Pesquisadores do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público detalham o crescimento das emendas parlamentares na última década

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O expressivo crescimento das emendas parlamentares – cujo total autorizado no Orçamento de 2024, de R$ 44,67 bilhões, representa quase sete vezes o valor empenhado em 2014, há uma década, em valores nominais – foi tema de análise da Carta do IBRE de abril, repercutida em matéria do Valor Econômico (link aqui, acesso restrito a assinantes) de hoje.

Identificado como fonte de descoordenação da ação pública e de risco de má alocação de recursos, devido à ampliação da discricionariedade com que parlamentares passaram a destinar essas verbas – tema amplamente discutido nas páginas da Conjuntura Econômica (veja um resumo aqui) –, esse aumento reflete um conflito entre Legislativo e Executivo sobre a forma de elaboração e execução do Orçamento que precisa ser mais bem entendida para ser mais bem equacionada, defendem pesquisadores do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público (CPFO), do FGV IBRE, .  Ainda que haja uma clara tendência de priorizar retorno eleitoral mais do que políticas estruturantes com resultados monitorados, a crítica às emendas “subentende que o Congresso é incapaz de alocar recursos, quando considerado em seu conjunto, de forma benéfica para o País”, dizem os pesquisadores, que trazem um histórico da evolução desse instrumento para analisar a fonte dos conflitos que culminaram, por exemplo, no orçamento secreto.

Manoel Pires e Carolina Resende, respectivamente coordenador e pesquisadora do CPFO, começam esse levantamento em 1995, quando a Resolução número 2 do Congresso criou dois tipos de emenda. A primeira, individual, para representar interesses locais, limitada a 20 por parlamentar. A segunda é a coletiva, de bancada ou comissão, focada em um viés mais estruturante, com limite de dez para bancadas estaduais, cinco para as regionais e cinco para comissões permanentes. Em ambos os casos, não se previu obrigatoriedade de execução, o que deva ao Executivo grande poder de barganhar sobre quais seriam de fato executadas. Com isso, oposição e legisladores propensos a votar contra o Executivo eram induzidos a se alinhar com o governo para terem suas verbas liberadas.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 2001, aportou dois principais elementos a essa equação: a meta de resultado primário como alicerce do regime fiscal, com o dispositivo de contingenciamento em caso de risco de descumprimento; e a tendência de superestimação de receitas, jogando o conflito distributivo da elaboração para a execução do Orçamento.  Pires e Resende destacam que, durante os anos 2000, quando houve forte expansão de receita, essa dinâmica foi equacionada pela efetivação de uma arrecadação maior. Quando o crescimento desacelerou e essa superestimação não foi acompanhada de surpresas positivas do lado da receita, entretanto – algo que passou a acontecer a partir de 2011-12 – as diferenças começaram a emergir gerando insatisfação do Congresso, dada a preferência do governo em cortar emendas a gastos discricionários do Executivo.

Evolução das emendas parlamentares no Orçamento Federal

 

Em participação (%) no conjunto das despesas discricionárias


Fonte: Siop, com eolaboração do FGV IBRE De 2014 a 2023, consideram-se valores empenhados. Para 2024, consideram-se valores autorizados.

A reação do Congresso veio na forma de normatização de emendas para garantir recursos e a execução destes, reduzindo o poder do Executivo sobre estas. A Emenda Constitucional 86, aprovada em 2015 criou a vinculação das emendas individuais a 1,2% da receita corrente líquida (RCL), introduzindo ainda uma regra de impositividade, prevendo que seu contingenciamento deveria ser proporcional ao realizado nas despesas discricionárias do Executivo. Já em 2019 a EC 100 criou a vinculação das emendas de bancada a 1% da RCL, e a EC 105 criou o “pix orçamentário”, em que os recursos vão para prefeituras e governo estaduais com total liberdade de alocação. E, na LDO de 2020, foi criada a emenda de relator-geral, conhecida como orçamento secreto, que destina verbas orçamentárias a projetos escolhidos por parlamentares sem identificação destes e com baixa transparência sobre o emprego dos recursos. As emendas de relator foram declaradas inconstitucionais pelo STF em 2022, mas os pesquisadores lembram que parte do acordo político para sua extinção previu um aumento do percentual de vinculação das emendas individuais de 1,2% para 2% da RCL – adicional que equivaleu a metade do valor do orçamento secreto – ao que se somou um aumento das emendas de comissão. O capítulo mais recente dessa história começa na elaboração do PLDO de 2024, em que se discutiu um cronograma de pagamento de emendas, para incrementar o controle da execução orçamentária, e o veto do presidente Lula a R$ 5,6 bilhões em emendas da comissão, com a reação do Congresso na tentativa de derrubar o veto.

Destino dos recursos em 2023
(% por área)


Fonte: Siop, elaboração FGV IBRE. *Em encargos especiais, 98% se refere ao Pix Orçamentário.

Na avaliação dos pesquisadores do CPFO, que inclui Braulio Borges, é irrealista a defesa de se voltar à situação inicial das emendas parlamentares, seja quanto ao seu volume seja quanto ao pode de decisão do Executivo em executá-las ou não. “É muito difícil voltar ao que era”, afirmou Pires ao Valor. “A experiência de democracias mais avançadas, com processos orçamentários fortalecidos, mostra um papel mais relevante do Poder Legislativo em coordenar políticas públicas com o Executivo do que vemos aqui.” Para os pesquisadores, o caminho é, como dizem na Carta do IBRE, “encarar a atual situação como um processo em que o Congresso precisa definir de maneira mais clara seu papel na gestão orçamentária. E, nesse processo, corrigir vícios de atuação, definir as prioridades alocativas, monitorar a execução do orçamento e avaliar o que está sendo executado”.

Na Carta, são enumeradas algumas sugestões para aprimorar a interação Legislativo e Executivo:

- capacitar o Congresso Nacional, melhorando sua estrutura técnica e qualificando o método de definição de emendas.

- promover uma avaliação de retorno econômico e social das emendas, estabelecendo critérios mínimos para inclusão no orçamento público.

- regulamentar a indicação de beneficiários das emendas de comissão, mitigando a volta da dinâmica do orçamento secreto, em que um parlamentar pode dispor do recurso da forma que quiser.

- criar condições para fiscalizar as transferências especiais, as chamadas “emendas PIX”.

- e, no médio/longo prazo, fortalecer as comissões temáticas (que tratam de saúde, educação etc.) para ampliar sua interação com as áreas setoriais do governo, ao mesmo tempo que devem ganhar mais força política no Congresso Nacional.

Borges, por sua vez, sugere a criação de uma assessoria como o Congressional Budget Office (CBO) dos Estados Unidos, que em conjunto com a Joint Committee on Taxation (JCT), “elenca prioridades em variados tipos de políticas públicas, definindo custos e benefícios das diversas propostas legislativas  – incluindo os impactos macroeconômicos sobre PIB e emprego, bem como a resposta comportamental dos agentes a essas mudanças propostas”.

O importante, destaca Resende, é mudar o tom do debate, evitando a ideia de criminalização das emendas parlamentares. “Um retorno ao passado é de certa forma o afastamento do Congresso do processo orçamentário”, disse ao Valor, reforçando que as experiências internacionais mostram que o caminho a se trilhar é o contrário.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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