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A guerra amplia incertezas e torna projeções um quebra-cabeças

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

A guerra entre Israel e o Hamas elevou ainda mais a instabilidade nos mercados. Embora seja cedo para avaliar as reais dimensões do conflito no cenário econômico e político, uma questão já está presente: o preço do barril do petróleo. Na semana seguinte ao ataque do Hamas a Israel, o preço voltou a subir, aproximando-se de US$ 90 por barril do tipo Brent.

Na verdade, é bom lembrar que desde meados de julho o petróleo tem ficado mais caro, pela menor oferta devido a cortes de produção feitos pela Arábia Saudita. Mas como a economia mundial está crescendo menos, isso tem brecado uma alta mais acentuada do barril. O que pode mudar se o conflito no Oriente Médio se alastrar.

Até agora, essa guerra não se expandiu para países que são importantes produtores de petróleo, como ocorreu há 50 anos, durante a guerra do Yom Kippur, quando árabes e israelenses se envolveram no conflito, levando os preços do petróleo às alturas, o que impactou toda a economia mundial. A questão é se uma intensificação do conflito arrastar outros países, como Irã, oitavo maior produtor mundial de petróleo – o que, até o momento, parece descartado. Além disso, outros atores passaram a ter presença no mercado, embora ainda em menor escala, como é o caso do Brasil, que passou a exportador óleo bruto. Também a decisão dos Estados Unidos de retirar o bloqueio à Venezuela pode voltar a atrair investimentos para o setor petrolífero local, sucateado durantes anos pela falta de recursos. A Venezuela tem reservas de mais de 300 bilhões de barris de petróleo. Mas um aumento de produção no país pode levar tempo.

Os efeitos da guerra – é bom não esquecer que há uma outra, entre Rússia e Ucrânia, que quase sumiu dos noticiários –, são abordados no Boletim Macro FGV IBRE de outubro, que também sinaliza as dificuldades para um processo de desinflação nos Estados Unidos, o menor crescimento da economia chinesa e a manutenção de juros elevados nos países desenvolvidos por um prazo mais longo.

“Juros longos devem permanecer em patamares mais altos em quase duas décadas, dólar mais valorizado e preço do petróleo mais elevado restringem o espaço para a flexibilização monetária nos países emergentes. De fato, condições financeiras mais restritivas em nível mundial pressionam as moedas dos emergentes, dificultando o processo de desinflação”, diz o Boletim.

O que, sem dúvida, impacta o Brasil, só não se sabe ainda em que magnitude. André Braz, coordenador dos Índices de Preços do FGV IBRE, acredita que, desde que não haja um espraiamento do conflito, “a tendência, por ora, é de que as flutuações do petróleo não tirem o IPCA da rota de fechar dentro do intervalo de tolerância da meta em 2023”. 

Relembre: Mesmo com petróleo volátil, alimentação continua ancorando inflação para fechar 2023 no intervalo da meta.

Fazer análises e projeções com duas guerras em andamento, aumento de tensão no Oriente Médio, inflação que não cede no mundo, menor crescimento, tem se tornado uma tarefa cada vez mais árdua para os economistas. Um verdadeiro quebra-cabeças.

Por aqui, já se esperava um menor crescimento da economia neste segundo semestre, depois dos ótimos resultados alavancados pela agropecuária, especialmente no primeiro trimestre. Mas, além disso, o que preocupa os economistas é o que vem pela frente. O Monitor do PIB do FGV IBRE, divulgado esta semana, reforça a preocupação com a queda dos investimentos, já largamente descrita neste espaço. No trimestre encerrado em agosto, em comparação com a variação sobre mesmo período do ano anterior, o Monitor aponta que os investimentos caíram 5%, puxados pelo setor de máquinas e equipamentos, que contraíram 12% no período.

Leia: Monitor do PIB reforça preocupação com a queda do investimento.

A preocupação com o futuro, ou melhor, já com o que pode acontecer em 2024, tem o componente da incerteza que permeia a economia. Os índices de confiança compilados pelo FGV IBRE mostraram uma desaceleração no terceiro trimestre. Houve queda da confiança no meio empresarial, principalmente nas atividades ligadas à indústria e ao comércio. Uma prévia de outubro sugere a manutenção desse cenário. No caso dos consumidores, a Sondagem de outubro, divulgada na última quarta-feira (25), aponta recuo de 3,8 pontos na confiança em relação a setembro. Essa queda da confiança foi disseminada em todas as faixas de renda, influenciada principalmente pela piora das expectativas quanto aos próximos meses.

