“Redução da fragmentação partidária não tem colaborado para melhorar processo decisório no Congresso”

Jairo Nicolau, professor e pesquisador FGV CPDOC

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Jairo Nicolau, professor e pesquisador FGV CPDOC, reuniu-se com os pesquisadores da Economia Aplicada do FGV IBRE neste começo de semana para analisar a atual dinâmica do Congresso. Em conversa com o Blog após o encontro, comentou os principais pontos da conversa. Confira:

Em sua apresentação a pesquisadores do FGV IBRE, afirmou que a redução da fragmentação parlamentar não tem trazido efeito no processo decisório no âmbito do Congresso da forma que se esperaria. Por quê?

Estamos observando dificuldade do governo Lula nos primeiros meses de governo. Um exemplo é o da aprovação de medidas provisórias, onde aumentou muito o custo decisório comparativamente com outros governos (de 16 MPs com tramitação encerrada até meados de agosto, apenas quatro foram aprovadas, seis foram incorporadas a outras MPs, três foram apresentadas ao Congresso na forma de projeto de lei e complementar, como o voto de qualidade do Carf, e outras três foram vetadas). Outro aspecto é que certas decisões do Legislativo confrontam com políticas econômicas e públicas do governo, envolvendo temas que ameaçam a política fiscal, com os quais os deputados ao menos chantageiam o Executivo em colocar na pauta. A reforma ministerial recente tem a ver com esse cenário, é uma tentativa de afinar melhor a relação com o Legislativo.

Isso acontece, coincidentemente, com uma Legislatura muito mais compactada em termos de quantidade de partidos: um índice que hoje está na casa de 9, quando já ultrapassou 16, em 2018. Podíamos pensar: se não está bom assim, com mais partidos pior seria. Mas a minha ilusão é de que um quadro partidário mais compacto como começamos a ver de novo nesta legislatura produziria um governo que fluísse com um pouco mais de facilidade.

O Legislativo ganhou um certo poder vis a vis ao Executivo, de chantagear, que em outros momentos a gente não via tão fortemente, mesmo com a fragmentação que existia. Talvez a fragmentação não tenha o efeito esperado porque os partidos não sejam muito diferentes uns dos outros em termos ideológicos. Eles são parecidos. Pode estar na coalizão que elegeu Bolsonaro e estar apoiando o Lula, por exemplo.

O histórico de falta de habilidade do Executivo na relação com o Congresso – identificada por analistas no governo Dilma, e acentuada no governo Bolsonaro –, somada ao agravamento na condução das emendas parlamentares até chegar no chamado orçamento secreto (leia mais aqui) – cujo fim decretado pelo STF no final do ano passado não eliminou por completo o problema –, não podem ter comprometido esse efeito esperado com a redução de partidos no Legislativo?

O que temos que observar é que várias dimensões da democracia brasileira têm mudado. Quando olhamos só para o jogo Executivo-Legislativo, fica difícil visualizar essa mudança. Temos, por exemplo, uma opinião pública que interfere muito mais nas decisões do que observávamos há dez anos.

Isso não deveria ser positivo?

O problema é que é uma opinião polarizada, que tende a tornar as decisões mais custosas. Quando uma bancada parlamentar diz que vai mobilizar a sociedade para um ato, ela só faz isso porque tem as redes sociais para ecoar. No passado, para mobilizar a sociedade sem redes sociais você levava semanas, meses. Então, há uma mudança da opinião pública, há a presença de um ativismo ideológico nos dois campos, há um novo papel do Supremo, e há um novo papel dos presidentes da Câmara, que ganharam poder em relação ao Executivo desde Eduardo Cunha (presidente da Câmara dos Deputados de 2015 a maio/2016). Esse compósito de fatores muda a dinâmica decisória do Brasil. São muitas vozes, o que não nos permite se concentrar na dimensão partidária.

Em alguns setores, como o da energia (leia aqui) há preocupação com uma harmonização do trabalho entre Câmara e Senado para o avanço de leis e regulações consideradas chave para a tomada de decisão de investimentos. Considera que o trabalho paralelo observado hoje nas duas casas, por vezes pouco colaborativo, seja natural da dinâmica do Legislativo?

São casas com formatos e composições partidário-ideológicas diferentes, que tem o mesmo papel no processo deliberativo. Tudo passa nas duas casas. Não é assim nos EUA, não é assim na Alemanha, que são países federalistas. Há probabilidade de conflito entre as casas por razões de composição, por ideologia diferente, e por natureza do conflito pessoal. Se presidente de uma das casas resolve pegar uma proposta que foi aprovada na outra casa e engavetar, ele tem essa autonomia. Mas não lembro de ter visto uma tensão tão cotidiana entre esses dois personagens antes. E isso se traduz em paralisia. Novamente cito o caso das MPs, pois ambos os líderes começaram a brigar em relação à tramitação das MPs e desde então não pararam mais. Claro que mandato de ambos vai acabar. Mas, novamente, o papel que pessoas físicas em relação ao funcionamento das instituições ficou patente. Claro que há decisões dentro dessa dinâmica que podem ser positivas. Mas não se trata de uma rotina institucional, mas de uma dependência da discricionariedade de alguns personagens.

Diante desse cenário, é pessimista com o avanço da agenda densa e ambiciosa que o governo tem à frente – que inclui duas etapas de reforma tributária e medidas para ampliar a arrecadação federal e, com isso, aproximar a gestão do cumprimento da meta fiscal?

Olhando para a democracia brasileira, acho que criamos uma forma própria de as instituições funcionarem. Uma forma até ríspida de os poderes se relacionarem, com uma tensão sempre no ar, os partidos com pouco peso nesse processo e eleitores pouco atentos ao que está passando. Mas a democracia continua. As políticas públicas de um jeito ou de outro acontecem. A gente pode pensar sobre o que seria se tivéssemos outras instituições. Se não tivéssemos o presidencialismo, estaríamos melhor? Não sei. O fato é que as instituições parecem às vezes funcionar de forma improvisada. É como pessoas passando por uma ponte que parece frágil. Olhando de fora, você pensa: “nessa ponte eu não passo”. Mas o fato é que quem passa está chegando do outro lado.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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