Dominância das MEIs entre empresas criadas no Brasil enfraquece sinal de dinamismo econômico

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Estudo de pesquisadores do FGV IBRE que foi tema da Carta do IBRE de março, e destaque em matéria do Valor Econômico de hoje (13/3) – link aqui, acesso restrito a assinantes do jornal – lança novas luzes ao debate sobre o papel de MEIs para a dinâmica da economia brasileira. Desde 2008, quando o regime dos microempreendedores individuais foi criado para incentivar a formalização de empresas, a partir do subsídio ao pagamento de impostos e contribuições previdenciárias, a adesão ao sistema só cresce. Em 2009, os MEIs representavam 8,4% das empresas abertas; em 2023, elas foram 74,6% do total. Desde 2019, mostra a Carta, o percentual de MEIs dentro do total de empresas abertas no Brasil está estabilizado em torno dos 75%. Como mostra o levantamento, esse aumento de participação tem afastado o regime de seu objetivo inicial, de apoiar a formalização de trabalhadores autônomos em seus pequenos negócios. Além disso, leva à constatação de que o sinal de dinamismo que a criação de empresas representa em uma economia deve ser recalibrado, posto que a maioria das MEIs “são pequenos negócios com baixa probabilidade de se tornarem empresas maiores”.

Os dados apresentados foram organizados por Janaína Feijó, em conjunto com Silvia Matos, Fernando Veloso, Fernando de Holanda Barbosa Filho e Paulo Peruchetti, também do IBRE. As fontes foram o Mapa das Empresas, do governo federal, e das Estatísticas dos Cadastros de Microempreendedores Individuais 2021 do IBGE. Esses dados do IBGE permitiram o cruzamento do CPF dos MEIs com a base da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho, a partir do qual obteve-se características socioeconômicas dos MEIs e seu vínculo pregresso no mercado de trabalho formal.

Evolução da quantidade de novas empresas no Brasil


Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados disponíveis no Mapa das Empresas. Acesso em 01/02/2024.

Uma das informações obtidas nesse levantamento foi a de que, dos MEIs existentes no Brasil em 2021 (13,19 milhões), 70% tiveram algum vínculo trabalhista formal de emprego entre 2009 e 2021, antes de aderir ao programa. Janaína Feijó afirma que essa característica levanta a hipótese de que os trabalhadores que optaram pelo MEI “podem se tratar, em muitos casos, de uma migração porque a empresa e/ou o empregado querem pagar menos impostos ou contribuição previdenciária, o que não configura exatamente o perfil ‘microeempreendedor’ ao qual o programa é dedicado.

A partir dos dados do IBGE, também se observou que a maioria dos MEIs são homens (53,3%) e têm menos de 40 anos (52,3%). Dados da RAIS, por sua vez, mostram que 47,6% dos MEIs são brancos – “mais do que os 43,5% que se declararam brancos no Censo 2022”, ressalta a Carta do IBRE, e 75,9% tinham ensino médio completo ou graus acima disso de escolaridade. No Mapa das Empresas, os pesquisadores do FGV IBRE puderam identificar que, dos 11,7 milhões de MEIs ativos em 2023, “uma parcela de 5,8 milhões se encontra nos Estados de São Paulo (3,3 milhões), Minas Gerais (1,3 milhão) e Rio de Janeiro (1,2 milhão)”. E que a maior parte dos MEIs atua nos setores de serviços gerais, comércio, alojamento e transportes. “Na verdade, dos 11,7 milhões, uma parcela de 6 milhões, ou 51,4% do total, tem atuação concentrada em 20 atividades econômicas (dentro de um total de aproximadamente 440 atividades em que os MEIs atuam) relacionadas àqueles setores enumerados acima. Há forte concentração de MEIs nas atividades de cabelereiros e manicures (6,5% do total), comércio varejista de vestuário e acessórios (6,2%), promoção de vendas (4,4%) e obras de alvenaria (4,1%)”, apontam.

Composição dos MEIs. Brasil. Estoque em 2021 (IBGE)


Fontes: Elaboração dos autores com base no relatório Estatísticas dos Cadastros de Microempreendedores Individuais 2021 - IBGE. Nota: (1) Se refere aos analfabetos (independente de instrução), alfabetizado sem ter frequentado escola regular e fundamental incompleto (2) “Sem informação” inclui quem não esteve no mercado de trabalho formal de 2009- 2021 ou que seu empregador declarou na RAIS um grau de instrução inválido.

Com essas informações, “nota-se um perfil predominantemente masculino, branco, concentrado no Sudeste e de escolaridade relativamente elevada, além de majoritariamente ter tido vínculo formal de trabalho no seu histórico profissional”, destacam os pesquisadores na Carta, reforçando o desvio do objetivo com a criação do MEI.

O estudo também mostra que mais da metade das MEIs com CNPJ ativo se concentram em 20 atividades, das 440 possíveis. Entre os segmentos que se destacam são cabeleireiros e manicures (6,5% do total), comércio varejista de vestuário e acessórios (6,2%) promoção de vendas (4,4%) e obras de alvenaria (4,1%). Ao Valor, Janaína Feijó destacou que “considerando que o MEI é uma empresa e empresas impactam positivamente na sociedade, a atividade em que atuam é importante”, ressaltando que as atividades citadas não têm valor agregado tão alto.

Para o grupo de novos MEIs que efetivamente cumprem o perfil do programa, Janaína e Silvia destacam um grupo de recomendações para auxiliá-los a ampliar seu potencial de crescimento:

1. Simplificação burocrática. Elas reconhecem os avanços em termos de desburocratização com o Portal do Empreendedor e a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim), mas consideram que ainda há avanços a serem feitos em relação a simplificar procedimentos de documentação, licenciamento e autorizações.

2. Investimento em capacitação, com destaque para temas como educação empreendedora, conhecimento de mercado e educação financeira.

3. Políticas de apoio a empreendedores, especialmente os de baixa renda, em segmentos como gestão empresarial, marketing e inclusão tecnológica.

4. Programas de disseminação da cultura do empreendedorismo, com campanhas de conscientização, workshops e ações educativas, “com o objetivo de desmitificar a noção de que empreender é inacessível ou demasiadamente arriscado”, concluem.

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