Em Foco

A enrascada fiscal

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Na semana passada, escrevi nesse espaço o que quase todo mundo já sabia: que as metas do governo para o déficit primário, que nada mais é quando os gastos do governo superam o que se arrecada, tirando dessa conta o pagamento dos juros da dívida pública, não se cumpririam, como o próprio governo anunciou na semana passada. Vou voltar ao assunto.

Como lembra Braulio Borges, pesquisador associado do FGV IBRE, “prometer uma tênue consolidação fiscal só a partir de 2026 como anunciado, não deixa de ser uma péssima sinalização, arranha a credibilidade fiscal e pode ter impactos negativos na política fiscal por vários canais”.

Veja: Crônica de uma morte anunciada.

A mudança de rota do arcabouço fiscal, desencadeou uma série de efeitos. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que com as incertezas no cenário externo e a questão fiscal, o corte de 0,5 ponto na taxa de juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM), em maio, corre risco de não acontecer – as apostas são de um corte de 0,25 -, o que levou a reações do presidente Lula e parte de sua equipe, com o mesmo mantra de que o “BC deve baixar os juros”.

Por sinal, O Antagonista publicou matéria informando que o BC foi eleito o melhor Banco Central do mundo, no dia 12 de março desse ano. Segundo a nota “o prêmio reconhece o cenário desafiador para o BCB, à medida que o presidente do Brasil (...) pressionava o Banco para reduzir as taxas. Ele também pediu que alterasse a meta de inflação”, destacam os responsáveis pelo prêmio.

Na última terça feira (21), em café da manhã com jornalistas em Brasília, o presidente Lula, que tem amargado queda em sua popularidade, voltou a questionar a cobrança para que o governo alcance superávit primário em suas contas, afirmando o que considera como investimento, estaria sendo visto como “gasto”, quando se fala das medidas para aumentar as despesas com saúde e ampliar o crédito, uma das metas do governo para alavancar o consumo e a atividade econômica.

Mas parece claro que qualquer despesa para custeio da máquina pública, realização de obras e quaisquer outros programas são elementos que pressionam o fiscal.

E essa confusão com as contas públicas que não fecham e a pressão sobre o BC, tem levado o dólar a disparar, também puxado pelo aumento das tensões no Oriente Médio e pelos dados da economia norte-americana. A edição de abril do Boletim Macro FGV IBRE, enfatiza que “o arcabouço fiscal já está sendo alterado e não há muita resistência no Congresso para preservar o cenário de sustentabilidade fiscal. Recentemente, o Congresso alterou um dispositivo da regra fiscal antecipando a possibilidade de ampliação de despesas, podendo ampliar o gasto sem depender de uma nova avaliação das projeções orçamentárias. Ou seja, diante da dificuldade para se encontrar espaço no orçamento público para gastos nem sempre meritórios do ponto de vista social, o arcabouço pode ser facilmente alterado”, o que vem sendo feito.

Outro ponto destacado no Boletim é de que a “economia brasileira tem crescido acima de seu potencial, devido a uma política fiscal expansionista e um mercado de trabalho muito apertado, com salários crescendo acima da produtividade, o que dificulta a redução da inflação de serviços, mesmo com as condições financeiras se mostrarem significativamente apertadas (...) São vários os elementos capazes de influenciar o ritmo e a extensão do ciclo de baixa de juros no Brasil. Com a piora no ambiente internacional e as mudanças nos principais parâmetros do arcabouço aprovado no ano passado, tudo indica que o ciclo de queda está se encerrando em breve”.

Outra questão preocupante desse descontrole fiscal e gastos mal executados, é a questão das emendas parlamentares, cujo total autorizado no Orçamento para este ano é de R$ 44,67 bilhões, quase sete vezes o valor empenhado em 2014, em valores nominais, como mostra a Carta do IBRE, publicada na revista Conjuntura Econômica de abril, que também foi tema de matéria no Valor Econômico do último dia 24 (acesso restrito a assinantes).

Em setembro de 2021, publicamos na Conjuntura Econômica, artigo do Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, Marcos Mendes, pesquisador do Insper e Fábio Giambiagi, pesquisador associado do FGV IBRE, em que já se alertava para o crescimento das emendas parlamentares, em um processo de gradativa captura de recursos do Orçamento da União, e uma política de gastos mal direcionadas e sem nenhuma fiscalização. Ou seja: mau uso do dinheiro público (veja o artigo aqui).

Solange Monteiro, editora da Conjuntura Econômica, mostra que “identificado como fonte de descoordenação da ação pública e de risco de má alocação de recursos, devido à ampliação da discricionariedade com que parlamentares passaram a destinar essas verbas – tema amplamente discutido nas páginas da Conjuntura Econômica (veja um resumo aqui) –, esse aumento reflete um conflito entre Legislativo e Executivo sobre a forma de elaboração e execução do Orçamento que precisa ser mais bem entendida para ser mais bem equacionada, defendem pesquisadores do Centro de Política Fiscal e Orçamento (CPFO), do FGV IBRE”.

Relembre: Pesquisadores do Centro de Política Fiscal e Orçamento detalham o crescimento das emendas parlamentares na última década.

Mas com o bolo de recursos crescendo, a disputa por fatias mais gordas tem se acirrado, causando atritos entre o presidente da Câmara, Arthur Lira e o governo, aumentando a irritação do presidente Lula, pressionado por aumentos de gastos, de um lado, necessidade de sustentabilidade fiscal para dar segurança aos investidores, acalmar o dólar, por outro, e ter que melhorar a sua imagem, já que as pesquisas mostram queda de popularidade.

É uma enrascada enorme.

 

Inscreva-se no X Seminário de Política Monetária, que contará com a presença do presidente do Banco Central e economistas convidados. Na ocasião será prestada uma homenagem ao professor Affonso Celso Pastore, falecido recentemente.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir