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Postado por Conjuntura Econômica
Com a pandemia sumindo e anabolizantes, economia reage
Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro
Houve uma significativa melhora da economia no primeiro semestre. O PIB cresceu 1,2% no segundo trimestre, segundo mostra o IBGE, com a atividade econômica se recuperando do tombo que durou toda a pandemia. Com isso, os seis primeiros meses do ano fecham com uma expansão de 2,5% da atividade econômica – o IBGE revisou o crescimento do primeiro trimestre de 1% para 1,1% -, 3% acima do nível pré-pandemia, do último trimestre de 2019, quando a economia brasileira havia crescido modestos 1,2%.
O resultado do segundo trimestre ficou acima das previsões de mercado, que indicavam algo ao redor de 0,9%.
Com o quase fim da pandemia, o represamento das atividades que perdurou até final do ano passado deixou de existir. As pessoas passaram a se locomover como antes, ir a restaurantes, bares, shows, cabelereiros. A mobilidade se expandiu e, com isso, o setor de serviços, que pesa algo ao redor de 70% nos resultados, cresceu 1,3%, puxado pelos transportes, com 3%, outras atividades de serviços, com 3,3% e informação e comunicação, com 2,9%. Isso levou a uma expansão de 2,6% no consumo das famílias, embora o consumo do governo tenha recuado 0,9%.
Outro resultado que estava meio fora do radar foi o do crescimento da indústria, com 2,2%, o mais alto desde o terceiro trimestre de 2020 quando havia crescido 14,7%. Também houve recuperação da agropecuária que cresceu 0,5%, depois da queda de 0,9% do trimestre anterior.
Ou seja: houve uma melhora quase generalizada em vários pontos que compõem o PIB, como os investimentos, medidos pela Formação Bruta de Capital Fixo, crescendo 4,8% no segundo trimestre deste ano.
E esse otimismo com a economia este ano, turbinado pelo aumento dos valores do Auxílio Brasil, antigo Bolsa Família, antecipações do 13° salário aos aposentados e beneficiários do INSS, saques do FGTS, auxílio-gás, auxílio para taxistas e caminhoneiros, vem se refletindo em alguns indicadores, embora o endividamento das famílias esteja em níveis recordes. Os últimos dados da PNAD mostram que a renda do trabalhador, depois de um longa sequência de queda, voltou a ter uma recuperação em julho.
Veja: Dívidas sobem, renda cai.
Um dos termômetros que injetam otimismo sobre o que vem à frente este ano é o do Índice de Confiança Empresarial (IE) do FGV IBRE, que subiu em agosto.
“Com a alta em agosto, a confiança empresarial retoma a trajetória ascendente iniciada em março passado. Pela primeira vez desde o início da pandemia, o nível da confiança dos quatro grandes setores acompanhados se aproxima, sinalizando uma saudável normalização das atividades após uma crise que afetou de forma bastante heterogênea os diferentes segmentos econômicos. A melhora das expectativas no mês não chegou a compensar a piora do mês anterior. Com isso, o IE se mantém abaixo dos 100 pontos, com otimismo no horizonte de três meses e pessimismo seis meses à frente”, avalia Aloisio Campelo Jr., Superintendente de Estatísticas do FGV IBRE.
Confiança melhora
(Índice de confiança com ajuste sazonal)
*Índices de Confiança, Situação atual e Expectativas Empresarial – agregação dos respectivos índices dos setores de Serviços, Indústria, Construção e Comércio, por pesos econômicos. Fonte: FGV IBRE.
Outro dado que tem colaborado para as perspectivas de uma economia ainda em patamares positivos neste segundo semestre, embora não haja consenso sobre isso entre muitos economistas, é a taxa de desemprego, que recuou para 9,1% no trimestre encerrado em julho, o menor índice da série desde o trimestre encerrado em dezembro de 2015, quando também bateu 9,1%. Mesmo assim, ainda há 9,9 milhões de desempregados, isso sem contar quem deixou de procurar emprego ou os que estão há mais de dois anos fora do mercado de trabalho, com quase nenhuma chance de retornar.
Pelos dados que o IBGE divulgou essa semana, a população ocupada chegou a 98,7 milhões de pessoas, o maior nível da série histórica da pesquisa, em 2012. Mas, como tem alertado os pesquisadores do FGV IBRE que estudam o mercado de trabalho, renda e produtividade no país – ver Observatório da Produtividade Regis Bonelli –, há muita fragilidade no mercado de trabalho brasileiro: o número de trabalhadores informais foi o maior da série, ficando em 39,3 milhões, 559 mil a mais que no trimestre encerrado em abril. Já a taxa de informalidade ficou em 39,8% da população ocupada.
Desemprego cai
(Índice no trimestre)
Fonte: IBGE.
Mas a informalidade aumenta
(Em milhares de pessoas)
Fonte: IBGE.
Mas a grande questão que a maioria dos economistas vem sinalizando é 2023. Os próprios dados da Sondagem Empresarial mostram um pessimismo empresarial em relação aos próximos seis meses, com o índice ficando abaixo dos 100 pontos, embora tenha melhorado um pouco em relação a julho, passando de 97,6 pontos para 99,1 pontos. (Ver Sondagem Empresarial do FGV IBRE). O próximo governo vai herdar um quadro bastante difícil, com uma situação fiscal preocupante pelos gastos deste ano. Será complicado arrumar dinheiro para manter o Auxílio Brasil em R$ 600,00 – o governo enviou proposta para aprovação do Congresso de um valor de R$ 405 –, e a proposta de salário-mínimo enviada ao Congresso não contempla reajuste real pelo quarto ano consecutivo. Há mais de 33 milhões de pessoas passando fome. A inflação, embora tenha virado deflação nos dois últimos meses, forçada pela queda nos preços dos combustíveis, ainda se mantém elevada no que mais pesa no bolso dos mais pobres: a alimentação. Fazer ajustes é necessário, mas o cobertor é curto.
Alguns pontos que podem dificultar uma recuperação no ano que vem:
• Fim das benesses concedidas pelo governo que ajudaram a turbinar o consumo.
• Manutenção de juros elevados, o que encarece o crédito, dificulta o consumo das famílias e os investimentos.
• Alta taxa de endividamento das famílias e aumento da fome e da pobreza.
• Pouco espaço, ou quase nenhum, nas contas públicas para estimular a economia através do aumento de gastos. Embora as contas do governo tenham melhorado este ano, em boa parte ajudada pela inflação, as previsões para o próximo 2023 não são animadoras.
Não esqueça: Embora prevaleça a agenda social, é preciso sinalizar com o equilíbrio fiscal.
• A projeção de um menor crescimento da economia mundial pode ter impactos por aqui. O FMI reviu o crescimento do PIB global de 3,6% para 2,9% no ano que vem.
Mas gostaria de recuar um pouquinho no tempo. Se voltarmos ao final do ano passado, as previsões para este ano eram, no mínimo, muito ruins. O primeiro trimestre poderia ter algum avanço, mas o ritmo diminuiria no trimestre seguinte. O que não aconteceu. Para o terceiro trimestre, haveria uma estagnação, que pode não acontecer. E as previsões eram do início de uma recessão nos três últimos meses do ano, o que parece que está ficando cada vez mais distante. Ou seja: quase ninguém acertou. E já parece favas contadas que a economia brasileira poderá crescer cerca de 2,5% este ano, o melhor resultado desde 2014.
Será que o desarranjo que a pandemia trouxe nas cadeias produtivas no mundo, e que ainda não foi devidamente compreendida, está levando a esmagadora maioria das pessoas a errar as previsões?
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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.