Previdência rural e de MEIs: duas reformas contratadas
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Nesta semana, foi destaque do jornal O Globo (acesso restrito a assinantes) o texto de discussão de autoria de Fabio Giambiagi, pesquisador associado do FGV IBRE, Rogério Nagamine, economista especialista em gestão pública federal, e o doutorando em Economia da UnB Otavio Sidone, sobre a necessidade de revisão de regras da aposentadoria rural, tema que ficou de fora da reforma da Previdência de 2019 (link para o texto aqui). No texto, os especialistas defendem que a revisão das regras dessa aposentadoria está entre as que mais impacto para equilibrar o sistema. Com a reforma proposta no texto, concentrada em alterações na idade mínima, os autores apontam uma economia potencial de R$ 900 bilhões em 30 anos.
Em conversa para o Blog da Conjuntura, Nagamine afirma que o problema do atual desenho da aposentadoria rural é que, por envolver um nível de contribuição muito baixo para uma despesa muito alta – em 2022, a receita foi suficiente para a cobertura de somente 6% da despesa, e o rombo acumulado de 2013 a 2022 chega a R$ 1,1 trilhão – deveria ser mais bem- focalizada. “Essa aposentadoria foi estabelecida na Constituição de 1988, e desde então muita coisa mudou no campo”, afirma, indicando especialmente o aumento da mecanização e modernização, com melhorias nos níveis de qualificação, formalidade e rendimento.
Para ilustrar o impacto dessas mudanças na vida dos trabalhadores do campo, o texto mostra, por exemplo, que a expectativa de vida no setor rural dos anos 1970 para 2022 aumentou 4 anos para os homens e 7 anos para as mulheres. Levando em conta que idade mínima para a aposentadoria desses trabalhadores é 5 anos menor entre homens que trabalham nas cidades (60 anos) e 7 anos menor para mulheres (55 anos), a expectativa de duração do benefício de aposentadoria ampliou-se significativamente, “considerando o efeito simultâneo da diminuição do requisito de elegibilidade e ampliação da longevidade”, indica o texto.
Desequilíbrio da aposentadoria rural
em % do PIB - beneficiários ativos
Fonte: Elaboração dos autores.
“Uma coisa que chama a atenção, e que destoa muito da experiência internacional, é que mesmo com o crescimento de programas não-contributivos para pessoas de baixa renda – por exemplo, na América Latina – nos outros países não há diferenciação na idade de acesso como acontece no Brasil com a aposentadoria rural e aqueles de contribuem. Isso é totalmente fora do padrão”, diz Nagamine, lembrando que os trabalhadores urbanos mais pobres, quando contribuintes da previdência, alcançam a aposentadoria em idades de 65 e 62 anos, respectivamente para homens e mulheres.
Outro ponto destacado no texto é que os trabalhadores rurais já não são mais os que registram menor rendimento médio real. Em 2022, por exemplo, estes ficaram à frente dos trabalhadores de outros segmentos urbanos como alojamento e alimentação e serviços domésticos. Os autores indicam que, “considerando como proxy de pobreza a renda domiciliar per capita de até 1/4 do salário-mínimo, o total de trabalhadores nesta faixa, na agropecuária, caiu de 2,3 milhões para cerca de 1,2 milhão de pessoas entre 2012 e 2022 (queda de 49,1%), ou seja, quase pela metade”.
Diante desse cenário, Nagamine afirma que o ideal seria a adoção de um critério mais vertical de assistência aos mais pobres. “Hoje é fatalmente certo que ocorre algum tipo de injustiça, porque não são todos pobres no setor agropecuário, e condições ruins de trabalho com baixos salários é algo que se encontra em outros setores produtivos”, diz. Os autores defendem que, além de pessoas com idade de 60 (homens) e 55 anos (mulheres) ainda possam gozar de capacidade laboral, em função dos padrões demográficos atuais, ainda abre-se uma frente em que indivíduos socialmente vulneráveis do setor urbano podem assumir parcialmente o ônus de financiamento do tratamento diferenciado aos trabalhadores rurais. “Além do fato de que hoje, como a tendência na agropecuária é ocupar cada vez menos gente, existe a possibilidade de que uma pessoa saia do setor agropecuário mas se mantenha informal no setor urbano para não perder o enquadramento de segurado especial”, descreve Nagamine.
Projeção da economia com a proposta de convergência de idade urbana e rural
em R$ bilhões de 2023
Fonte: Elaboração dos autores.
