Programa Acredita e crédito imobiliário: ainda não é possível prever grande impacto com a securitização, afirma Ana Castelo

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O governo federal sinalizou uma nova frente de estímulo ao crédito imobiliário dentro do Programa Acredita, com a criação de um mercado secundário de crédito. Medida Provisória lançada na semana passada autoriza a estatal gestora de ativos Emgea a atuar como securitizadora nesse mercado, ou seja, comprando a carteira de operações de crédito de instituições financeiras para revendê-los a investidores interessados nesse mercado de negociação de recebíveis de financiamento habitacional. Com isso, os bancos abrem espaço em seus balanços para ofertar novos créditos, com potencial de ampliar o volume de crédito imobiliário para próximo de 30% do PIB, de acordo a estimativas do Ministério da Fazenda. Hoje esse percentual é de cerca de 10% do PIB; no Chile, por exemplo, representa 25% do PIB.

Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do FGV IBRE, destaca que a iniciativa foi bem-recebida pelo mercado, diante das limitações observadas na oferta de crédito. “Ainda não é possível, entretanto, prever o impacto da MP”, afirma, descrevendo fatores que podem ser restritivos para esse instrumento deslanchar no Brasil.

Mercado enxugando

Castelo lembra que as duas principais fontes de recurso para financiar o setor – o FGTS e o SBPE – têm demonstrado fôlego limitado. No caso do FGTS, que atende o Minha Casa Minha Vida (MCMV), ela destaca que há cada vez mais demandas por recursos do Fundo – como o Saque Aniversário e, dentro do próprio ramo imobiliário, o FGTS Futuro, que permite que os 8% do salário pagos pelo empregador ao FGTS sejam incorporados na aprovação de renda do trabalhador interessado em um imóvel da Faixa 1, além da própria ampliação da elegibilidade ao MCMV, para renda até R$ 8 mil e imóveis até R$ 350 mil. “Também há a possibilidade de mudança do indexador de correção do FGTS, em discussão no Supremo, que também pode impactar o Fundo”, complementa (leia mais).

Evolução da captação líquida da poupança
(R$ MILHÕES)


Fonte: Abecip e Banco Central. Obs: 2024* valores até março.

Neste início de ano, a forte demanda demonstra que o orçamento dedicado ao setor imobiliário para 2024 poderá não acompanhar o mesmo ritmo, o que implicaria congelamento de novas contratações em algum momento do segundo semestre. O orçamento de FGTS do MCMV para este ano é de R$ 106 bilhões, dos quais R$ 30,6 bilhões já foram contratados no primeiro trimestre – que historicamente é considerado mais fraco, entre outros por incluir o período de férias. Com isso, as estimativas são de que seriam necessários um acréscimo de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões – o que depende de aprovação do Conselho Curador do FGTS. 

Pelo lado da poupança, fonte mais acessada pelos segmentos de classe média não contemplados no MCMV, o cenário também aponta a restrições. Levantamento da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) mostra o encolhimento da captação líquida no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) nos últimos anos: de 10,2% em 2022, 9,5% em 2023 e de 2,3% no primeiro trimestre de 2024. O cenário de contratação segue o mesmo caminho, demonstrando uma tendência de queda logo após o início da pandemia – quando fatores como um contexto de baixa taxa de juros favoreceram as compras de imóveis – com o número de unidades contratadas voltando ao nível observado no final de 2019, quando o mercado começava sua recuperação da recessão.

Buscar saídas para a alta dependência dos recursos da poupança não é uma agenda nova, pelo qual novas alternativas para o financiamento seja da construção como de aquisição de imóveis são consideradas bem-vindo pelo setor. Ana Castelo destaca, entretanto, que ainda é difícil prever o impacto que esse mercado secundário poderá ter. “Um grande problema da securitização desse crédito imobiliário tem a ver com o indexador”, afirma. Hoje a maior parte dos contratos são indexados a TR (taxa referencial), originada na captação de recursos via poupança, arbitrada pelo Banco Central. “Outras modalidades de crédito foram criadas quando a taxa de juros estava mais baixa, como a que opera com IPCA mais juros”, lembra Castelo, indicando que essas carteiras podem ser as mais visadas, por ora, para negociações, mas que representam apenas uma fração do mercado. “Em um país com alto nível de instabilidade quando se trata de inflação, a prática é operar com taxa de juros fixa mais TR”, diz, destacando ainda que para esse me4rcado deslanchar também é preciso contar com o interesse dos bancos em se desfazer dessas carteiras – que não parecer ser alto. “Assim, o que está na Medida Provisória ainda não permite dizer que essa questão está resolvida.”

Evolução unidades financiadas com recursos de poupança (SBPE)


Fontes: Abecip e Banco Central.

Em um prazo mais curto, Castelo aponta que o caminho mais efetivo para ampliar a disponibilidade de recursos – defendido pela liderança da Caixa Econômica Federal, que detém quase 70% desse mercado – é a liberação de uma parcela de 5% da poupança que fica depositada no Banco Central como medida de segurança, visando à estabilidade financeira. Com isso, os depósitos compulsórios cairiam de 20% para 15% do total. As estimativas são de que essa mudança injetaria mais de R$ 20 bilhões na capacidade de financiamento dos bancos. “Esse potencial, entretanto, depende não só de que essa liberação aconteça, mas de que se garanta que a destinação desses recursos seja exclusiva ao crédito habitacional. Se for para liberar para qualquer destinação, a taxas livres, tampouco terá efeito garantido”, lembra a economista do FGV IBRE.

Empresários da construção moderam otimismo

A Sondagem da Construção de abril, divulgada na semana passada, demonstra uma calibragem de humor dos empresários do setor. O Índice de Confiança caiu 1,4 ponto em relação a março, resultado de uma estabilidade quanto à percepção da situação atual, mas uma queda de 2,9 pontos no índice que mede expectativas quanto aos meses seguintes. “Vemos que se mantém a aposta majoritária no crescimento da demanda, mas que as perspectivas mais conservadoras quanto ao ritmo de corte das taxas de juros já tendem a afetar o mercado habitacional de média/alta renda”, afirma.

Fatores limitativos na edificação residencial – % de assinalações
Sondagem da Construção 


Fonte: FGV IBRE.

Outro destaque da Sondagem foi o aumento de indicações de preocupação quanto à evolução do custo da mão de obra – quesito que demonstrou estabilidade em menções durante quase todo o ano de 2023, mesmo com a dificuldade expressa pelos empresários quanto à busca de mão de obra qualificada. “A preocupação com o custo demorou a reagir, mas agora parece estar mais disseminada entre empresas e regiões do país – o que pode ser um fator adicional para comprometer o otimismo nas empresas”, afirma. As negociações relacionadas aos dissídios – sendo o de maior peso o de São Paulo que acontece em maio – também já podem estar refletidos nesse alta, completa.

 

Inscreva-se no X Seminário de Política Monetária, que contará com a presença do presidente do Banco Central e economistas convidados. Na ocasião será prestada uma homenagem ao professor Affonso Celso Pastore, falecido recentemente.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir