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Os calcanhares de Aquiles do saneamento

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Há quatro anos foi aprovado o marco legal do saneamento básico do país. Houve muita disputa para a aprovação, mas o bom senso prevaleceu. A lei deu novos contornos ao saneamento, tema que não vinha sendo tratado de forma adequada, já que há muito a fazer para que milhões de brasileiros tenham acesso a água potável e tratamento de esgoto. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) mostram que, no ano passado, 50,3%% dos brasileiros não tinham coleta de esgoto e 83,3% tinham acesso a água potável.

Há tempos o saneamento, que gera externalidades positivas para a economia, reduz a pressão sobre o sistema de saúde devido à série de doenças ocasionadas por falta de esgoto e água tratada que são evitadas, reduz a desigualdade e dá dignidade às pessoas, não faz parte da bandeira da classe política. Todos dizem ser uma área importante, mas quando chega a hora de desenhar projetos, batalhar por recursos, o setor de saneamento é relegado a segundo plano.

Obras de saneamento são meio que invisíveis aos olhos da população, não tendo o mesmo impacto da construção de pontes, estradas. O que acaba não dando votos.

Nos últimos anos, o crescimento das redes de esgoto foi horrível. Se pegarmos 2007 como comparação em relação ao ano passado, houve um modesto crescimento de apenas 8,3%. O esgoto tratado subiu de 32,5% para 42,7%, quase nada.

Com o marco legal, houve uma maior conscientização da importância do setor para a economia, já que favorece emprego e renda, impulsiona o desenvolvimento de cidades, promovendo a qualidade de vida para a população, diretamente beneficiada pelas infraestruturas de água, esgoto, drenagem – que também é um grande nó, levando a catástrofes como as que vimos no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, especialmente nas regiões serranas –, e serviço de coleta de lixo.

Mas o que tem levado o Brasil a ser tão ausente nessa questão tão importante para que possamos caminhar rumo a um desenvolvimento econômico sustentável?

Temos tido alguns avanços, especialmente através do BNDES, que tem ampliado as suas linhas de financiamento para o setor, mas ainda em valores distantes do necessário. Para o Banco, o saneamento básico é um dos seus principais focos, desde que o presidente Lula começou a governar o país em seu terceiro mandato. No ano passado, o investimento no setor de saneamento pelo banco foi recorde, de R$ 22,45 bilhões, superando o pico anterior de 2014 e 26,4% acima do registrado em 2021. De 2000 até 2008, o investimento nacional esteve bem estável, em torno da média anual de R$ 8,9 bilhões. Criado em 2007, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) fez esse cenário mudar, praticamente dobrando o investimento, que atingiu um máximo de R$ 19,3 bilhões. A média de 2009 (quando o PAC começa a fazer efeito) a 2014 foi de R$ 17,3 bilhões.

Releia: artigo de Marcelo Miterhof e Letícia Pimentel, economistas do BNDES, na edição de março de Conjuntura Econômica, com o título Saneamento: universalização à vista?

Neuri Freitas, presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), e presidente da Companhia de Água e Esgoto do Estado do Ceará (Cagece), novo colunista da revista Conjuntura Econômica, elenca alguns pontos que têm travado o rumo à universalização do saneamento básico prevista para 2030.

O primeiro, e possivelmente maior gargalo, é disponibilidade de recursos financeiros para se chegar a essa universalização. Freitas destaca: “Considerando a baixa anuência da população aos sistemas de água e esgoto em curso e o grande aumento dos custos sobre o setor após a pandemia da Covid-19, as tarifas executadas pela maioria das companhias de saneamento são insuficientes para cumprir as metas estabelecidas no chamado novo marco legal do saneamento básico. As principais fontes de financiamento para ampliação e melhoria dos sistemas, nas fluentes circunstâncias, advêm de recursos onerosos, captados em bancos oficiais controlados pela União que, malgrado as condições satisfatórias de taxas de juros e prazo de pagamento, ainda amargam uma morosidade de burocracia que compromete a celeridade dos andamentos processuais”.

