“Sem o impacto da comunicação do Executivo, efeito das questões fiscais sobre os ativos seria menor”, diz Livio Ribeiro, do FGV IBRE

Livio Ribeiro, pesquisador do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Como avalia o atual cenário do câmbio – com o dólar abrindo o mês em R$ 5,65, maios patamar desde janeiro de 2022?

Em geral, o modelo que usamos para identificar as contribuições externas e domésticas na variação cambial demonstram que o fator externo domina, e o doméstico tempera, O que estamos vendo mais recentemente é a proeminência do fator doméstico, como pouco vimos até hoje, inclusive contaminando a dinâmica do ano inteiro. No exercício que fizemos até o dia 21 de junho, o resíduo doméstico do modelo explicou 90% da dinâmica de depreciação observada no acumulado do ano. Até aquele momento, acumulávamos 11,5% de depreciação, e não havia acontecido nada no mundo que justificasse isso.  

Contribuições domésticas desse tipo, como disse, foram raras. Um dos episódios que se pode destacar foi o “Joesley Day” (maio de 2017, quando foi a público a gravação de uma conversa entre p então presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, gerando instabilidade política). Naquele momento, tivemos um evento de depreciação que foi claramente doméstico, mas pontual, ainda que seus efeitos tenham levado tempo para retroceder. A questão que agora preocupa é que, nas últimas seis semanas, a cada rodada em que atualizamos nosso modelo, identificamos que a contribuição interna para a variação cambial aumenta. Então, a cada ponto de atualização, temos cada vez mais resíduo doméstico sendo determinante para a depreciação cambial.

No início do ano, os pesquisadores do FGV IBRE vislumbravam que havia muitas fontes de incerteza ainda não precificadas, e que o aumento da pressão fiscal tenderia a gerar mais volatilidade. O atual comportamento do câmbio é o começo desse processo?

Desde meados do ano passado, discutíamos que provavelmente em meados de 2024 o cenário deveria ser menos otimista. O mercado levou muito tempo para trazer esse debate com os preços de fato e, particularmente, nem acho que a imensa parte do que tá acontecendo agora tem natureza estritamente fiscal. Fiscal é pano de fundo, mas se tomássemos as mesmas questões fiscais, que são mais estruturais, e as isolássemos da atual comunicação exacerbada do Executivo, o efeito sobre os ativos seria menor. Então, acho que agora o que aconteceu foi a soma dessas duas coisas: uma questão estrutural pré-existente, e a atual comunicação do Executivo com o mercado.

A prévia da inflação de junho veio abaixo do esperado, e graças ao bom desempenho do mercado de trabalho, a confiança do consumidor ainda registra alta (veja mais). Quando essa pressão cambial passará a afetar o humor do consumidor?

O mercado de trabalho de fato dá sustentação para o consumo, mas essa própria situação alimenta uma discussão relevante, de até que ponto isso gera uma dinâmica inflacionária que começará a incomodar mesmo as pessoas que estão empregadas. Se pensarmos especialmente em cesta de consumo, o que temos já há algum tempo – não é uma novidade no Brasil, mas é um ponto importante a se considerar – é um descasamento entre bens e serviços. Tipicamente, quando se olha para as classes média e mais alta, estamos discutindo muito mais uma cesta de consumo de serviços do que de bens. Pode ser que aí exista, sim, alguma percepção de piora de cenário derivada de diminuição da capacidade de consumo em segmentos específicos da sociedade. No agregado, entretanto, se você tem uma inflação de bens bem comportada, que ainda é o caso, na verdade tem-se uma percepção de aumento de poder de compra, associado a um mercado de trabalho forte que dá sustentação.

O ponto que temos que entender, na verdade, é até que ponto um aumento de consumo se traduz em aumento de crescimento, pois são duas coisas diferentes. Há um inegável aumento de absorção doméstica, mas se este é provido por oferta interna ou por importação, tem impacto completamente distinto sobre crescimento, portanto, sobre a capacidade de manutenção desse ímpeto do mercado de trabalho a prazos mais longos. Teremos que observar.

Qual sua estimativa para o câmbio no final do ano e para o nível de volatilidade até lá?

Hoje, o cenário que tenho de base é o cenário pessimista de um mês atrás: fechamento em R$ 5,45 em 2024 e R$ 5,65 em 2025. Quanto à volatilidade, hoje temos um cenário muito afetado por essa questão doméstica relacionada á comunicação do Executivo. Por definição, quando você coloca isso em termos de resíduo, há mais volatilidade. O cenário externo não é bom, mas está relativamente estável quando se trata da percepção de atraso no processo de flexibilização monetária nos Estados Unidos, Europa e outras economias – ou seja, ela existe, mas não será tão rápida quanto se supunha originalmente. Mas as eleições americanas serão o evento internacional relevante à frente, que também tende a contribuir para uma maior volatilidade, sem direção exata. Não me parece que isso esteja devidamente precificado ainda, seu potencial de gerar trazer instabilidade.

Para o Brasil, o viés é negativo, no sentido de maior desvalorização do real?

Não necessariamente. Com Trump vencendo as eleições, o dólar não tende a se desvalorizar. Um cenário no qual ele não se eleja pode resultar em um enfraquecimento pontual do dólar ainda que tenda a ser limitado, pelo diferencial de desempenho econômico. Ou seja, a economia dos Estados Unidos hoje se mostra mais forte do que outras, o que leva a um bom desempenho da moeda americana. Mas ainda há muita discussão sobre as eleições americanas que ainda não está sendo devidamente feita, e muita coisa para acontecer até o final do ano.

Quais as implicações da persistência de um real mais desvalorizado até o final do ano?

Sempre pensamos em repasse cambial, mas se o preço dos combustíveis é “ajudado” pelas políticas da Petrobras, o repasse efetivo é muito menor do que seria em condições normais. Há a pressão da reconstrução no Rio Grande do Sul, que vai demandar bens tradables. Ou seja, teremos um evento de demanda exacerbada por certos tipos de bens – como cimento, aço, máquinas – que o Brasil pode não produzir na velocidade e intensidade necessárias para suprir o choque de demanda, então haverá algum nível de vazamento externo. Uma discussão é o tamanho desse vazamento, se será pequeno ou grande, mas o fato é que, pela natureza do choque, será invariável ao câmbio, já que não se poderá escolher esperar até que se possa comprar mais caminhões pela mesma quantidade de reais. Mas, como mencionei, se a Petrobras opera um controle de preços, o repasse cambial é infinitamente menor do que em condições normais, então considero que efeito que veremos na inflação será muito menor do que as pessoas estão imaginando.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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