A proposta dos autores é uma redução gradual na diferença entre a aposentadoria urbana e rural, para quem já está no mercado de trabalho, dos 5 e 7 anos atuais de homens e mulheres, para 1 ano em ambos casos; e eliminar completamente a diferença entre a aposentadoria urbana e rural para os novos entrantes. No caso dos já filiados ao RGPS/INSS, o aumento seria de d1 ano a cada 3 anos, ao longo de 12 anos, após a aprovação da reforma. Com isso, por exemplo, uma mulher trabalhadora rural só atingiria os 61 anos após 18 anos da aprovação da reforma.
Com essas regras, os autores prevêem uma redução de despesas em R$ 900 bilhões (valores de 2023) ao longo de 30 anos, colaborando para mitigar o desequilíbrio do RGPS/INSS. Após os 10 primeiros anos da aprovação, período de início da transição às novas regras, os autores preveem que a economia estimada já atingiria cerca de R$ 63 bilhões. “Em termos de valor atuarial da redução da despesa (ao longo de 75 anos), conceito que visa tornar os valores futuros da despesa mais comparáveis por meio do cômputo de seu valor presente a partir da aplicação de taxas de desconto intertemporal, essa atingiria R$ 1,0 trilhão”, apontam no texto.
MEI – mais uma agenda incontornável
Entre os ajustes na Previdência social que Nagamine considera mais urgentes, ele ainda inclui os Micorempreendedores Individuais (MEI). “Tal como no caso da aposentadoria rural, é um regime muito desequilibrado. Por serem praticamente não-contributivos, deveriam ser mais bem-focalizados”, diz.
Em capítulo do livro Para Não Esquecer – Políticas Públicas que Empobrecem o Brasil (Insper, 2022), organizado por Marcos Mendes, Nagamine e Sidone mostram, por exemplo, que o MEI inclui mais beneficiários entre os mais ricos do que os mais pobres. “No texto, apontamos que apenas 16% dos filiados ao MEI estão entre os 50% mais pobres”, lembra. “Hoje, os MEIs já superam os 13 milhões, e podem gerar um déficit atuarial (em até seis décadas) de R$ 1,4 trilhão”, afirma.
Escolaridade dos empregados formais e informais (3º tri 2022)
Fonte: FGV IBRE.
Na Carta do IBRE de fevereiro de 2023 (acesse aqui), os pesquisadores do Observatório da Produtividade Regis Bonelli Fernando Veloso, coordenador do Observatório, e Fernando de Holanda Barbosa Filho, também lançaram luzes sobre esse regime, mostrando, por exemplo, que 86,5% dos benefícios são subsídios, dados a um grupo em que 31,1% são trabalhadores com ensino superior completo – entre os empregados com carteira assinada, apenas 22,4% tinham superior completo no mesmo período. E onde, no terceiro trimestre de 2022, 56,4% ganhava mais do que dois salários mínimos, enquanto entre empregados com carteira assinada apenas 32,1% tinham esse perfil. A defesa dos pesquisadores é de que, ao invés de ampliar esse regime – como prevê projeto de lei em tramitação (PL 108/2021) – seria preciso reformá-lo.
“Percebemos, dessa forma, que o regime não está apenas colaborando para a redução da informalidade, mas possibilitando uma migração de alguns empregados com carteira – o que é o pior dos mundos, porque aí eu não tenho nenhum ganho do ponto de vista de proteção previdenciária ou de redução da informalidade. E por outro lado, gero uma crescente corrosão do financiamento do regime”, afirma.
Composição por Rendimento do Trabalho (3º tri 2022)
Fonte: FGV IBRE.
Para Nagamine, um começo de caminho seria recuperar a alíquota original de contribuição do MEI quando o regime foi criado, de 11% contra os atuais 5%. “Isso não resolverá o desequilíbrio do sistema, que precisa de uma reestruturação profunda, mas ao menos reduzirá”, diz. Ele também considera que, para corrigir os problemas de focalização, uma alternativa é incluir a contribuição da empresa contratante de uma MEI. “Dessa forma, se buscaria mitigar a migração de empregados com carteira assinada para o MEI”, afirma, indicando que essa medida poderia inibir a chamada pejotização, reforçando o financiamento do sistema.
O economista reconhece que, dada a densa agenda que a reforma tributária ainda demanda, e as prioridades do atual governo, é pouco provável que esse tema entre em pauta antes de 2026. “Mas considero que, a partir de 2027, será fundamental tratar da previdência rural, já que se trata de uma despesa muito alta, assim como do MEI”, conclui.
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