Afinal, de que tamanho é o desafio fiscal imposto ao novo governo?

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A Carta do IBRE da Conjuntura Econômica de janeiro (acesso gratuito à revista aqui), repercutida ontem (9/1) no jornal Valor Econômico (link para a matéria), apresenta um exercício realizado por Braulio Borges, pesquisador associado do FGV IBRE, que busca dar contornos mais claros ao tão citado desafio fiscal que o novo governo terá de abraçar em seu mandato. Borges afirma que, para manter a relação dívida líquida (passivos menos ativos) estável em relação ao PIB será preciso garantir um aumento de arrecadação de cerca de R$ 120 bilhões em 2024 e 2025, entre cortes de despesas e aumento de receitas. Esse valor garantiria um superávit para o governo central de 0,5% em 2024 e 1% em 2025. Para o economista, esses seriam os primeiros passos para se buscar um resultado primário de ao menos 1% a 1,5% na média entre 2024 e 2030 e, com isso, restabelecer a sustentabilidade intertemporal do setor público.  Dessa forma, destaca, se garantiria alívio no câmbio e nos juros longos, que estão acima de 5,5% ao ano desde o final de 2021.

Essa tarefa, aponta a Carta, não contará com fatores positivos que colaboraram para os resultados fiscais nos últimos anos, levando ao superávit do setor público consolidado no biênio 2021/22, que não refletem aperfeiçoamento da política fiscal. Entre eles, o salto das receitas associadas ao setor extrativo mineral. Em 2021 e 2022, a arrecadação com o setor de petróleo e gás corresponderam a, respectivamente, 1,8% e 2,6% do PIB, contra uma média de 0,9% entre 2011 e 2020. E, também, a inflação muito acima da meta, que aumenta o denominador da relação dívida/PIB – “efeito reforçado pelo fato de o deflator do PIB ter sido sistematicamente superior à inflação do consumidor”, completa.

Receita líquida da União
Em % do PIB


Fonte: FGV IBRE.

A Carta aponta que as perspectivas em relação à trajetória da relação dívida/PIB tiveram forte deterioração especialmente a partir do final de 2021. Evidências quanto a essa reversão podem ser observadas, afirma, nas mudanças na projeção do mercado para a relação da dívida bruta do governo geral / PIB em 2030 comparada com a de 2022. Até meados de 2021, aponta, a diferença entre ambas era negativa, indicando expectativa de recuo. Com a PEC dos Precatórios, mudou para o terreno positivo; continuou a crescer com a PEC Kamikaze, em meados de 2022 e, mais recentemente, com a PEC da Transição (EC 126/22), essa diferença entre 2022 e 2030 chegou a 12 pontos percentuais do PIB de alta.

Borges avalia que os R$ 170 bilhões de gastos adicionais liberados com a PEC da Transição para equalizar o Orçamento de 2023 foram excessivos em ao menos R$ 50 bilhões, o que prejudicou qualquer possibilidade de controle das expectativas fiscais. Para ele, o ideal é que o governo não gaste todo o prazo que tem – até meados do ano – para apresentar uma nova regra fiscal que substituta o teto de gastos, e que o ministro cumpra com a declaração de não chegar ao déficit primário máximo permitido na EC 126/22, de 2% do PIB. Ele ressalta que se houvesse a reoneração de todos os tributos reduzidos no governo anterior, o déficit do governo central poderia fechar o ano em 1% do PIB. Essa, entretanto, já é carta fora do baralho, já que o presidente autorizou a manutenção da desoneração sobre diesel e gás de cozinha até o fim do ano, e a da gasolina e etanol e GNV por dois meses. "Em um contexto de reoneração integral, com um impulso adicional decorrente do acordo da OCDE para reduzir o profit shifting válido a partir de 2024 (cenário 1 do gráfico), a receita chegaria a 19% do PIB em 2031", diz. O pesquisador complementa que em ambos os cenários traçados a contribuição das receitas do setor extrativo é a mesma. "Há um recuo relevante dessa receita em 2023 ante 2022, estabilização em 2024, e uma nova subida a partir de 2025."   

Despesa primária da União 
Em R$ bilhões constantes de 2022 (IPCA)


Fonte: FGV IBRE.

Tanto Braulio Borges quanto Manoel Pires, também pesquisador associado do FGV IBRE ressaltam que, apesar da grande importância, a reforma tributária não pode ser vista como ferramenta de ajuste fiscal que colabore para esse equilíbrio no curto prazo. A proposta de reforma dos tributos sobre o consumo, PEC 45, por exemplo, prevê um prazo de transição de 10 anos. No campo das renúncias tributárias, eles defendem que há muito o que fazer, e elogiam a escalação do governo nesse campo, indicando disposição de revisar benefícios e o planejamento tributário excessivo. Trata-se, entretanto, de um campo espinhoso – do qual faz parte, por exemplo a Zona Franca e os regimes Simples e MEI – em que mudanças precisam privilegiar maior justiça e eficiência da carga tributária do que exatamente elevação de receita.

Leia a Carta do IBRE na íntegra.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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