Desafios do crescimento brasileiro: uma análise inspirada na obra de Regis Bonelli

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Na última sexta-feira (16/12), o FGV IBRE promoveu um seminário em homenagem a Regis Bonelli, falecido há 5 anos. O evento foi marcado por comovidos depoimentos e lembranças resgatadas por amigos de longa data do pesquisador do IBRE, como os economistas Pedro Malan, Edmar Bacha, Paulo Vieira da Cunha e José Guilherme Reis - este último, inspirador e coorganizador do evento junto a Fernando Veloso, do FGV IBRE. Também foi momento de recordar parte de seu legado registrado em livros e estudos e nas passagens por instituições como Ipea, IBGE, PUC-RJ e no próprio IBRE, onde Bonelli formou o primeiro grupo de estudos sobre produtividade que deu origem ao Observatório da Produtividade que hoje leva seu nome, além de ter sido o incentivador de outras importantes iniciativas, como o Boletim Macro IBRE e os Seminários de Análise Conjuntural.  

Na ocasião, especialistas que compartilharam estudos com o homenageado foram convidados a fazer um balanço dos últimos cinco anos a partir dos temas mais caros ao ele: produtividade e crescimento econômico, e desenvolvimento industrial, especialmente conectado ao comércio internacional. No campo da produtividade, Fernando Veloso, coordenador do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, apresentou o trabalho realizado no Observatório e os resultados mais recentes sobre produtividade do trabalho que haviam sido divulgados na véspera, em seminário promovido junto ao Valor Econômico (leia aqui a cobertura do evento), que apontam a volta da tendência de queda da produtividade verificada antes da pandemia. “Desde 2020, também passamos a desenvolver estudos sobre mercado de trabalho em si, criando um núcleo para entender mais a fundo o seu funcionamento, do qual derivaram estudos como a análise da importância da educação para uma inserção mais produtiva no mundo do trabalho e a elaboração de propostas de política de intermediação do emprego e capacitação da mão de obra”, citou Veloso.

No evento, Veloso ressaltou a importância de se privilegiar medidas que estimulem a eficiência da economia brasileira - ou PTF, produtividade total dos fatores - visando ao crescimento econômico brasileiro de forma sustentável. Ele ilustrou essa urgência através de uma decomposição do crescimento da renda per capita no país. O exercício de Veloso mostrou que nos últimos 40 anos (de 1981 a 2021) o principal impulsionador da renda per capita foi o bônus demográfico - caracterizado por um crescimento mais acelerado da população em idade ativa em relação à população geral -, seguido do aumento da taxa de participação, em que se destaca o aumento da inserção das mulheres. “Levando em conta que o bônus demográfico já acabou ou está por acabar, dependendo da definição que se use, e que as perspectivas são de baixo crescimento da taxa de participação, temos ainda a taxa de ocupação, que é cíclica, e a jornada média, que tende a cair. Por isso é que a produtividade é tão importante, e a tendência é de que as pessoas perceberão cada vez mais que seu padrão de vida está estreitamente conectado a ela”, afirmou. Observada setorialmente, a produtividade brasileira tem registrado crescimento constante apenas no setor agropecuário, que é pouco empregador. De 1995 a 2021, a produtividade da indústria de transformação registrou queda, e os serviços andaram de lado. “Levando em conta que serviços representam 70% da economia, não registrar crescimento da produtividade significa não abrir oportunidades de geração de bons empregos”, traduziu Veloso.

Para Samuel Pessôa, pesquisador associado do FGV IBRE, um dos entraves brasileiros para impulsionar o crescimento é focar estratégias de política no campo quantitativo, sem privilegiar a governança. “Esse é um vício keynesiano no qual ainda estamos perdidos, de olhar o problema do desenvolvimento como uma questão de ampliar gastos e políticas, sem pensar em como organizar os processos. E a impressão que tenho, nestes meses de transição, é que a tendência do novo governo é reforçar esse ponto de vista”, diz. Em sua análise, Pessôa citou texto de Bonelli e Pedro Malan (“Os limites do possível”), no qual os autores analisam a formulação de política econômica do governo Geisel, fazendo um paralelo com diversos episódios da história brasileira em que, classifica Pessôa, as políticas expressaram a convicção de seus formuladores de que a economia poderia andar além de suas possibilidades. “Vimos essa ideia de que a aceleração do crescimento pode resolver o problema fiscal no governo de Juscelino Kubitschek, no Plano Cruzado, na Nova Matriz Econômica. Todas as vezes que tentamos, deu errado. E talvez vejamos isso nos próximos dois anos”, afirmou.

Armando Castelar, pesquisador associado do FGV IBRE, colocou o alerta sobre o risco de retrocesso em reformas que ampliem o gasto público. “Isso obrigará o Banco Central a praticar juros mais altos, o que será ruim para o mercado de capitais e o financiamento das empresas no geral - o que, por sua vez, abriria justificativa para o BNDES voltar a uma política de juros subsidiados”, ressaltou, condenando uma alteração na atual TLP, que adequa os juros cobrados nas operações do BNDES aos juros de mercado. “Em poucas semanas já vimos sinalizações da possibilidade de se desfazer avanços que deram trabalho. E que certamente intrigariam Bonelli, preocupado com seus efeitos sobre a produtividade”, afirmou.

