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Postado por Conjuntura Econômica
Saneamento: melhoramos, mas chegaremos à universalização?
Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro
Os investimentos em saneamento básico no país bateram recorde em 2022, segundo números que o IBGE divulgou recentemente: chegaram a R$ 22,45 bilhões, 26,4% acima dos de 2021. Não deixa de ser uma excelente notícia, já que a falta de saneamento é uma das faces mais cruéis da desigualdade, geralmente sempre medida pela renda da população. Mas ainda temos o equivalente a 49 milhões de pessoas sem esgotamento sanitário e 4,8 milhões sem água encanada, mesmo com a expansão desses serviços nos últimos anos.
O avanço conseguido, segundo os economistas Marcelo Miterhof e Letícia Pimentel, que escrevem artigo sobre o tema para a próxima edição da revista Conjuntura Econômica, é fruto, em grande parte, do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, criado em 2007. Antes disso, de 2000 a 2008, o investimento se manteve estável, na casa dos R$ 8,9 bilhões por ano. Já em 2007, os investimentos pularam para R$ 19,3 bilhões. Entre 2009, quando o PAC começa efetivamente a deslanchar, e 2014, a média dos investimentos foi da ordem de R$ 17,3 bilhões.
Mas, apesar de ser motivos de comemoração, ainda há muitos obstáculos para que o país consiga sua universalização do saneamento básico em 2033. Estimativas apontam que serão necessários R$ 90 bilhões por ano para se chegar à meta. Os R$ 22,45 bilhões de 2022 ainda estão muito distantes disso.
Há problemas na concessão de financiamentos para as empresas de saneamento. Como mostram Miterhof e Letícia, “as três companhias estaduais de saneamento básico (CESBs) que têm capital aberto (Sabesp – SP, Sanepar – PR e Copasa – MG) responderam de 2000 a 2021 por 42,7% dos investimentos totais. No período 2009-2014, esse número caiu para 39,8%, tendo como piso 38% em 2010 e 2012. De 2015 a 2021, embora o patamar médio de investimento não tenha caído tanto (R$ 16,3 bilhões ante a R$ 17,3 bilhões de 2009 a 2014), a participação das três CESBs subiu para 43,8%. Em 2022, essa proporção voltou para o piso de 38%”.
Essa concentração de recursos em poucas mãos acaba aumentando as desigualdades: apenas 29% dos investimentos em abastecimento de água entre 2018 e 2022 foram destinados para as regiões Norte e Nordeste, onde o déficit é de 63%. Se falarmos de esgoto, a situação é bem pior: apenas 19,6% foram destinados aquelas regiões que concentram 50,4% do déficit e 36% da população brasileira. Ou seja: onde o déficit é maior, chega menos dinheiro.
Um dos problemas das regiões Norte e Nordeste, entre vários, onde se concentra a população mais pobre do país, é a questão rural, onde o saneamento básico não chega. E, quando chega, há enormes dificuldades de convencimento das pessoas a se ligarem à rede, já que terão que começar a pagar pelo serviço.
A Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (AESBE), em sua Série Universalizar, traz um estudo sobre o saneamento rural que pode ser acessado aqui.
Luiz Firmino Pereira e Rafael Souza, pesquisadores do FGV CERI, elencam uma série de obstáculos que podem colocar em xeque a busca pela universalização, e que não estariam ligados à falta de recursos.
Licenças outorgas – Um dos problemas mais frequentes no licenciamento ambiental aplicado ao tratamento de esgotos diz respeito às exigências de padrões de lançamento. Há uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA n. 357 e 430) que impõe limites nacionais para vários parâmetros de acordo com a classe e tipo de corpo hídrico;
Aprovação do regulador – Embora a cultura de regulação sobre ativos concedidos já some mais de duas décadas, agências reguladoras, em especial as infranacionais, permanecem com quadros de pessoal muito aquém do necessário, carentes de capacitação, e desta forma têm dificuldade em analisar e aprovar projetos, cronogramas, assim como de fiscalizar o devido cumprimento de metas contratuais;
Desapropriações – Um item que nem sempre é bem percebido pela população como fonte de atraso em cronogramas são as desapropriações de terrenos, necessárias a instalação de infraestruturas. Não é difícil ocorrerem atrasos em obras por conta de demora no processo de desapropriação de áreas – os editais normalmente definem que o titular do serviço (município) deve dar andamento ao processo de desapropriação, e o concessionário é quem deve arcar com os custos;
Alternância política – Aquilo que deveria ser o cerne das democracias, a alternância de mandatários, acaba por se transformar em um verdadeiro martírio para os operadores de saneamento. Isto acontece porque projetos com grande gap de infraestrutura como nos casos em curso no país, que demandam um planejamento de investimentos de longo prazo, com metas claras de curto, médio e longo prazo. Contudo, quando da mudança no comando do titular do serviço (município) que pode ocorrer a cada quatro anos, observa-se muitas vezes que os novos prefeitos queiram alterar tarifas com “canetadas”, assim como alterar cronogramas com prazos diferentes daqueles já programados, entre outras mudanças;
Controle social ausente ou inadequado – O Controle social na área de saneamento, em especial do esgotamento sanitário, não costuma ser bem institucionalizado, e mesmo para o cidadão comum passa às vezes desapercebido. Diferente da distribuição de energia elétrica ou do abastecimento de água, que se falharem, geram imediatamente uma reclamação, o esgoto, uma vez afastado da residência (o que se dá em boa parte das cidades pelos sistemas de drenagem pluvial) não desperta mais a preocupação do usuário;
Inadimplência, furtos e perdas – Vencida essa maratona, há toda uma gama de questões a serem enfrentadas pelo operador em função de problemas sociais e de práticas deletérias, que contribuem para um possível descolamento do preço cobrado pelos serviços da realidade fática e financeira do cidadão. Os índices aceitáveis com perda física costumam ser bem definidos em contrato, assim como as metas a serem perseguidas.
Leia a íntegra do artigo de Luiz Firmino Pereira e Rafael Souza na edição de fevereiro da Conjuntura Econômica.
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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.