Em Foco

Que país queremos?

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Domingo (8), estava com minha neta de 15 anos assistindo a um filme, desses clássicos que estou revendo para iniciá-la no conhecimento de grandes diretores. Recebo uma mensagem de minha filha: “pai, você está vendo a loucura que está acontecendo em Brasília?” Interrompi o filme e fui para os canais de TV. Fiquei horrorizado com o que estava sendo mostrado. Senti uma enorme angústia vendo aquelas pessoas ensandecidas, tirando selfies, quebrando coisas, enroladas na bandeira do Brasil. No livro Como as democracias morrem, Steven Levitsky, em uma parte da obra, se debruça sobre o que ele chama de efeito manada, onde as pessoas seguem uma minoria, sem saber, ao certo, o que estão fazendo lá. E as consequências que poderão surgir. E, acredito, muitos naquele domingo faziam parte dessa manada.

Fiz esse rápido comentário para mostrar mais um grande problema que o governo Lula terá pela frente: enfrentar parcela de descontentes com o resultado das eleições, tornando mais complexa a necessária união e apaziguamento da Nação. É mais um que se junta a um caminhão de problemas. A antropóloga Isabela Kalil, em entrevista ao jornal O Globo no último dia 10, salientou que “a extrema direita já existia antes de Bolsonaro. Havia vários grupos que estavam separados e não canalizavam uma agenda. Eles foram se unindo em torno da figura do ex-presidente, o que incluiu, depois, o contexto digital, uma geração bem mais jovem que se mobiliza a partir de fóruns on-line. Bolsonaro deu essa cola”.

E toca em um ponto relevante, de que há diferenças entre os grupos que apoiam o ex-presidente. Um dos mais importantes é o que ela chama de patriotas, pessoas mais velhas, que viveram o período de transição democrática. “São diferentes dos cidadãos de bem, pautados por uma agenda anticorrupção, o lavajatismo, embora possam ter posições radicais. O patriota tem inspiração militar, marcha e tem uma performance inspirada por uma lógica bélica… Partem do pressuposto que estão em uma guerra, que foram convocados e selecionados para salvar o país.”

Estudo recente dos economistas Fabrizio Coricelli, professor da Paris School of Economics, Marco Frigerio, da Universidade de Siena e Nauro Campos, professor da Economics University College London, publicado no O Globo, mostra que “em democracias incompletas, instáveis, o PIB per-capita cresce 20% menos no longo prazo (...) pela perda de qualidade das políticas públicas, há menos saúde e educação, elementos essenciais para o crescimento de um país, além da fuga de cérebros”.

Ou seja: é uma encrenca monstruosa, que não foi resolvida, já que não estão descartados outros movimentos. Ressalto que medidas que não estejam respaldadas por provas concretas contra o ex-presidente e parte de seus aliados mais próximos podem acirrar ainda mais os ânimos, embora o que for apurado deva ser analisado, julgado e, se comprovado, levar à punição dos responsáveis.

Seria ingênuo supor que muitos eleitores de direita, contrários ao que ocorreu em Brasília no último domingo, mudem de camisa, passando a apoiar o governo petista. Há um grande fosso entre ser contra os atos de vandalismo ocorridos em Brasília e a ser a favor do novo governo do PT.

A análise de Isabela remete a outros problemas que o governo vai enfrentar. Não será fácil tratar do Meio Ambiente da forma que se pretende. A ministra Marina da Silva, reconhecida internacionalmente, terá árduo trabalho em lidar com parte do agronegócio, com uma forte bancada na Câmara e no Senado.

Na Saúde, recuperar os índices de vacinação que estão em patamares muito baixos vai levar algum tempo. De acordo com dados do Ministério da Saúde, a cobertura vacinal da população vem despencando, chegando em 2021 com menos de 59% de pessoas imunizadas. Em 2020 esse índice era de 67% e, em 2019, de 73%. Muita gente não tomou reforço da COVID-19 e aumentaram os grupos contra vacinas no país. As taxas de vacinação contra poliomielite vêm despencando, como mostra o gráfico abaixo.

Vacinação contra poliomielite (% da população)


Fonte: Ministério da Saúde.

Na Educação, o atraso educacional proporcionado pela pandemia e a falta de medidas mais eficazes para atender as crianças mais carentes – há escassez de computadores, estrutura nas escolas públicas e nas universidades, com falta de recursos cortados do Orçamento –, também serão grandes desafios para o novo ministro Camilo Santana, ex-governador do Ceará, onde a educação tem sido uma referência no país.

Na economia, como tenho escrito neste espaço, os ventos mudaram. O mundo vai crescer menos, a inflação está em alta, o que vai nos impactar de uma forma ou de outra. Embora tenha sido aprovada a chamada PEC da Transição, um novo arcabouço fiscal deverá ser apresentado, como já afirmou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, até o final deste primeiro semestre. O que pode acalmar o mercado e mostrar que o novo governo está empenhado em manter responsabilidade fiscal. Por ora, a questão fiscal é o grande nó para o crescimento sustentável.

E se a economia não se recuperar – a última previsão do Boletim Macro FGV IBRE é de um crescimento de apenas 0,7% este ano –, a governabilidade vai se tornar ainda mais difícil. Lula montou um amplo arco de apoios, o que poderá facilitar a tramitação e aprovação de medidas que alavanquem a economia, como a reforma tributária, por exemplo. Como disse Ciro Gomes, candidato derrotado na última eleição, durante um dos debates presidenciais, “Lula é um encantador de serpentes”, o que pode desarmar revanchismos e unir a classe política e a sociedade em busca de um país mais justo. O que não será uma tarefa trivial.

Relembre: Afinal, de que tamanho é o desafio fiscal imposto pelo governo?

Outro ponto de preocupação é com os planos de reindustrialização do país, já mencionados pelo vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, e reforçado pela ministra do Planejamento Simone Tebet. Há temor que se volte à antiga política de conteúdo nacional, com forte interferência do Estado na economia, tema levantado durante a campanha do presidente Lula. Usar a meritocracia, tornando a máquina pública eficiente, com funcionários de carreira que trabalhem independentemente qual for a tendência ideológica de quem está no poder, é o caminho mais seguro para que as coisas deem certo.

Reveja: Um ano de esperanças e incertezas.

Arrumar a casa vai requerer paciência, transparência nas informações, políticas públicas acertadas e desarme de ânimos exaltados. Só assim poderemos construir um país melhor. É o que a maioria da população almeja.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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