Transição energética: falta liderança clara para Brasil explorar oportunidades, afirmam especialistas em webinar

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O potencial que o Brasil tem para explorar as oportunidades de negócios advindas da transição energética é reconhecido no mundo, mas as possibilidades de este se transformar em negócios e desenvolvimento inclusivo ainda não estão dadas. Essa foi a mensagem que Joisa Dutra, diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura (FGV Ceri) e Suzana Kahn, diretora-geral da Coppe/UFRJ, deixaram no webinar promovido por FGV IBRE e Folha de S. Paulo nesta quarta-feira (24), moderado por Fernando Canzian, repórter especial da Folha. Ambas concordaram que, mesmo sendo um tema debatido em diferentes esferas de governo, ainda falta uma liderança clara que estabeleça a estratégia que o país seguirá.

“Precisamos fazer com que desta vez não valha a frase de Roberto Campos, de que o Brasil não perde oportunidade de perder oportunidades”, afirmou Joisa Dutra, diretora do Centro de Regulação e Infraestrutura (FGV Ceri). Dutra destacou que consultorias internacionais posicionam bem o Brasil quanto a sua capacidade de atração de investimentos em renováveis. “Avançamos em sinalizações de políticas mais explícitas no combate ao desmatamento ilegal e ênfase em pequenos produtores, buscando uma agricultura mais inclusiva com pegada ambiental mais vantajosa, e mesmo no segmento de transporte”, enumerou. Mas ressaltou que em algumas frentes, como na de hidrogênio de baixo carbono, o Brasil tem perdido posições no ranking de competitividade (sobre o tema, leia artigo de Joisa Dutra na Conjuntura de janeiro). “Chegamos a ser classificados entre as economias com potencial de produção de menor custo por quilo de hidrogênio verde (H2V), mas já perdemos essa classificação porque alguns países têm agido para aproveitar essa oportunidade de transição para colocar em movimento políticas que não são perfeitas, mas são articuladas para essa inovação florescer e eventualmente ganhar mercado, que foi o que aconteceu com a geração eólica e solar”, afirmou, destacando a demora na aprovação de marcos legais tanto para o H2V quanto para a geração de eólica offshore. “Temos identificados ao menos cinco potenciais hubs de exportação de H2V, há mais de três anos começamos a discutir essas legislações, mas não conseguimos avançar.” (sobre produção brasileira de hidrogênio verde, leia especial da Conjuntura de setembro/23)

Além da geração por fontes renováveis, Dutra lembrou que o país terá o desafio de ampliar a eletrificação na matriz energética, o que significa expansão de redes, engordando a demanda por investimentos. “Nosso custo de capital é relativamente alto, mesmo se comparado com outras economias emergentes. Mobilizar esse capital vai custar caro e pode comprometer o ritmo da nossa transição”, afirmou.

A diretora do Ceri comparou o atual risco de frustração com a derrota de 7x1 do Brasil contra a Alemanha na Copa do Mundo de 2014. “Criatividade e futebol arte não bastam”, afirmou, relacionando a histórica característica do futebol brasileiro com as vantagens comparativas do Brasil no campo da transição energética. “É preciso dedicação e uma política articulada”, destacando os exemplos dos Estados Unidos, “onde conseguiu-se articular entre os dois partidos um programa para canalizar recursos para as novas tecnologias necessárias para a descarbonização”, o Inflation Reduction Act, bem como as políticas operadas na União Europeia e na China. “Hoje, na atual arquitetura do governo brasileiro, há 17 ou 18 ministérios com atribuições sobre políticas climáticas. Mas como se articula isso quando se trata de desafios importantes?”, questionou. “Precisamos pensar um plano estruturado que articule diferentes entes e crie espaço que essas iniciativas inovadoras têm nas outras regiões.”

A última milha

Suzana Kahn, diretora geral da Coppe/UFRJ, reforçou o alerta, destacando a exploração de petróleo offshore, o etanol e a Embrapa como exemplos de sucesso em que o Brasil foi capaz de definir sua estratégia. “É preciso que alguém assuma esse papel de negociar, discutir e conseguir fazer com que a pauta avance”, defendeu. “Não dá para cada um puxar de um lado, pois acabamos patinando, sem avançar.”

