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Entrevistas 07 fev 2023
“Precisamos de celeridade na regulamentação para produzir hidrogênio verde no Brasil”
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Postado por Conjuntura Econômica
Maia Júnior, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Ceará
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Em janeiro, o Ceará lançou oficialmente a primeira molécula de hidrogênio verde (H2V) produzida na América Latina, pela empresa EDP Brasil, usando energia solar, com previsão de início de operação comercial em 2026. Como foi o processo de atração desse investimento ao Ceará, quando era secretário de Desenvolvimento Econômico?
Há 20 anos, quando era secretário de Infraestrutura, tivemos a oportunidade de protagonizar projetos de energia eólica e solar, aproveitando o potencial do estado, que nos proporcionou a base para esse trabalho. Há três anos, tive contato com um grupo liderado por Daniel Lopes – formado pela Universidade Federal do Ceará, então doutorando da Unicamp –, que tinha um projeto de desenvolvimento incubado na empresa Hytron (criada por Lopes e outros pesquisadores, é provedora do equipamento de eletrólise usado pela EDP) , e vinha com uma proposta de fabricação de querosene verde de aviação. A partir desse contato, montamos um grupo de estudos sobre hidrogênio verde, ao qual incorporamos a Federação das Indústrias (Fiec), a Universidade Federal do Ceará (UFC).
Foi a partir daí que desenvolvemos o projeto do hub de hidrogênio verde do Ceará, reconhecendo as condições que o estado tinha para ser um grande produtor de H2V. Quais são? Além do amplo potencial para produção de energias limpas, onshore e offshore – o estado é o segundo em número de projetos de instalações eólicas offshore em licenciamento no Ibama –, contamos uma localização estratégica em relação a mercados como o europeu. Temos um porto competitivo, de Pecém, do qual o Porto de Roterdã (Holanda) detém 30% da operação. Essa parceria é muito positiva, posto que o Porto de Roterdã é um dos principais pontos de entrada àquele continente, com estruturação de gasodutos para o interior da Europa, e está apoiando o hub cearense. Também contamos com uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE), o que garante uma exportação a taxa zero, equacionando a questão tributária. E já temos contratado um road map, do qual constarão todas as providências que temos que tomar para estruturar de fato o hub do Ceará, que está para ser lançado. Vale também destacar que os projetos de H2V do Ceará e do Chile são os primeiros a serem apoiados pelo Banco Mundial na América Latina.
Quais as perspectivas para atração de investimentos a partir dessas iniciativas coordenadas até o ano passado?
Além desse projeto-piloto, até agora há 24 memorandos de entendimento assinados. Entre eles, alguns estão mais evoluídos, como o com a mineradora australiana Fortescue, e da brasileira Casa dos Ventos com a Comerc Eficiência – que assinaram pré-contrato com o Complexo Portuário do Pecém para instalação de unidade fabril de hidrogênio e amônia, com primeira fase de operação prevista para 2026.
Um dos pontos que estão em aberto no mundo é o de certificação, para garantir a chancela do tipo de produto que será ofertado ao mercado. Mas, no âmbito doméstico, temos que avançar na regulamentação, criando as regras de como as diversas empresas, nacionais e estrangeiras, poderão atuar nesse mercado. O governo precisa avançar com o Programa Nacional do Hidrogênio, assim como definir as regras do jogo, de como produtores de qualquer país do mundo poderá vir ao Brasil explorar a produção de hidrogênio para exportação. Também é preciso celeridade na regulamentação da geração eólica offshore. Parte dessa regulamentação saiu em novembro passado, mas ainda falta a definição do modelo de leilões dos blocos onde serão produzidas essa energia, ou seja, das fatias de mar continental que serão cedidas as empresas e como isso se dará. Isso feito, o Brasil terá um potencial de produção de energia limpa muito grande, especialmente explorando esse novo mercado do H2V. O que, de certa forma, também levará à necessidade de definições sobre descarbonização no campo doméstico: até quando vamos permitir siderúrgicas a carvão? Quais metas teremos para os automóveis? Além de exportar energia limpa, colaborando para a descarbonização no mundo, também teremos que estabelecer prazo para essas transformações no país, pois é assim que se cria mercado. É assim que está acontecendo na Europa. A partir de 2035, não serão mais vendidos carros a combustão na Europa e a indústria está se preparando para isso.
Veja, é preciso entender que temos uma virada importante à frente e, quem se antecipar, aproveitará melhor essa oportunidade. Se o Brasil resolver regulamentar esse setor depois que o mundo inteiro começar a produzir H2V, haverá pressão pela regulamentação brasileira por outros motivos: para que eles vendam para a gente. Com 8,5 mil km de litoral para produzir energia limpa e hidrogênio, temos condições de nos tornarmos o maior produtor de energia limpa do planeta. Isso poderá ser especialmente importante para a região Nordeste, com oportunidades de movimentar a economia e reduzir seu empobrecimento. Aqui, no Ceará, buscamos aproveitara esse momento criando condições através de boas gestões, atenção à formação de capital humano, a criação da ZPE. O que precisamos agora é estruturar uma política com coordenação do governo central para evitar uma guerra entre estados e explorar o potencial dos mais competitivos.
Quais as perspectivas de adensamento produtivo que vislumbra para a economia cearense a partir do desenvolvimento dessa nova indústria?
Há possibilidades gigantescas, pois se movimentam muitas cadeias de produção de bens e serviços. Essa possibilidade de produzir e estocar energia para uso ou exportação é algo novo que envolve toda uma cadeia de engenharia, bens, equipamentos, a cadeia de transportes. Gera demanda por construção e operação, cria mercado de trabalho e de consumo. Somente para a eólica offshore, por exemplo, há uma demanda importante para a indústria siderúrgica para a fabricação de torres que serão instaladas em alto-mar, em profundidades superiores a 20 metros mais 150 metros de altura – além de aerogeradores, pás, entre outros componentes. Haverá demanda por água para a quebra da molécula de hidrogênio, movimentando atividades de reuso e dessalinização. Vai de potentes equipamentos de eletrólise à parte logística, com o envio de H2V e amônia seja ao mercado externo, seja a outras regiões do país, por cabotagem. Isso demandará muita produção e tecnologia, que o país poderá desenvolver.
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