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Entrevistas 17 abr 2023
Um balanço dos 20 anos do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) e desafios futuros, por João Mario de França
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Postado por Conjuntura Econômica
João Mario de França, ex-diretor geral do Ipece
Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Dia 14 de abril o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), autarquia vinculada à Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão, completou 20 anos. Sua contribuição no desenho de políticas públicas do estado é destacada, tendo entre os exemplos mais conhecidos o apoio na elaboração da lei de partilha da cota parte do ICMS para os municípios baseada em resultados em educação, saúde e meio ambiente. Essa política colaborou para elevar o Ceará a referência nacional no campo do ensino fundamental. Nesta conversa, João Mario de França, que deixou a diretoria geral do Instituto no final de 2022, faz um balanço do papel do Ipece no desenho e avaliação de políticas públicas do estado e aponta os desafios futuros para o Instituto e o Ceará.
Como avalia o papel do Ipece para o desenvolvimento socioeconômico do Ceará?
Entendo que o Ipece tem duas funções básicas importantes para o desenvolvimento sustentável no estado do Ceará. A primeira é a parte de produção de estudos, pesquisas, e uma série de levantamento de dados – produção, coleta e monitoramento – nas áreas social e econômica, bem como sobre o perfil geográfico do estado do Ceará.
Na área social, o Ipece faz o levantamento de indicadores de pobreza, extrema pobreza, desigualdade, acesso à saúde e desempenho educacional. Na área econômica, talvez o mais conhecido seja o PIB trimestral. Hoje, somente oito ou nove estados brasileiros divulgam o PIB trimestral, permitindo obter informações preliminares do crescimento da economia, e o Ceará é um deles, pelo Ipece. Há também indicadores do mercado de trabalho, fiscal, da inflação, entre outros, além do levantamento do perfil geográfico do estado, que apoia estudos relacionados a questões de sustentabilidade ambiental e climáticas.
Essa é a parte do trabalho mais tradicional, que em geral o Ipece desenvolve desde sua fundação, em 2003. Mais recentemente, uma atividade que foi um marco da gestão de Flávio Ataliba (2011-18), e que pude avançar na minha gestão (2019-2022), foi a assessoria ao governo do estado nas políticas públicas. Acho que esse é o segundo grande braço de atuação do Ipece, que tem sido muito demandado por diversas secretarias – como saúde, educação, meio ambiente, planejamento, proteção social e desenvolvimento agrário. Quando estas pensam novas políticas públicas, contam com o apoio do Instituto para seu desenho, e a partir daí também para o trabalho de monitoramento e avaliação dessas políticas, atividade na qual o Ipece vem ganhando um papel importante. Ou seja, o Instituto atua tanto na produção de estudos e levantamentos de dados nas áreas social, econômica, geográfica, importantes para que qualquer política seja construída a partir de evidência; bem como na assessoria que vai desde a gestação à avaliação de políticas públicas.
Poderia dar um exemplo?
Sim. De 2017 para 2018, fizemos um levantamento de dados com base na PNADC, do IBGE, sobre pobreza infantil, em que identificamos que a extrema pobreza no Ceará era mais concentrada em famílias com crianças até 6 anos que vivem no meio rural. Foi a partir dessa evidência que o governo desenhou a política do Cartão Mais Infância Ceará, que é um complemento de renda, além do Bolsa Família, para esse perfil de famílias, com crianças até 6 anos em extrema vulnerabilidade. Hoje são 150 mil famílias beneficiadas por essa política pública, que partiu de uma evidência levantada pelo Instituto.
O trabalho do Ipece se dá em estreita relação com universidades. Como é feita essa integração?
Desde sua fundação o Instituto traz para os cargos de professores das universidades, principalmente ligados à área econômica. Essa relação estreita da direção com o meio acadêmico colabora na atração de pesquisadores das universidades, que são chamados a trabalhar no Ipece como bolsistas.
No campo da avaliação de políticas públicas – tema que hoje tem sido destacado também em nível federal –, o Ipece tem acumulado uma importante demanda, especialmente a partir de 2020, conforme nos contou há dois anos (Leia a íntegra). Como esse trabalho tem evoluído?