Índices de Confiança Empresarial e dos Consumidores
(Com ajuste sazonal, em pontos – Dados prévios de outubro)


Fonte: FGV IBRE.

Alguns pontos que o Boletim Macro FGV IBRE indica como preocupantes:

• Como já mencionado, um deles é a queda dos investimentos. A despeito de melhor desempenho da construção civil, a forte contração da absorção de máquinas e equipamentos levará a uma retração do investimento de 1,0% em 2023. Analisando a série histórica, vemos que é muito incomum termos ao mesmo tempo forte crescimento do PIB e redução do investimento. Apenas em 2002 houve algo parecido, com crescimento do PIB de 3,1% e contração do investimento de 1,4%. Mas foi um ano de disparada do risco país e da taxa de câmbio, em meio a uma eleição que gerou muita incerteza sobre a condução da política econômica. Sem dúvida, a elevada taxa real de juros afeta alguns setores da economia, bem como o investimento. Porém, a política fiscal expansionista tem contribuído para expandir o consumo das famílias. O próprio consumo do governo acelerou no segundo trimestre.

• Ao quadro externo mais incerto se soma, no Brasil, a preocupação com as contas públicas. Como esperado, o déficit primário do setor público consolidado vem aumentando. No acumulado de 12 meses, atingiu 0,7% do PIB em agosto, sendo 0,7% no governo central e zero nos estados, municípios e estatais. O déficit nominal, na mesma métrica, e excluindo swaps, foi de 7,7% para 7,9% do PIB, com as despesas de juros tendo subido de 7,0% do PIB em julho para 7,2% em agosto. Tanto a dívida bruta como a líquida aumentaram, atingindo 74,4% e 59,9% do PIB, respectivamente. Não antecipamos melhora significativa à frente, prevendo déficit primário de 1,3% este ano e de 1,0% em 2024. Uma Selic mais alta do que antes previsto vai, por sua vez, pressionar ainda mais as despesas com juros.

• A PEC da Transição gerou aumento significativo dos gastos públicos, com destaque para uma elevação da ordem de 1% do PIB no programa Bolsa Família. Como é um gasto recorrente, pela Lei de Responsabilidade Fiscal seria necessário encontrar novas fontes de receitas recorrentes para financiar esse aumento perene de gastos. Mas isso não ocorreu.

• O novo arcabouço fiscal coloca limites para a expansão dos gastos, mas também impõe um piso para o crescimento real das despesas de 0,6% ao ano. Além disso, inclui uma trajetória muito ambiciosa do resultado primário, que depende fundamentalmente de forte aumento de receitas. Antecipamos que apenas parte das medidas de aumento de arrecadação venha a ser implementada.

• Parece haver excesso de otimismo por parte do governo sobre sua capacidade de obter receitas envolvendo a redução de desonerações, do litígio fiscal e de brechas legais para iniciativas de planejamento tributário. Entre outras razões, pois há ainda muita incerteza relativas à aprovação dessas medidas no Congresso e sua possível judicialização. E, com certeza, haverá o efeito da alteração no comportamento dos contribuintes diante das novas regras.

• A questão da credibilidade do arcabouço se intensifica e tudo aponta para elevado déficit no próximo ano. Não há saídas fáceis para problemas difíceis. Temos que entregar resultado fiscal, ou seja, voltar a gerar superávit primário para permitir uma redução mais consistente da taxa de juros real e estabilizar a dívida pública. Por enquanto, estamos muito distantes desse cenário. E o quadro externo, como visto, também não vai ajudar, pelo contrário.

Mas, a despeito dos investimentos estarem indo ladeira abaixo, Venilton Tadini, presidente-executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib), avalia as perspectivas no campo da infraestrutura com otimismo, especialmente pela direção que o governo federal tem dado para impulsionar a ampliação de projetos e desembolsos, ancorados no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como mostrou a edição de outubro da revista Conjuntura Econômica. (acesso gratuito aqui).

 “ Hoje estou mais otimista com as perspectivas que temos. Vemos, por exemplo, uma dotação orçamentária para os investimentos públicos do PAC (para 2024, o projeto de lei orçamentária prevê R$ 69,7 bilhões em investimento, dos quais R$ 61,7 bi são para o novo PAC), com o programa dentro das regras do novo arcabouço fiscal”. ressalta Tadini.

Anote: “Hoje o Brasil tem uma janela de oportunidade como a que se abriu na metade dos anos 1970”.

Leia na íntegra o Boletim Macro FGV IBRE de outubro.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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