O presidente da Aesbe e Cagece também ressalta outro problema: a demora para a liberação de recursos quando esses são aprovados: “todo o trâmite para captação de recursos onerosos junto a essas instituições financeiras leva – numa ótica otimista – o prazo mínimo de um ano para conclusão. Até mesmo a iniciativa privada, que recebeu estímulo, uma vez editada a nova legislação, ora sob comento, para participar do setor, também se depara com as mesmas dificuldades para acessar recursos financiados, haja vista a burocracia do setor público.

Isso vale, igualmente, para instituições multilaterais, entre outras. Hoje, todo e qualquer movimento de captação de recursos, exceto no mercado de capitais, leva, no mínimo, um ano para ser concluído, até que os recursos sejam efetivamente aplicados”.

Outro problema que Freitas cita, com o qual convive diariamente, é a ociosidade das redes instaladas. “É comum que as companhias de saneamento encontrem resistência por parte da população na oportunidade de realizar a interligação às redes de água e esgotamento sanitário. São quilômetros e quilômetros de infraestruturas de água e esgoto ociosas em toda a extensão territorial do país. Esse estado de coisas preocupa e demanda ação mais efetiva por parte dos órgãos competentes, porquanto é por via da utilização das redes que o setor vai assegurar a universalização e garantir a sustentabilidade dos sistemas”.

A abrangência plena da rede a universalização só será possível se houver um novo pacto social, “com o comprometimento de todos os agentes responsáveis pelo saneamento básico. Insertam-se nesta lista de agentes: o poder concedente (municípios e estados), União, Poder Legislativo, Poder Judiciário, Ministério Público, prestadores dos serviços (públicos e privados), instituições regulatórias, diversos outros interessados e demais operadores do setor”.  

Se há necessidade de se acelerar os investimentos para se chegar à universalização, também é preciso se debruçar sobre a questão dos subsídios. Freitas chama a atenção de que ao “se verificar os mapas de cobertura de água e esgoto disponíveis no país, evidencia-se que a maior parte com sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário está localizada em regiões mais ricas das cidades. Assim, comprova-se que a universalização precisa abranger a população mais pobre e vulnerabilizada e que, por sua vez, possui dificuldades de pagar a tarifa dos serviços. Em ocorrendo assim, é fundamental a ajuda governamental para que as companhias de saneamento viabilizem investimentos e assegurem modicidade tarifária. Quando o setor se reporta à política de subsídio, refere-se, não apenas, à necessidade de aporte governamental de recursos para obras de ampliação de rede, como também para beneficiar pessoas de baixa renda, que, nas mais das vezes, contam apenas com a limitada tarifa social, concedida por iniciativa das próprias companhias”.

E mais um problema veio agravar ainda mais a questão do saneamento, colocando em risco a busca à universalização:

“Recentemente, por falta de reconhecimento do potencial transversal e de transformação que o saneamento básico possui na vida das pessoas, o Congresso Nacional, durante a aprovação da reforma tributária, desconsiderou a manifestação das entidades representativas do setor para incluí-lo em regime diferenciado de tributação, equiparado à saúde. Como resultado, as projeções demonstraram um choque médio de 18% de aumento nas tarifas de água e esgoto, uma vez que a tributação mais do que dobrou com a reforma recém-aprovada, elevando a alíquota de tributação para 27,5%, ante os 9,25% cotizados anteriormente”, comenta em seu artigo Freitas.

Leia a íntegra do artigo na edição de julho da revista Conjuntura Econômica. Acesse gratuitamente.

Assista o webinar Diálogos Estratégicos que vai debater as mudanças climáticas e o saneamento, com a participação de Silvia Matos, do FGV IBRE. A moderação será de Solange Monteiro, editora da revista Conjuntura Econômica. Dia 16 de julho, das 10h às 12h. Transmissão ao vivo pelo canal YouTube da AESBE.     

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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