O Ipece criou o Centro de Análise de Dados e Avaliação de Políticas Públicas (CAPP) de 2018 para 2019, focado em três tipos de avaliação: propostas de projetos, avaliação executiva de programas em andamento e avaliação de impacto. Começamos nosso trabalho com os projetos, focando naqueles que são financiados pelo Fundo Estadual de Combate à Pobreza (Fecop), que gira em torno de R$ 550 milhões ao ano. Na época, o governador Camilo Santana (atual ministro da Educação) publicou um decreto obrigando que esses projetos só poderiam ser analisados pelo conselho do Fundo depois de uma avaliação pelo Ipece. Com isso, somente em 2020 o Ipece avaliou 70 projetos, por exemplo. Como é feita essa avaliação? O projeto ganha uma nota de 1 a 10, obtida a partir de uma série de requisitos que tratam não só questões ligadas ao projeto em si – como ter um bom desenho, diagnóstico correto, público-alvo bem definido, prever monitoramento e avaliação de impacto previsto –, como à sua interação com outras secretarias e instâncias de governo, sejam elas municipais ou em nível federal. O projeto que receber nota igual ou superior a 6 pode ser encaminhado para conselho do Fundo para ser avaliado. Se receber nota abaixo de 6, volta para a Secretaria, para que seja refeito.
No caso da avaliação executiva, de 2019 para cá somamos 18 avaliações olhando uma série de aspectos da política pública que já está rodando. E, no campo das avaliações de impacto, temos duas em andamento, ambas na área de educação. Elas têm alguma semelhança, pois estão ligadas à permanência de jovens em extrema vulnerabilidade na universidade, aos quais se oferece uma espécie de bolsa para que se mantenham enquanto não conseguem algum tipo de apoio da própria universidade. Estas avaliações tiveram início na virada de 2021/22, com previsão de serem concluídas este ano.
Este ano o FGV IBRE inaugurará um braço de atuação no Nordeste, com sede no Ceará. Como espera que esse centro possa colaborar com o trabalho do Ipece, levando em conta parcerias anteriores entre ambos os institutos?
A implantação do IBRE no Nordeste deverá ampliar esse potencial de parcerias, que já vem sendo bem importante, tanto com o Ipece quanto com o governo do estado como um todo. Um dos exemplos do que já realizamos é o desenvolvimento da matriz insumo-produto do estado, feita com Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do IBRE. Essa matriz serviu de apoio às decisões do governador no momento de flexibilizar as medidas de isolamento na pandemia, na identificação das atividades com maior potencial econômico, que foram abertas primeiro para promover uma recuperação mais efetiva da economia. Outro trabalho importante foi capitaneado por Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, para o cálculo da produtividade da economia cearense. Um fator importante nessas parcerias é que houve transferência de tecnologia. Algo diferente da contratação de um serviço que, para ser atualizado, depende de um novo contrato. Graças a esse compartilhamento da metodologia desenvolvida, por exemplo, produzimos um relatório trimestral sobre produtividade no estado, e os analistas da área econômica aplicam a matriz insumo-produto em diversos estudos. Então, além da parceria gerar os resultados esperados no momento da contratação, também gera resultados futuros através desse instrumental analítico que fica à disposição do Ipece, com o qual o Instituto consegue atender a outras demandas que constantemente chegam do governo.
Qual a próxima fronteira a ser conquistada pelo Ipece?
Hoje essa decisão está a cargo do professor Alfredo José Pessoa de Oliveira, que este ano assumiu a diretoria geral do Ipece. Nos meus quatro anos nesse cargo, investi na parte de avaliação de políticas públicas, queria dar passos à frente nessa agenda. A partir da avaliação feita, é preciso sistematizar um processo: definir o que vai acontecer com a política que não foi tão bem avaliada, se será revisada, se terá seu orçamento reduzido no próximo ano; se será substituída por outra. Na minha visão, ainda falta um sistema mais bem construído, envolvendo o estado como um todo. Nos últimos anos, o Ipece fez esse esforço no campo da avaliação. Agora, é preciso encorajar o governo, a Secretaria de Planejamento, para que essa agenda ganhe amplitude, para efetivamente melhorar a qualidade do gasto e tornar as políticas públicas mais eficientes, gerando impacto efetivo.
Sua avaliação de que saúde, tecnologia e energia renovável serão os grandes vetores de desenvolvimento do Ceará (saiba mais) continua vigente? De que o estado depende para que esse potencial seja concretizado?
Essa agenda era prioritária no governo passado, e vem sendo tocada na gestão atual. Claro que, mesmo com um novo governo na mesma linha que o anterior, há uma descontinuidade de equipes e um processo inicial de paralisia. Mas ainda continuo identificando no estado esse vetor de forte investimento direção nessas áreas. Na saúde, com a interiorização hospitais; um investimento forte em tecnologia digital, banda larga, de aumento da acessibilidade à internet especialmente no interior. E em energias renováveis, que têm ganhado visibilidade com a questão do hidrogênio verde, sendo o Ceará um dos estados que mais têm assinado memorandos de investimento nessa área (leia mais sobre esses investimentos).
