Em seminário, presidentes de companhias de saneamento destacam regulação e eficiência como peças-chave no caminho da universalização

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Presidentes das companhias estaduais de saneamento do Rio de Janeiro (Cedae) e Cagece (Ceará) estiveram reunidos nesta terça-feira na sede da Cedae para discutir a situação econômica das empresas de saneamento do país acompanhados de Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV IBRE, que analisou o ambiente de investimentos para 2024.

No evento, Neuri Freitas, presidente da Cagece e da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), promotora da série Diálogos Estratégicos, ressaltou que 2024 e 2025 serão chave para a definição da capacidade  de se avançar na universalização dos serviços de água e esgoto tal como definido no Marco Legal do setor. Apesar de um aumento de investimentos nos últimos anos, estes ainda estão aquém do necessário para se cumprir essa meta até 2033, tal como definido na lei (leia mais aqui). “Neste momento, não cabe rediscutir prazos. Precisamos estar atentos e discutindo”, afirmou, apontando os temas que ainda é preciso equacionar para se ampliar a cobertura. “O Marco Legal foi discutido em torno da perspectiva de se atrair mais recursos e novos operadores, mas muito ficou pendente dentro desse pacto social que precisamos. Não avançamos em termos de licenciamento ambiental, tampouco nas regras de captação de recursos, para dar celeridade ao processo. Precisamos convergir público e privado para alcançar o melhor resultado”, afirmou.

Freitas também destacou a importância de se acelerar o processo de regulação a cargo da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). “Ainda não temos todas as resoluções necessárias, e o tempo está correndo”, disse, destacando a questão tarifária entre os temas pendentes de diretrizes. “Temos mais de 70 agências reguladoras no Brasil, e entre elas varia a interpretação do que a tarifa do serviço de saneamento precisa pagar”, apontou, defendendo um regramento que uniformize esse entendimento.  Outro ponto destacado por Freitas é a implementação da tarifa de disponibilidade - que prevê uma cobrança mínima de todo consumidor que tenha a rede de esgotamento disponível na área em que reside - o que estimularia um aumento das conexões à rede. “No Ceará, temos cidades em que apenas 30% dos lares estão interligados. Isso gera uma tarifa individual mais cara, que é uma preocupação de qualquer companhia, seja ela pública ou privada”, afirmou, lembrando que em muitos casos são regiões mais pobres, que demandam subsídios para que as famílias honrem esse compromisso. “O resultado dessa baixa taxa de interligação é que a indústria, que não é obrigada a se conectar no sistema público, pode optar por uma solução individual economicamente mais vantajosa, resultando em nova perda de receita pela companhia de saneamento. Por isso precisamos de uma tarifa justa, e de todos interligados”, defendeu. Em 2022, o Ceará lançou duas parcerias público-privadas (PPP) de esgoto, vencidas pela Aegea, que deverá investir cerca de R$ 6,2 bilhões nas 24 cidades contempladas.

Média margem ebitda das 3 maiores cias. públicas x 3 maiores cias. privadas


Fonte: Dados consultados pela CVM.

O presidente da Cagece e da Aesbe também mencionou o impacto que o novo sistema tributário deverá gerar nas contas de água e esgoto - estimativa preliminar da Aesbe aponta para um aumento de 18% na conta. No projeto da reforma, o saneamento estava contemplado no grupo de atividades com alíquota reduzida, equiparado ao setor de saúde, mas foi retirado no final da tramitação. Nas discussões da regulamentação da reforma, a sinalização mais forte em benefício do setor é a de se estabelecer a devolução de imposto para famílias de baixa renda (cashback), que na lei só contempla energia elétrica e gás de cozinha (leia mais).

Aguinaldo Ballon, presidente da Cedae, destacou no evento a importância de se aperfeiçoar a gestão das companhias públicas, facilitando o caminho ao financiamento da expansão dos serviços. Caminho que a própria Cedae trilhou, diz, depois da concessão de parte das operações em 2021/22, restando à companhia a atividade de captação, tratamento e venda da água às concessionárias. “Pudemos, a partir de 2022, investir nos sistemas de produção, algo que dá mais resiliência ao sistema, permitindo menos interrupções e um tratamento com mais qualidade”, explicou, indicando que o montante investido nessas operações em 2023 foi similar ao observado nos últimos cinco anos antes das concessões, mas que naquele momento abarcava todas as demais atividades que hoje estão a cargo da operação privada. “Com a reestruturação que ainda estamos processando, a expectativa é que este ano tenhamos um resultado positivo, e daqui para frente, com a estabilização da receita operacional, tudo que possamos gerar de caixa seja usado no investimento em infraestrutura.”

Endividamento geral das 3 maiores cias. privadas x 3 maiores cias. públicas (2019-2022)


Fonte: Dados consultados pela CVM.

Ballon apresentou um levantamento a partir dos dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) e de balanços das empresas relativos a 2022 em que compara  o desempenho das três maiores empresas estatais - Sabesp, Copasa e Sanepar - com as três principais operações privadas. “Vemos que, entre essas empresas públicas que já têm um nível de governança maior, por negociarem ações em bolsa, o Ebitda médio observado entre 2019 e 2022 é similar ao das companhias privadas, com exceção apenas da maior companhia privada.” Em termos de endividamento, entretanto, elas ainda estão abaixo das empresas privadas, indicando um potencial ainda a ser explorado para alavancar investimentos. “O fato é que, com uma gestão mais eficiente, transparente, com menor incidência do poder público sobre as decisões, é possível aumentar a performance das empresas públicas para que possam se apoiar no mercado, tomar um endividamento maior”, apontou, indicando que essa também é uma agenda para acelerar investimentos nos setor.

Investimentos Cedae 2017-2022
(Valores em Milhares)


Fonte: Cedae.

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, ressaltou no seminário a melhora das condições macroeconômicas, que podem abrir caminho para uma redução do custo de capital para investir. “Estamos no caminho de combater a inflação, em sincronia com as principais economias. Ainda há incertezas no campo internacional, sobre as quais não temos domínio. Mas podemos fazer nossa parte”, disse, referindo-se à gestão fiscal e seu impacto na condução da política monetária. A falta de uma condução fiscal adequada - seja com gastos além da capacidade arrecadatória, seja pela ineficiência na alocação de recursos -, disse, traz dois efeitos negativos: atrapalha a trajetória de queda dos juros, encarecendo os financiamentos, e reduz o espaço para aumento de gastos no campo do saneamento. “Enquanto não equacionarmos os gastos públicos de forma mais eficiente, haverá menos espaço para cuidar de carências tão urgentes como a da cobertura de saneamento”, afirmou.

Freitas, da Aesbe, ilustrou essa necessidade de recursos públicos citando o caso do saneamento rural. “No Ceará, investiremos R$ 2 bilhões nos próximos quatro anos, com recursos próprios e finaciamento do KFW (banco alemão de desenvolvimento) e do Banco Mundial. No PAC, os recursos previstos para essa área são R$ 480 milhões, para o Brasil todo. Está claro que o saneamento rural precisa ser repensado e de fato colocado na agenda,” afirmou.

Reveja a segunda edição de Diálogos Estratégicos.

 


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