Um Centro para ajudar a desenvolver o Nordeste

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O Instituto Brasileiro de Economia (FGV IBRE) irá inaugurar, ainda neste primeiro semestre, um braço de atuação no Nordeste. Sob a coordenação do pesquisador Flavio Ataliba, ex-secretário executivo de Planejamento e Orçamento do Ceará, o Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste contará com a produção de indicadores tradicionais do IBRE na versão regional, e quer ser um catalisador de estudos e debates que colaborem para impulsionar o crescimento da região.

Em entrevista à revista Conjuntura Econômica (acesse gratuitamente), Ataliba defende que a região Nordeste deve ser vista dentro de uma estratégia nacional de desenvolvimento, dada as suas grandes potencialidades que, ao longo dos anos, não tem sido aproveitada ou incentivada. Hoje o Nordeste responde por 27% da população brasileira, mas há mais de 70 anos sua participação no PIB não sai dos patamares de 13% a 16%.

A preocupação de se traçar uma estratégia para impulsionar o crescimento do Nordeste começo na década de 50, com a criação do Banco do Nordeste, em 1952 e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene, em 1959). Mas foi um impulso que não teve sequência, ou não surtiu os efeitos desejados por várias questões. Na década de 70, o foco era o crescimento do país a qualquer custo, sem estratégias específicas para o Nordeste. Entre 1980/1990, os esforços estavam concentrados em debelar a inflação e recuperar a estabilidade econômica.

“Nos anos 2000, quando o presidente Lula assume o governo, o problema regional foi contemplado a partir do foco na questão da pobreza e da desigualdade. Como a pobreza no Nordeste é maior em relação à média brasileira, quando se consolidam os diversos benefícios instituídos na gestão Fernando Henrique Cardoso no Bolsa Família, se estabelece uma política social que beneficia a região. Foi um passo importante, mas, ainda assim, não podemos considerá-lo uma estratégia focada no desenvolvimento do Nordeste. Esse é o ponto: sem estratégia, não conseguiremos que o livre mercado propicie esse crescimento mais acelerado que precisamos”, defende Ataliba.

Veja, abaixo, alguns trechos da entrevista

Como será o trabalho do Centro?

• O Centro buscará cumprir esse desafio explorando, inicialmente, três frentes de trabalho. Uma delas, que já mencionei, é a de se somar ao pensamento local que sai das universidades, centros de pesquisa, em busca dessa proposta de estratégia. Para isso, promoveremos seminários para debater publicamente temas de interesse da região, mas também formaremos um núcleo de pesquisa aplicada com representantes de vários estados. Esse grupo estará em interação direta com os pesquisadores da Economia Aplicada do FGV IBRE

• A segunda frente é a de geração de dados e estatísticas, desenvolvendo versões regionais de indicadores e sondagens já produzidos pelo IBRE em nível nacional, além de produzir novos. Nesse campo, já começamos a trabalhar e em fevereiro divulgamos a primeira Sondagem do Mercado de Trabalho com recorte do Nordeste. Esperamos que a própria academia faça uso dessas informações para gerar novas pautas e novos estudos.

• Também pretendemos que o Centro trabalhe na prestação de serviços para organismos públicos e empresas privadas da região. Consideramos a demanda em outras áreas da infraestrutura, como o trabalho que o FGV IBRE já realiza com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) no trabalho de aferição de custos referenciais, importantes para a sustentabilidade de contratos de obras públicas.

Considera possível conciliar interesses de cada estado com uma estratégia regional? Quais temáticas poderiam agregar em torno de uma visão integrada?

Evidentemente cada estado tem sua estratégia particular, e sempre será assim. Mas há convergências. Tivemos uma experiência positiva com o Consórcio Nordeste, durante a pandemia. Participei em várias dessas reuniões, apoiando o governador Camilo Santana (atual ministro da Educação), e vi o interesse dos governadores em solucionar questões sanitárias. Imagino que se poderia reproduzir um modelo semelhante, agora voltado para o desenvolvimento regional.

Quanto aos temas, há muitos que sugerem essa convergência, a começar pela transposição do Rio São Francisco e a rodovia Transnordestina, que podem ser vetores de desenvolvimento em vários estados. Há ainda a temática do turismo. Pensar na infraestrutura adequada de forma conjunta pode incentivar turistas a estender sua viagem para conhecer os atrativos de mais de um estado. Somente no Ceará, o turismo representa em torno de 6% do PIB - para se ter uma ideia, na Espanha essa relação é de 8%; na França, 10%. É sem dúvida um setor importante para a região.

Mas há outros pontos que podem ser mais explorados, não?