Mas o Ceará também tem um grande desafio na área social. Então, ao mesmo tempo em que é preciso ter desenvolvimento econômico, também é preciso olhar o desenvolvimento social, pois às vezes essas duas coisas não ocorrem simultaneamente. Não é só com crescimento econômico potencializado por esses setores que imediatamente haverá uma melhoria na distribuição de renda, uma resolutividade mais forte no problema da extrema pobreza.
Lado a lado com esses investimentos na área econômica, com essa atração de um capital mais produtivo, mais eficiente, o Ceará precisa gerenciar cada vez mais e melhorar suas políticas sociais, para dar uma resposta à questão da pobreza, da extrema pobreza e da desigualdade. O Ceará tem melhorado muito nessa agenda, mas ainda há muito que avançar.
Em entrevista à Conjuntura Econômica, Flavio Ataliba, ex-diretor do Ipece, pesquisador associado do FGV IBRE, apontou que o segmento de energias renováveis e a expansão da infraestrutura são vetores importantes para dinamizar o PIB cearense. Concorda que o estado está diante dessa possibilidade?
Concordo. Diria que, além desses dois diferenciais – energias renováveis e infraestrutura, com forte investimento em logística como vemos no Porto de Pecém, por exemplo –, tem a questão da educação, que considero um importante diferencial para o Ceará e outros estados do Nordeste. As últimas avaliações do ensino fundamental mostram que estados do Nordeste têm se destacado. Ceará, Piauí, Pernambuco no ensino médio são exemplos de que os governadores da região começaram a perceber a importância da educação para a melhoria da qualidade de vida no médio e longo prazo, e que pode ser um mecanismo a mais na atração de empresas, com uma mão de obra mais qualificada. Também somo nessa lista o fator sustentabilidade fiscal. Há muitos anos o Ceará vem se mantendo com bom nível de solvência, não há qualquer risco de insustentabilidade das contas públicas, e isso tem se tornado uma marca do estado que amplia seu potencial de atração de investimentos. Isso permite com que o Ceará cumpra suas regras, contratos, e o que promete em termos de infraestrutura logística para viabilizar os investimentos.
Veja, à medida que esses fatores se tornarem cada vez mais visíveis, um estado passa a não depender tanto de benefício fiscais para atração de indústrias. A maioria dos estados do Nordeste ainda usam esse mecanismo de redução do ICMS, que notamos que cada vez mais vem se esgotando. Se o Ceará investir nessas políticas de atração que não passam por benefício fiscal – potencializando a infraestrutura, a logística, o capital humano, o equilíbrio fiscal, o respeito aos contratos – ele tem potencial de, no médio/longo prazo, sair dessa estagnação de PIB. Além disso, essas indústrias que estão se voltando ao Ceará – na área de energias renováveis, saúde, tecnologia –são altamente produtivas. Isso pode promover um salto de produtividade da economia cearense.
Levantamento do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) indica que na década encerrada em 2022 os alunos cearenses conquistaram 36,7% das vagas desse que é considerado um dos vestibulares mais difíceis do país. Como reter essa mão de obra qualificada no Ceará?
Essa discussão é recorrente no estado, e minha opinião sobre o tema não é necessariamente majoritária. Considero que não devemos buscar mecanismos artificiais para reter mão de obra qualificada. Se hoje você oferece uma bolsa, quando aparecer algo melhor em outro estado, esse profissional migrará para lá. Só se consegue reter esse profissional de fato com indústria, com mercado. Então, as políticas a serem promovidas são as que façam com que o estado cresça. E isso não acontece atraindo qualquer indústria. É preciso buscar aquelas mais produtivas, que possam demandar profissionais altamente qualificados, que os remunere bem. Esses profissionais buscam bons salários, bem como network. Eles não querem ser o único engenheiro ou físico qualificado do estado, eles querem interagir. E, como disse, para atrair essas indústrias, o melhor é que não seja via incentivo fiscal, que tem vida curta. Especialmente com a reforma tributária tramitando no Congresso, esse mecanismo tem data e hora para acabar. É mais acertado adotar políticas horizontais, voltadas à infraestrutura, a melhorar a qualidade do capital humano, para atrair empresas com esse potencial. Quando se consegue trocar incentivos fiscais por essas vantagens, todo mundo ganha.
NÃO PERCA: Amanhã (18/4), a partir das 10h, Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, Braulio Borges, pesquisador associado do FGV IBRE, e Fernanda Delgado, diretora executiva corporativa do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) debaterão os impactos econômicos da transição energética. Esse webinar é promovido pelo FGV IBRE em parceria com a Folha de S. Paulo, com moderação de Fernando Canzian, repórter especial da Folha. Inscreva-se.
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