Emendas parlamentares e a eficiência do gasto público
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Em 19 de dezembro de 2022, o STF concluía o julgamento que definiu a inconstitucionalidade das emendas de relator, que ficaram conhecidas como orçamento secreto, por sua falta de transparência quanto a seu destino. Com a decisão do Supremo, essa modalidade de emenda passou a ser liberada apenas para correções no projeto de lei orçamentário – que era sua função original até 2020, quando ganhou relevância como moeda de troca entre Executivo e Legislativo, em um processo gradual de deterioração da qualidade do uso desse instrumento. Basta lembrar que as chamadas emendas PIX, de transferência direta para a conta dos estados e municípios sem necessidade de um programa de trabalho acordado com o governo federal, surgiram em 2019. A proporção alcançada pelo orçamento secreto, entretanto, escancarou o problema, a ponto de o próprio Congresso aprovar um grupo de regras e critérios de divisão e transparência para as emendas de relator, em uma tentativa malsucedida de evitar a derrota no STF.
Mas esse não foi o fim da guerra. Um ano e um dia depois, na votação do projeto de Orçamento de 2024, a mesma questão volta à cena, de outra forma. Nesta quarta-feira (20), a relatoria do Orçamento de 2024 no Congresso pressionou para elevar os valores destinados a emendas parlamentares para R$ 53 bilhões, dos quais acerca de R$ 16,6 bilhões podem ser dedicados às emendas de comissão – que são definidas por integrantes dos colegiados do Congresso –, apontadas pelos próprios parlamentares como uma substituta das emendas de relator. A previsão anterior era de que essa modalidade de emenda levaria R$ 11,3 bilhões.
Esse aumento da aposta pelos parlamentares é reflexo da relação de forças entre Legislativo e Executivo, mas também de uma parte do debate sobre eficiência do gasto público que ficou adormecida nos bancos do STF depois da decisão sobre o orçamento secreto, e que ganhava corpo. Na revista Conjuntura Econômica, os alertas sobre os descaminhos das emendas foram acionados em setembro de 2021, em artigo de Paulo Hartung, Marcos Mendes e Fabio Giambiagi que teve ampla repercussão na mídia (reveja aqui). No texto, eles apontavam a extrapolação de seu uso, de instrumento legítimo de conexão de parlamentares com suas bases políticas para uma captura orçamentária que comprometia a eficiência de políticas públicas. E traçavam uma linha divisória clara para identificar o uso adequado de emendas: não comprometer a qualidade do orçamento; atender a uma lógica coletiva; e ser objeto de escrutínio público. Todos os sinais, naquele momento, já eram de distanciamento desses princípios. Um dos exemplos mais ilustrativos foi o do Censo Demográfico, que não tinha entrado para o Orçamento de 2021 devido à falta de de R$ 2 bilhões, enquanto as emendas ocupavam R$ 34 bilhões do gasto previsto.
Em 2022, a tensão se amplificou. Na edição de dezembro, a Conjuntura abordou propostas locais e exemplos internacionais – no caso, dos Estados Unidos – para disciplinar o uso das emendas. Hartung, Mendes, e Giambiagi também retomaram o tema, enumerando recomendações como: - extinguir diferentes modalidades de emendas, substituindo-as por emendas pré-aprovadas pelas comissões temática da câmara e do Senado; - fixar um teto de valor; - tornar sua execução obrigatória, para evitar que se tornem instrumento de formação de maioria política; - priorizar seu uso para manutenção de programas/obras já existentes ou no reforço a programas já propostos pelo Executivo no Orçamento; - definição na LDO de programas e ações passíveis de receber reforço orçamentário via emendas.
Em entrevista na Conjuntura deste mês, Giambiagi classificou a alocação orçamentária na casa de R$ 50 bilhões em 2024, diante do momento fiscal que vivemos, uma aberração. “Por quê? Pensemos numa política pública meritória, de interesse nacional e que faria todo sentido ser coordenada pelo Governo Federal: um plano de prevenção de desastres naturais. Todo ano, no verão, há chuvas torrenciais em algum lugar, seguidas daquele quadro conhecido: deslizamentos, enchentes, mortes. Hoje no Rio, amanhã em Minas, depois de amanhã na Bahia. É um problema do país, não do Estado A ou B. Dá para pensar em um plano nacional, adaptado a cada realidade local, para no prazo de 5 a 10 anos identificar, mapear e atacar todas essas ameaças. E o que se faz? Nada. E todo ano temos o mesmo drama. Por quê? Porque não há recursos. Por outro lado, todo ano temos uma série de gastos sem sentido”, criticou. Em entrevista para a Conjuntura publicada ontem no blog (leia aqui), a presidente da Embrapa Silvia Massruhá compartilhou a dificuldade, nos últimos anos, de garantir recursos de custeio de pesquisa para o setor agrícola nacional, importante propulsor das exportações brasileiras, dada a restrição fiscal do país. A alternativa? Buscar nas emendas os recursos faltantes, sob um contexto de incerteza.
No IV Seminário de Análise Conjuntural do FGV IBRE, Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro, ressaltou que o exercício de disciplina de gastos públicos que o país têm de completar em 2024 passa por uma melhor alocação de recursos, o que também inclui as emendas parlamentares. “Se continuarmos gerando incentivos equivocados, piora-se o ambiente de negócios”, afirmou. Em 2024, a primeira vítima desse aumento tende a ser o Novo PAC, que no relatório do Congresso passou a ter R$ 44,3 bilhões disponíveis, contra uma alocação na casa dos R$ 60 bilhões prevista anteriormente, que o governo pretendia ser constante em 2025 e 2026, em nome do bom funcionamento do programa.
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