Kahn ressaltou que, apesar de o debate da transição energética estar concentrado na geração elétrica, há muitos desafios pendentes quando se trata de substituir os hidrocarbonetos como matéria-prima na fabricação de produtos que vão de fertilizantes e plásticos a tintas e diversos tipos de fibra, como as usadas na indústria têxtil. “Países tropicais como o Brasil têm enormes chances de liderar a transição por essa frente também, mas é preciso um olhar mais dedicado à inovação para biotecnologia”, defendeu. Biomassa, afirma Kahn, não falta para isso, bem como resíduos – por exemplo, na agricultura – que poderiam ser mais bem-utilizados para descarbonizar a própria produção, como biocombustível para as máquinas usadas no campo. “Tenho um trabalho grande com acadêmicos chineses, e lá conheci o projeto que eles desenvolvem substituindo o material plástico usado na construção civil, como laminados, por bambu. Há cursos de arquitetura dedicados a isso. Ao voltar ao Brasil, descobri na Embrapa que nosso bambu é um dos melhores para essa finalidade, entre outros motivos, por sua resistência”, ilustrou.

A diretora da Coppe ressaltou que, para a formação de mercados para esses produtos inovadores e menos poluidores, colabora a ajuda da iniciativa privada, induzindo essa demanda. “A IKEA, por exemplo, é uma das grandes comparadoras de laminados a partir do bambu. E ela está se instalando na Colômbia, que também tem esse bambu que temos no Norte do Brasil, como no Acre, com o qual poderíamos estimular um desenvolvimento industrial na região”, exemplificou. “Temos investimento em pesquisa, ainda que possamos argumentar que seja baixo. Mesmo assim, desperdiçamos o pouco que se tem, porque não conseguimos reverter esses estudos para a sociedade, com uma maior conexão da pesquisa com as empresas.”

Outro exemplo citado por Kahn, foi o de uma parceria da Coppe com a universidade chinesa de Tsinghua para o desenvolvimento de uma enzima para a produção de biodiesel de forma mais eficiente. “Desenvolvemos essa enzima há dez anos. A diferença é que os chineses foram além do estudo, desenvolveram fábricas e hoje exportam para a Europa. É essa última milha que importa, e que nos falta.”

Kahn também defendeu que, para ser inclusiva, a transição energética precisa ser tratada de forma sistêmica, não só pensando além da geração, mas levando em conta a transição digital que corre em paralelo. “Se não capacitarmos as pessoas para um mundo que vive essa transição, em que a inteligência artificial abre espaço a uma especialização cada vez maior, teremos um aumento da desigualdade, pois estaremos diante de um mercado em que as atividades repetitivas serão substituídas e os empregos exigirão cada vez mais.”

A diretora do Ceri, por sua vez, resumiu os desafios de uma transição justa e inclusiva em três pontos. O primeiro, de garantir uma eletricidade de qualidade que o consumidor tenha condições de pagar. “Ou enfrentamos essa questão com medidas que busquem aumentar eficiência e sustentabilidade para o investimento, ou faremos transferências em que quem pode menos pagará para quem pode mais”, afirmou, referindo-se à recente medida provisória editada pelo governo que prevê redução da tarifa no curto prazo, mas inclui subsídios para geração renovável já estabelecida no mercado. “O segundo ponto é que temos que pensar em um sistema resiliente, pois os eventos climáticos vieram para ficar”, afirmou. “E, o terceiro, é pensar nas novas possibilidades de industrialização explorando nosso potencial competitivo. Industrialização é negócio, e negócio envolve custo de capital. Temos que mobilizar os instrumentos necessários nessa corrida pela inovação – dos quais hoje quem está se aproveitando são os países da OCDE, a Índia e a China. Por que não podemos fazer parte dessa inovação?”, desafiou.  

Reveja o webinar Caminhos para uma Transição Energética Segura.

 


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