Crescimento da população em idade ativa é maior entre mulheres negras, que mais desafios enfrentam no mercado de trabalho

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Levantamento recente realizado pela pesquisadora do FGV IBRE Janaína Feijó, repercutido na Globonews e na Folha de S. Paulo (link - pode estar restrito a assinantes do jornal), mostra que na última década o crescimento da população em idade para trabalhar (PIA) no Brasil se deveu principalmente ao aumento registrado entre mulheres negras. Entre o primeiro trimestre de 2012 e o de 2023, a PIA cresceu 13,4% no Brasil; entre mulheres negras, essa expansão foi de 24,5% – próximo do registrado para homens negros (22,3%), mas muito acima do percentual entre homens não negros (2,8%) e mulheres não negras (1,9%).

Nesse período, Janaína identificou que as mulheres negras ampliaram sua escolaridade. Por exemplo, a participação das que chegaram ao ensino superior e concluíram o curso dobrou, de 6% em 2012 para 12% em 2023. Esse avanço, entretanto, não foi suficiente para melhorar outros indicadores deste grupo no mercado de trabalho.  Apenas pouco mais da metade (51%) que têm idade para trabalhar (14 anos ou mais) estavam no mercado de trabalho – ou seja, empregada ou buscando uma atividade remunerada – no primeiro tri de 2023, muito abaixo da taxa de participação brasileira no agregado, de 61%. Entre essas mulheres, o desemprego continua sendo maior. No primeiro trimestre, permanecia em dois dígitos: 13,1%, contra 8,8% para o total do Brasil, de acordo aos dados do IBGE. “Entre todas as mulheres negras em idade para trabalhar, que somaram 50 milhões no primeiro trimestre de 2023, apenas 44% (22,1 milhões) estavam empregadas. Esse nível tem permanecido estável ao longo do tempo e é o menor quando comparado com os demais grupos: para as mulheres e homens não negros, esse percentual foi de 49,3% e 67,7%, respectivamente”, afirma Janaína.

População em idade para trabalhar (PIA) em milhões - 14 anos ou mais


Fonte: FGV IBRE com microdados da PNADC/IBGE.

Para as mulheres negras que conseguem superar o desemprego, o panorama tampouco é tranquilo. As empregadas estão majoritariamente em funções que apresentam remunerações mais baixas e que estão mais associadas à informalidade. Janaína ressalta que mais da metade (55%) são trabalhadoras dos serviços/vendedoras ou trabalhadoras de ocupações elementares.  Os fatores que levam a esse quadro são múltiplos, a começar por barreiras dadas por preconceitos ou falta de oportunidades para capacitação. A informalidade também se mostra o caminho para mães que não possuem uma rede de apoio – financeira e/ou de cuidados – para suas crianças pequenas. Levantamento anterior da pesquisadora do IBRE mostrou que, entre 2012 e 2022 o número de mães solo negras saltou de 5,4 milhões para 6,9 milhões, que representa quase 90% do crescimento total observado no período. Do total de mães solo brasileiras, 72,4% vivem em domicílios monoparentais, ou seja, compostos apenas por elas e seus filhos.

Além de muitas vezes optar pela informalidade para conciliar suas tarefas, se essas mães tiveram filhos jovens, acabam entrando para o grupo com menos chances de chegar ao ensino superior. Janaína mostra que entre mães solo com 15 a 60 anos no Brasil, 57% tiveram seus filhos com menos de 26 anos de idade. E entre as que tiveram filhos com 15 anos ou menos, apenas 3% têm ensino superior completo. “A situação mais comum observada entre mulheres brancas é planejar filhos para quando têm entre 28 e 30 anos, que é praticamente quando já finalizaram o ensino superior. É um momento em que provavelmente já conquistaram um trabalho estável, formal, que permite usufruir de licença maternidade”, cita Janaína.  Ela também ressalta que, quanto mais tempo longe do mercado de trabalho, mais difícil é a reinserção de um trabalhador, devido à falta de atualização de conhecimento ou de tempo para voltar aos estudos. Com conhecimento defasado, a tendência em geral é de se ficar para o fim da fila de seleção.

Composição educacional da PIA - dados selecionados - em %


Fonte: FGV IBRE com microdados da PNADC/IBGE.

O resultado da exposição a esse conjunto de fatores adversos, que levam a uma alta proporção de mulheres negras em ocupações de baixo valor agregado, também se reflete na remuneração. No primeiro trimestre de 2013, a remuneração média das mulheres negras era de R$ 1.948 – o que equivale apenas a 48% do que homens brancos ganham na média, 62% do que as mulheres não negras ganham e 80% do que os homens negros ganham. Cálculos feitos pela pesquisadora apontaram que 50% da distância entre a remuneração de mulheres negras e homens não negros está relacionada a características do trabalho referentes ao tipo de atividade/função que elas exercem. “Então, é importante perseverar em melhorias no campo da educação”, afirma.

Participação e desemprego - 14 anos ou mais - em % - 1º trimestre de 2023


Fonte: FGV IBRE com microdados da PNADC/IBGE.

Mas não é só. Janaína ressalta que, em um país que apresenta baixo crescimento populacional – tal como o Censo do IBGE demonstrou para o Brasil –, e em que a maior parte da expansão da população em idade para trabalhar se concentra nas mulheres negras, não cuidar para que estas tenham melhores e mais chances de se desenvolver profissionalmente significa desperdiçar potencial de crescimento econômico do país como um todo. “Essas mulheres já registraram ganhos em escolaridade na última década, mas as dificuldades em inseri-las no mercado de trabalho se mantêm. E pessoas mais educadas tendem a contribuir mais para o crescimento”, diz, recordando estudos do Observatório da Produtividade Regis Bonelli (sobre esses trabalhos, leia matéria Ganhos reais,  na Conjuntura Econômica de maio). “Enquanto outros países estão em alerta, devido ao encolhimento da população em idade para trabalhar, tivemos um crescimento importante puxado pelas mulheres negras, mas as estamos deixando do lado de fora.”

Participação das mulheres negras em cada função


Fonte: FGV IBRE com microdados da PNADC/IBGE.

O levantamento de Janaína foi realizado em referência ao Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, celebrado em 25 de julho.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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