“É preciso refundar a LRF”, defende Gabriel Leal de Barros

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Na semana passada, o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSB-MG) apresentou uma proposta de projeto de renegociação da dívida dos Estados com a União com controversas novidades em relação à original do Executivo, como federalização e repasse de créditos inscritos na dívida ativa da Fazenda estadual para reduzir a dívida com a União. Consultamos Gabriel Leal de Barros, ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), economista-chefe da Arx Investimentos, sobre o destino desse projeto:

Qual sua avaliação da proposta do Senado em relação à do Ministério da Fazenda?

A proposta não resolve o excesso de dívida que alguns poucos estados têm com a União, cuja origem é um passado de recorrentes desequilíbrios primários entre receitas e despesas, pelo contrário. Para todos os estados, dos mais aos menos endividados, a proposta troca um alívio no gasto com juros (abaixo da linha) por maiores investimentos (acima da linha), o que vai piorar o resultado fiscal subnacional. A proposta do Presidente do Senado vai na mesma direção da feita pelo Ministro da Fazenda, ainda que aprofunde a troca de menores juros por mais gastos em outras áreas para além da educação (como saneamento, habitação, transportes e segurança pública). Ambas são uma contrarreforma, vão na direção oposta ao que deveria ser feito para melhorar a saúde fiscal subnacional.

Não há fatores suficientes que justifiquem a revisão, nem mesmo a redução de ICMS sobre energia, combustíveis e telecom ocorrido em 2022, haja vista a elevação da alíquota modal de vários estados bem como da aprovação da lei que garantiu a recomposição de R$27 bilhões, cujo pagamento de R$10 bilhões foi antecipado pela União de 2024 para 2023. Adicionalmente, cerca de R$ 9 bilhões foram compensados por meio de liminares concedidas pelo STF.

Há algo, nessa trajetória de décadas de regimes de recuperação e renegociações, que identifica como evolutivo, ou ainda não conseguimos de fato corrigir o rumo – seja da dinâmica de gastos dos governos estaduais, seja do comprometimento que gera para a União?

Apesar das inúmeras renegociações, não houve avanço material no equilíbrio fiscal subnacional. São vários os problemas, desde regras com limites quantitativos frouxos e pouco restritivos, pobre accountability, gastos pró-cíclicos e até mesmo problemas institucionais, relativos à atuação dos órgãos de fiscalização e controle que são, em grande medida, capturados pela economia política. As inúmeras rodadas de renegociação têm gerado ainda um risco moral na relação federativa, com notável prejuízo para a União, que vez ou outra é até mesmo impedida de executar garantias dadas em contrato por decisões liminares concedidas pelo STF.

Em sua opinião, quais as condições e as contrapartidas que seriam mais eficientes no atual quadro – em especial no caso dos estados mais “resistentes” em ajustar suas contas?

Entendo que, após dezenas de rodadas de renegociação que não resolveram o problema, pelo contrário, mesmo aquelas que continham alguma regra de limitação do crescimento do gasto, frouxa demais e vinculadas a receita, estaria maduro e consensual uma solução em definitivo e estrutural para o problema fiscal. Foi assim que surgiu a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), há quase 25 anos. Defendo que se aproveite a crise fiscal subnacional para que avancemos numa LRF 2.0, bem mais moderna e que contenha os erros e acertos domésticos e externos provenientes da operacionalização da política fiscal. É nesse sentido que eu e Hélio Tollini propusemos para a União, extensível aos estados e municípios, uma regra fiscal com esses atributos e de sucesso comprovado internacionalmente, inspirado no modelo Sueco.

Nossa proposta, à luz da realidade do Brasil, concilia uma regra agregada (top-down) com subtetos (bottom-up) de gastos que instrumentalizam o delivery da regra geral, com o benefício de contribuir para o debate do conflito distributivo que ocorre no Legislativo em todas as esferas (federal, estadual e municipal). Além disso, há mecanismos de atuação contracíclica via cláusulas de escape bem calibradas para o caso de choques exógenos, assim como a prática de revisão de gastos (spending review) é parte importante da engrenagem fiscal que propomos.

De forma bem objetiva, não há solução estrutural sem que as vinculações de gasto à receita sejam extintas, caso de pessoal, saúde e educação. Esse é um erro de regras fiscais de primeira geração, e já passou da hora de corrigirmos. Ter accountability é igualmente básico e, nesse sentido, a atuação dos Tribunais de Conta precisa ser aprimorada. A regra fiscal agregada precisa ter instrumentos para ser cumprida, daí a ideia de ter subtetos, sendo o de pessoal o mais óbvio para os estados e municípios. Em suma, há formas inteligentes de resolver o problema fiscal, mas que demandam convicção técnica e política.

No caso do Rio Grande do Sul, qual a melhor orientação?

Toda a ajuda necessária deve ser dada ao Rio Grande do Sul, e o choque climático agudo e exógeno deveria ser mais um gatilho para que possamos aprimorar a institucionalidade da política fiscal e orçamentária do país. A decretação do estado de calamidade, ferramenta disponível no presente, é insuficiente para que o estado possa responder a choques exógenos. Cada crise oferece uma oportunidade, deveríamos refundar a LRF e o conjunto de regras fiscais e orçamentárias que temos no país.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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