreas nas quais a participação feminina é historicamente baixa, como a de tecnologia da informação. De acordo às Contas Nacionais do IBGE, o setor de informação e comunicação, que em 2020 já tinha fechado o ano em níveis superiores ao pré-pandemia, em 2021 foi o de maior crescimento pela ótica da demanda, com expansão de 12,1% em relação a 2020.

“Grande parte das mulheres afetadas pela pandemia têm baixo nível educacional, e isso é um fator que falará ainda mais alto daqui em diante”, reforça Janaína, indicando que entre os cerca de 7,5 milhões de mulheres que estavam desempregadas em 2021, mais da metade – 3,8 milhões – têm como nível máximo de instrução o ensino fundamental completo. “Se analisarmos as mulheres de 20 a 59 anos fora da força de trabalho no ano passado, que somam 21 milhões, 51% não têm o ensino médio completo”, ilustra. Também é entre os grupos menos escolarizados que se concentra a maior distância do nível de emprego em relação ao pré-pandemia: 3,63% acima da taxa de 2019 para as que têm até o fundamental completo. No grupo com ensino médio completo o superior incompleto, a taxa de desemprego em 2020 foi de 19,04%; e com superior completo, 7,77%.

Taxa de desemprego, por nível educacional


Fonte: FGV IBRE, com dados IBGE.

Incentivar que as mulheres estudem e se capacitem, diz Janaína, é um desafio que será crucial também para mitigar a histórica diferença salarial entre homens e mulheres que ocupam as mesmas funções. “Em 2021, passamos a observar essas diferenças salariais mesmo nas ocupações de remuneração mais baixa – algo bem menos comum há dez anos, ou mesmo antes da pandemia, em 2019”, compara. Esse desafio, ressalta a pesquisadora, passa não apenas pelo grau de escolaridade, mas por uma mudança cultural que vai desde a criação – lembrando de famílias onde ainda se incentivam diferenças de gênero no desenvolvimento de atividades e interesses, como as relacionadas a tecnologia, engenharia e matemática, que hoje oferecem remunerações melhores. “Há uma série de normas culturais e sociais que levam as mulheres a buscar ocupações avessas ao risco, o que acaba limitando a carteira de atividades às quais postular se comparadas aos homens”, diz, lembrando que essa regra inclui várias atividades que se popularizaram mais recentemente, como a de motoristas de aplicativo e entregadores. Mas que também são percebidas em muitas ocupações tradicionais. “Quando observamos a participação de homens e mulheres em atividades que exigem ensino superior completo, é patente a diferença na participação de mulheres e homens conforme a remuneração de cada cargo, prevalecendo as primeiras nas ocupações de menor salário”, diz. A remuneração média das mulheres em 2021 foi 19,9% menor do que a dos homens; no caso apenas de ocupações com ensino superior, essa diferença chegou a 37,3% contra as mulheres.

Composições de gênero por classe de rendimento - total
2021 T4


Fonte: FGV IBRE.

 

Trabalhadores com ensino superior completo
2021 T4


Fonte: FGV IBRE.

Para melhor ilustrar essa desigualdade, Janaína listou as profissões com maiores e menores salários, separando a participação dos empregados por gênero. Entre as dez mais bem-remuneradas, apenas entre médicos as mulheres são maioria apertada (51,1% versus 48,9%). Nas demais, a vantagem dos homens varia de 4,4 pontos percentuais, no caso de professores do ensino superior, a 97,1 p.p. para técnicos de navegação marítima e aeronáutica. Já entre os dez menores salários os homens superam as mulheres nas ocupações de encarregados de registros de materiais e de transportes (75,7% versus 24,3%) e trabalhadores do esporte e condicionamento físico (60,5% versus 39,5%). “No caso da formação superior, é preciso combater o estigma de algumas áreas de formação que ainda são de predominância masculina. Já para as mulheres com menos escolaridade, o poder público pode atuar na promoção de cursos técnicos que desenvolvam conhecimentos relacionados à demanda do mercado”, diz Janaína, incluindo nessa lista habilidades mais gerais que ajudem a candidata a melhorar seu desempenho em entrevistas de emprego. Além disso, a pesquisadora reitera a importância do fortalecimento de políticas públicas que ajudem as mulheres a conciliar a maternidade com seu desenvolvimento profissional, como a do auxílio maternidade, permitindo a divisão do período de licença entre os pais, e a expansão da oferta de creches. “Além disso, nas empresas, há a possibilidade de maior desenvolvimento do trabalho remoto e híbrido, popularizado na pandemia, que pode colaborar para que as mulheres conciliem melhor suas obrigações diárias”, conclui.

Composição de gênero nas atividades com maior e menor rendimento


FONTE: FGV IBRE, com dados IBGE.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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