“Independentemente da simpatia por política industrial, é preciso investir em uma avaliação rigorosa das medidas que foram e serão implementadas”

José Guilherme Reis, ex-diretor do Brasil no BID

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

José Guilherme Reis considera Regis Bonelli um tutor em sua trajetória como economista. Para homenagear o pesquisador do FGV IBGE falecido há cinco anos, liderou com Fernando Veloso (coordenador do Observatório da Produtividade Regis Bonelli) um seminário realizado em dezembro (leia aqui a cobertura). Em entrevista para a edição de janeiro da Conjuntura Econômica, o ex-diretor do BID tratou de uma das agendas mais desafiadoras do Brasil, e muito cara a Bonelli: ampliar a eficiência da economia. Leia, em primeira mão, alguns destaques dessa conversa.

O país sofre uma dificuldade histórica em aprovar reformas estruturantes - atualmente, temos na lista a tributária e administrativa, por exemplo - devido à resistência política muitas vezes alimentada por uma cultura de privilégios amplamente estudada (sobre este tema, reveja a entrevista do economista Fernando de Holanda Barbosa). Como quebrar esse ciclo? 

Quando estava no Banco Mundial, fui manager da área internacional e pude notar que o que a gente vê no Brasil  no campo da abertura comercial não é tão diferente do que a gente vê em outros países grandes de renda média. Por exemplo, tive a oportunidade de ir à Índia falar de abertura, e não os vi muito interessados. Paquistão, África do Sul, Turquia… todos esses países têm seus interesses estabelecidos. Mas, até por uma questão de eficiência, de fato é preciso pensar em combinar um conjunto de ações, e a reforma tributária é uma delas. O sistema tributário brasileiro é caótico, é muito desincentivador de uma série de atividades produtivas. Outro elemento absolutamente chave é a infraestrutura. Apesar de ser um país líder em termos de participação privada nesse setor, o Brasil ainda tem dificuldade no campo do investimento público, e o resultado é que ainda registramos um déficit considerável em infraestrutura. A solução para isso é de longo prazo, como também acontece com a educação, só para citar algumas variáveis-chave que explicam produtividade de longo prazo. 

É otimista quanto às chances de conseguirmos avançar nessa agenda?

O que acontecerá adiante ainda é difícil de prever, já que o governo ainda está sendo montado. Tudo dependerá das prioridades e das ações que serão tomadas. É preciso voltar aos temas fundamentais: temos uma dívida pública alta, uma pressão por gastos públicos enorme, e o governo começa aumentando o déficit público de curto prazo. Isso requer uma ação de curto/médio prazo importante para sinalizar uma trajetória viável, e não explosiva, da dívida pública. Queira ou não, o mercado já tem reagido aos passos do novo governo, e daí também vem meu otimismo, de que as trajetórias vão se ajustando do ponto de vista macro.

Qual seu balanço da política comercial nos últimos anos?

O Brasil é um global player, se relaciona comercialmente e financeiramente com boa parte dos países do mundo, e tem que permanecer nessa linha. Precisa estabelecer prioridades conforme as coisas vão evoluindo, sem ser seletivo. A América Latina é um bom começo. Acho que uma maior integração regional, não apenas no Mercosul, é importante e poderá beneficiar o Brasil. Além disso, e até pelas características geográficas do Brasil, que faz limite com quase todos os países sul-americanos, a agenda física de infraestrutura é importante, bem como a agenda digital. 

Em termos globais, uma coisa que fica faltando para o Brasil é uma maior participação nas cadeias globais de valor. Hoje cerca de 50% do comércio global estão nessas cadeias, nas quais o Brasil tem participação pequena. Parte disso pode ser explicada por ser um país que basicamente produz matérias-primas, com baixo nível de processamento. Mas parte dessa explicação vem do fechamento da economia. Para participar de cadeias globais de valor - ou seja, ter fábricas que atravessam as fronteiras do país -, não se pode praticar tarifas altas sobre insumos e bens de capital.

Diversos eventos internacionais, como a pandemia, têm alimentando hipóteses quanto a reconfigurações das cadeias globais de valor. Qual sua expectativa a respeito, e como o Brasil se posicionaria? 

De fato, de 2016 para cá, com a guerra comercial entre Estados Unidos e China, observamos ao menos uma reversão de parte desse processo.  Se o Brasil poderá se aproveitar desse contexto, vai depender de nossas reformas internas. Acho que temos boas condições para isso, especialmente no campo da economia verde e das energias renováveis. Temos escala, e escala é importante. Quando se pensa em cadeia global de valor, pensa-se muito na lógica de um elo da cadeia; mas se considerarmos a massa de investimento que foi para China, veremos que é porque lá tem escala, capacidade de troca. Muitas atividades acontecem entre pequenas e médias empresas, com trocas incessantes. Acho que o Brasil tem potencial, mas precisa de políticas convergentes para retomar o tema da produtividade e ser capaz de absorver investimentos que tanto atendam o mercado interno – porque o Brasil continua sendo atrativo desse ponto de vista – quanto o mercado externo. 

Hoje há uma tendência mundial de volta de políticas industriais, inspiradas por diversos fatores como estímulo ao crescimento, descarbonização das economias e insegurança geopolítica. Como considera que esse tema deva ser tratado no Brasil, levando em conta que o novo governo já menciona a preocupação coma reindustrialização?

A discussão de política industrial ocorre de fato em todos os países do mundo, mas deve ser tomada com cuidado. Acho que, em primeiro lugar, é preciso estar aberto para rever políticas, analisar se deram certo. O problema do Brasil é não rever políticas. Veja o caso da Zona Franca de Manaus, que foi criada em 1967 e cujos benefícios tributários são recorrentemente prorrogados (a última prorrogação foi em 2014, estendendo seu prazo até 2073). Políticas de desenvolvimento regional não são necessariamente bem-sucedidas, mas são mantidas. Economistas têm apontado a superposição de políticas, porque criam-se novas sem desfazer o que claramente não está dando certo e precisa ser reformado. E com isso o sistema se torna insustentável. Se quer gastar com outras políticas, por exemplo, de combate à pobreza, mas não se abre espaço fiscal, por exemplo, desfazendo o gasto tributário isenção que é ineficaz, e o resultado é que os pobres acabam pagando de outra forma, com preços mais altos, recessão ou baixo crescimento da economia.

Assim, independentemente da simpatia por política industrial, é preciso investir em uma avaliação rigorosa das políticas que foram e serão implementadas. E, ao se criar uma nova, repensar o que acontece com as antigas. 

Uma das frentes relacionadas a esse tema é a da ação do BNDES. O novo governo já mencionou uma possível mudança da TLP, taxa operada em suas operações. Considera que é preciso reformar as diretrizes atuais do banco? 

Seria fundamental preservar os avanços dos últimos anos, em particular na gestão. O que inclui a TLP, que promove um efeito crowding in, de estímulo ao financiamento privado. Quando os juros estão altos, a TLP está ruim. Mas há três anos o Brasil mostrou que tem condições de praticar juros mais baixos. Se hoje eles estão mais altos é por conta de uma inflação que está no mundo inteiro, e não se pode pensar o desenvolvimento de todas as estratégias com base numa trajetória de política monetária relacionada a uma questão conjuntural. Com uma boa âncora fiscal, uma sólida trajetória declinante do déficit público e a continuidade de reformas microeconômicas, os juros tendem a cair de novo. 

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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