Decomposição do crescimento da renda per capita (% ao ano) 
Brasil - períodos selecionados


Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração FGV IBRE com dados das Contas Nacionais, PNAD e PNADC (IBGE).

Indústria e comércio

No seminário, os especialistas também discutiram os desafios da indústria brasileira diante das novas variáveis que movem o tabuleiro global: a digitalização, a descarbonização e a intensificação de conflitos geopolíticos, que tem levado a discussões sobre um reordenamento das redes de fornecimento mundiais e poderia abrir oportunidades para o Brasil.

Sandra Rios, do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), fez um balanço dos últimos quatro anos no campo do comércio internacional e apresentou parte das recomendações do documento Integrar para Crescer - uma proposta de liberalização comercial, lançado pelo think tank em meados do ano como contribuição ao debate presidencial. “Ainda que se possa identificar alguns modestos avanços no campo de procedimentos aduaneiros e barreiras não-tarifárias, a liberalização ficou aquém das expectativas, não se impondo como prioridade de governo”, disse. Sandra ressaltou que o Brasil continua sendo um ponto fora da curva quando se trata de proteção comercial. “Em bens industriais, só há nove países com tarifas de importação mais elevadas do que as nossas - entre eles, Argélia, Argentina, Venezuela e Irã. Não há critério econômico ou social que justifique nossa presença nesse grupo. Sandra também ressaltou que a perda da participação da indústria no PIB brasileiro - analisada com detalhes por Claudio Considera, que no evento apresentou estudo antecipado em artigo da Conjuntura Econômica de outubro (leia aqui) - não se deu pela ausência de políticas industriais nos 25 ultimos anos, que se caracterizam por seu caráter protecionista. “A tarifa média aplicada a produtos industriais no Brasil e Argentina estão estagnadas desde a reforma do presidente Collor em meados da década de 1990, enquanto no resto do mundo ou os países permaneceram estáveis, pois ja tinham feito reformas mais expressivas, ou fizeram reformas liberalizantes, como no caso da China”, descreveu, lembrando que a exceção é a Índia, ao reverter procesos de abertura com a chegada do governo nacionalista.

José Augusto Fernandes, também do Cindes, analisou a realidade tarifária do Brasil em dois campos fundamentais para o país ser competitivo no novo jogo internacional - descarbonização e transformação digital. “Observamos que 50% dos ex-tarifários do Brasil são relacionados a tecnologia da informação. Se olho os bens ambientais, representam algo como 45%. Ou seja, a maior parte dos ex-tarifários são associados a duas áreas em que o  país tem mais potencial de transformação”, afirmou. Para Fernandes, a agenda a ser priorizada para que o país capture potencial nessas duas áreas passa por quatro elementos: 1- incentivos adequados, com preços corretos a acesso de bens e serviços de telecom e informática, tanto para indivíduos quanto para empresas; 2- qualidade regulatória; 3- políticas que busquem maior produtividade do sistema de pesquisa e desenvolvimento das universidades; 4- e perseguir um ambiente de negócios mais positivo, o que inclui reforma da tributação indireta, de tributos sobre importação de serviços no Brasil, e aumento da segurança jurídica.

Tanto Sandra quanto Lia Valls, pesquisadora associada do FGV IBRE, ressaltaram o caráter progressista que a liberalização comercial tem, ao permitir a oferta de produtos e insumos mais baratos e de melhor qualidade, facilitando o acesso a camadas mais pobres da população. Em sua apresentação, Lia também destacou o cuidado que se deve ter ao retomar o debate sobre a concentração da pauta exportadora brasileira no agronegócio. “É fato que as commodities hoje representam de 60% a 70% exportação. É reflexo de nossa vantagem comparativa, intensiva em recursos naturais. O agronegócio brasileiro tem alto valor adicionado, e está relacionado com parte da indústria de transformação. É preciso tomar cuidado com as armadilhas presentes nesse debate, sob o risco de perdermos algo que já é importante em nossas exportações”, afirmou. A pesquisadora do IBRE também destacou que um maior grau de abertura da economia brasileira poderá estimular as multinacionais presentes no Brasil a não se concentrarem apenas no mercado interno e passarem a exportar a partir do país.

Falta de liberalização encarece acesso a produtos que colaboram para o desenvolvimento dos jovens 
tarifa para produtos e países selecionados - 2020


Fonte: WITS, elaborado por Cindes.

Levantamento realizado por Eduardo Augusto Guimarães, do Cindes, aponta que dos 103 grupos industriais presentes no Brasil de acordo a classificação do IBGE apenas dois têm alto grau de inserção internacional - interpretada a partir de um alto coeficiente de importação de insumos e exportação de produtos em relação ao total movimentado -, que são o setor de fabricação de aeronaves - leia-se Embraer - e o de máquinas e equipamentos para mineração e construção. Entre os 38 grupos que importam muito e exportam pouco estão fabricantes de produtos químicos, bens de capital, de consumo durável e veículos automotores. “Durante o período analisado, o comportamento exportador dessas indústrias é absolutamente estável, e sua peculiaridade é a de ser formado basicamente por subsidiárias de empresas estrangeiras. Isso sugere que o avanço da inserção das empresas industriais brasileiras em cadeias de valor globais depende não apenas de decisões tomadas no país, mas de estratégias que são tomadas em nível mundial”, afirmou, reforçando a recomendação de Lia.

Reveja o Seminário em homenagem a Regis Bonelli.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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