“Mesmo com petróleo volátil, alimentação continua ancorando inflação para fechar 2023 no intervalo da meta”

André Braz, coordenador dos Índices de Preços do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O conflito deflagrado dia 7 de outubro entre Hamas e Israel tem se mantido no radar de analistas econômicos preocupados com seus impactos em diversos preços, especialmente o do petróleo. Nas últimas semanas, a cotação do Brent tem registrado elevada volatilidade, mantendo uma tendência observada antes mesmo do ataque surpresa do Hamas. “Antes, as flutuações eram motivadas por cortes na oferta de Arábia Saudita e Rússia, esperando pressão de demanda; como isso não se confirmou, os preços despencaram da casa de US$ 97 para US$ 87 o barril. Agora, a guerra volta a alimentar esse movimento”, descreve, lembrando que em maio o barril de petróleo Brent custava US$ 63.

Braz lembra que uma piora do quadro dependerá da reação dos demais países. Entretanto, avalia que a tendência, por ora, é de que as flutuações do petróleo não tirem o IPCA da rota de fechar dentro do intervalo de tolerância da meta em 2023. “A ajuda vem dos alimentos, que continuam funcionando como uma boa âncora para conter uma inflação que brote de outros segmentos”, afirma. “Talvez não vejamos mais variações negativas para alimentação daqui para frente, mas mais uma estabilidade do que aumento, o que favorece da mesma forma.” O economista do IBRE indica que os riscos no radar da alimentação vêm do El Niño, que em seu início de passagem já está alterando as condições climáticas do Norte (seca) e Sul (chuvas) no país. “O Norte não é estrategicamente importante para a agricultura, mas o Sul é. E mesmo que sua passagem não afete safras deste ano – que já foram praticamente colhidas –  seus efeitos podem comprometer os resultados esperados para 2024”, diz, lembrando que as culturas que podem ser mais afetadas neste período do ano são de hortaliças e legumes.

Outro ponto positivo desse bom momento dos alimentos é o impacto para as famílias de mais baixa renda. A queda de preços por meses consecutivos reverteu o panorama negativo para esse grupo, que nos últimos anos sofreu com uma percepção maior da inflação do que a observada entre famílias de renda alta, especialmente pelo peso da inflação de alimentos – produtos que têm uma participação maior na cesta de consumo das famílias mais poderes do que as de alta renda, que consomem mais serviços e produtos como combustível para seus carros – no IPCA. Este ano, de acordo ao IPEA, a inflação acumulada no ano até setembro (de 3,5% no IPCA cheio), está em 2,81% para o grupo de renda baixa e de 4,38% nas famílias de renda mais alta. Em 12 meses, a variação é de, respectivamente, 3,9% e 6,41%, para um IPCA de 5,19%.

Já o Índice de Preços dos Gastos Familiares (IPGF), calculado pelo FGV IBRE atualizando mensalmente os pesos da cesta de consumo, permitindo capturar alterações nas preferências dos consumidores, bem como o efeito substituição diante de uma alta de determinado produto (por exemplo, comprar carne de frango diante de uma alta da carne vermelha), indica uma alta de 2,78% em 12 meses encerrados em agosto. O Índice também reflete o efeito da queda dos preços de alimentos, seguido da influência de artigos de residência, também com variação negativa.

Braz lembra que, em caso de aumento de preços dos combustíveis no Brasil com uma escalada da cotação internacional do petróleo, o repasse mais imediato e de maior magnitude tende a se dar na gasolina – item que compromete 5% do orçamento familiar médio –, afetando especialmente a camada mais rica da população. “No caso do diesel, uma alta pode afetar do preço do frete à movimentação das máquinas no campo, assim como a tarifa de ônibus”, elenca, indicando que esse é canal por onde essa inflação chega à camada mais pobre, de forma indireta. “Também é preciso lembrar, entretanto, que o petróleo não é só matéria química para combustíveis. Toda a indústria petroquímica – fabricante de produtos que vão de plásticos a tubos pvc e tecidos de poliéster – serão afetados diante de uma petróleo mais caro por mais tempo, provocando um espalhamento maior a partir daí, o que ainda não foi o caso”, ressalta, tal como analisou no Boletim Macro IBRE de setembro.

Braz considera ainda que a trajetória de queda da Selic contratada para este ano não deve ser revisada. “Não vejo no momento o problema fiscal como barreira; o risco maior é a guerra. Se este provocar um aumento da inflação global, poderá provocar uma mudança da política monetária, ainda que esse caso não se configure um problema de demanda”, afirma.

 


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