Entre outros temas que poderiam se encaixar nessa agenda está a educação. Com dois estados nordestinos sendo referência no ensino público - Ceará no fundamental e Pernambuco no ensino médio - por que não buscarmos uma transferência de tecnologia e conhecimento para estender essa vantagem em nível regional? Também considero essencial um debate sobre a agenda de reformas em nível federal e seu rebatimento para a economia nordestina, como a reforma tributária. Nossa estrutura produtiva é diferente, como tratar desse impacto? Podemos pensar de forma muito mais estratégica se não optarmos por agir de forma individualizada.  

Na divulgação da primeira edição da Sondagem do Mercado de Trabalho do Nordeste (leia a cobertura do evento), destacou-se que a melhora da empregabilidade na região também passa por aprimorar o empreendedorismo entre aqueles que trabalham por conta própria. Como fazê-lo?

De fato, a Sondagem mostra que, em linhas gerais, a região Nordeste comparada com as demais tem uma fragilidade maior no mercado de trabalho. As pessoas se sentem mais vulneráveis em perder seu emprego, sua renda - não à toa, na região o número de trabalhadores por conta própria que gostaria de ter um emprego com carteira assinada (76,7%) é maior que a média nacional (69,6%). Além disso, grande parte das famílias (73,4%) indica que, sem sua atual fonte de renda, não conseguiria se sustentar por mais de três meses (leia a íntegra da divulgação). São dados que indicam que a maior parte dos conta-própria se encontram nessa condição não por opção, mas por necessidade, devido a uma estrutura de mercado de trabalho que os empurra para essa condição. Não é o mesmo que pessoas com espírito empreendedor, que aceitam o risco porque sabem que seu esforço pode garantir uma renda maior adiante. Ao contrário, a maioria se sente insegura e prefere um modelo que lhe ofereça garantia.

Considerando esses aspectos, quais políticas se poderia desenhar - e que no Nordeste é um ponto importante a ser trabalhado?

Recentemente, os pesquisadores do FGV IBRE divulgaram um estudo sobre o perfil dos microempreendedores individuais (MEI), que demonstrou um aumento significativo de registros - 14,8 milhões em 2022 -, mas 60% estavam inadimplentes em 2021  (leia mais sobre o estudo). Qual sua avaliação deste quadro - levando em conta que tramita no Congresso proposta para ampliar o limite de faturamento para entrada no MEI?

O problema, de fato, não é o limite do teto. Acho que a situação do MEI reforça a defesa da educação financeira. O fato de muitas vezes uma pessoa ter qualificação, mais escolaridade, não significa que tenha habilidade para gerir seu orçamento, ou planejar o horizonte financeiro de uma empresa. Há ricos endividados, e pessoas mais pobres que sabem cuidar de suas contas. 

Um segundo ponto que vale enfatizar é que temos um contingente muito grande de pessoas extremamente pobres com baixa qualificação que terão mais dificuldade de conseguir um emprego formal e precisam se capacitar para gerar sua renda - que provavelmente não ficarão ricos, mas que sairão da pobreza. Isso não implica, entretanto, desconsiderar a atração de investimento à região, especialmente em segmentos que geram encadeamento produtivo, demandam serviços e dinamizam mais segmentos da economia.

Entre os temas que hoje mais ouvimos falar quando se trata de produtividade e crescimento econômico, alguns encontram bons exemplos no Nordeste, como qualidade da educação e energias limpas. É otimista quanto à possibilidade de a região de fato sair da “armadilha dos 15%” do PIB nacional?

Como ressaltei, precisamos traçar o papel do Nordeste dentro de uma estratégia nacional de desenvolvimento econômico. Um problema é que a palavra estratégia parece que se tornou imprópria de se falar no Brasil. Entre as principais economias mundiais, entretanto, nenhuma renuncia a suas estratégias, sejam os Estados Unidos, altamente liberal do ponto de vista econômico, seja um país totalmente planificado como a China.

Sabemos que a qualidade da educação é fundamental, mas ela por si só não resolverá o problema. Uma geração que chega ao mercado de trabalho mais qualificada pode fazer diferença, mas se a economia regional não for pujante o suficiente para absorver essa mão de obra mais qualificada, assistiremos a repetição da história da migração para o centro-sul do país, só que agora de pessoas altamente qualificadas. O Observatório da Produtividade do FGV IBRE mostra que o link entre melhora da educação e produtividade não é direto, e depende desse dinamismo. A economia digital é um exemplo de área em que temos grande potencial - dado o tamanho da população que temos, número de universidades -  assim como já existem centros de excelência em energia renovável, tanto solar quanto eólica, que são vantagens naturais da região tanto pelas características naturais para sua produção quanto pela proximidade de potenciais importadores de energias como o hidrogênio verde (reveja matéria “Corrida pelo hidrogênio verde”, Conjuntura Econômica de janeiro). Mas são potenciais que precisam ser fortalecidos com essa estratégia que pretendemos ajudar a construir, de forma a vislumbrar um futuro próximo de muito dinamismo para o Nordeste.

Veja a íntegra da entrevista.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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