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Postado por Conjuntura Econômica
Voo cego, de galinha ou sustentável?
Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro
Se olharmos os números do PIB de 2022 a 2024, usando uma estimativa para este último ano, ele cresceu a uma taxa média da ordem de 3%. A sensação que fica é de que o País encontrou o caminho do crescimento. Alguns exemplos: no segundo trimestre houve um crescimento de 1,4% em relação ao primeiro trimestre, bem acima das previsões; a taxa de desemprego ficou em 6,9% no segundo trimestre deste ano, o menor nível para o período nos últimos dez anos. A renda do trabalho, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cresceu 11,7% em 2023, a maior alta desde o Plano Real. No segundo trimestre, a renda aumentou 5,7% em relação a igual período de 2023. Em agosto, tivemos deflação, ou seja, queda de preços de 0,02%, a primeira do ano, segundo o IBGE, que calcula a inflação oficial do país através do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Quem puxou a queda foi o grupo Alimentação e Bebidas, junto com Habitação. A inflação, embora teime em não chegar à meta, não desgarrou, apesar de vários sinais de que está fortemente pressionada.
(Há previsões de aumento de pressão nos preços dos alimentos em função das queimadas que assolam quase todo o país, destruindo plantações, matando gado, dificultando o escoamento de produtos, aumentando os preços dos fretes, além de prejudicar o plantio da soja e do feijão. Matéria do Valor Econômico do dia 11/9 mostra que as indústrias da Zona Franca de Manaus estão tentando antecipar a entrega de produtos ao comércio para driblar a seca, já que os fretes podem subir, e muito, dependendo da extensão da estiagem – já há notícias de que o frete por contêiner passou de US$ 900 em média, para US$ 3,1 mil.
Também os preços dos aluguéis, medidos pelo Índice de Variação dos Aluguéis Residenciais (IVAR) do FGV IBRE, subiram 1,93% em agosto, acumulando uma alta de 9,97% nos últimos doze meses. Há preocupações com possíveis impactos de aumentos da energia elétrica devido à seca.)
O ministro Fernando Haddad declarou se preocupar “um pouquinho” com uma alta da inflação provocada pela seca. Também já se fala na volta do horário de verão, como forma de evitar problemas no abastecimento de energia. Já foram ampliadas autorizações para funcionamento de mais usinas térmicas a gás e a seca já levou a mudança de bandeira nas contas de energia.
Pelo menos até o segundo trimestre, a economia ficou mais robusta. Mas a pergunta que fica é se isso se manterá. Se é sustentável. E quais os obstáculos que podem jogar um balde de água fria nas expectativas de que, finalmente, estamos no caminho certo? Há muitos problemas. Mas vou citar três: a questão fiscal, onde não se consegue reduzir os gastos; o fantasma de uma possível alta nos juros na próxima reunião do COPOM nos dias 17 e 18 deste mês, e os juros reais que continuam na estratosfera.
E de que forma se deve monitorar a inflação? Nelson Marconi, professor da FGV EAESP, coloca um pouco de gasolina na fogueira ao defender, em seu artigo na revista Conjuntura Econômica deste mês, que será muito difícil levar a inflação à meta atual sem que o governo lance mão de outros instrumentos de controle inflacionário além da taxa de juros, ou seja, pela política monetária, e do controle fiscal, porque “não são apenas fatores associados à demanda que pressionam os preços, principalmente em relação aos bens e serviços não comercializáveis e monitorados”. Para Marconi, é limitada a eficácia da política monetária no controle da inflação brasileira, dada as características de nossa economia e o comportamento dos preços.
“Pensar em outras alternativas para ainda assim reduzir a inflação, como melhorar a oferta de alguns serviços essenciais, e quebrar a indexação de diversos preços, incluindo salários, além de estimular a produtividade, deveriam ser objetivos centrais para os gestores da política econômica no cenário atual da economia brasileira”, comenta.
Mas voltando aos gastos públicos, é importante fazer um alerta. Quando se fala em aumento de gastos, lembro que estudo do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste que o FGV IBRE implanta em Fortaleza, no Ceará, mostra que a participação do trabalho na renda caiu de 75,3%, em 2021, para 74,2%, em 2023. Já a renda vinda de programas sociais passou de 2,6% para 3,7%, no mesmo período. No Nordeste, esse percentual subiu de 6,8% para 9,7%. O que mostra um dos muitos braços de um preocupante desequilíbrio estrutural em nossa economia.
Outra expansão preocupante, umbilicalmente ligada aos gastos públicos, é a do número de funcionários públicos, que bateu recorde no trimestre encerrado em julho: foram 12,695 milhões de pessoas. Grande parte disso foi puxada pelos municípios, onde o número de servidores cresceu 8,3% sobre o primeiro trimestre deste ano. As eleições municipais e a melhora da situação fiscal das cidades entre 2022 e 2023 explicam boa parte disso, conforme levantamento do economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores, publicado na edição de ontem (12/9), no Valor Econômico.
Segundo Bráulio Borges, pesquisador do FGV IBRE e da LCA, citado na matéria, “nos municípios as despesas com a remuneração dos servidores passou de menos 3,5% em 2010 para pouco mais de 4,3% no ano passado”.
Se o retrato é bom pelos números do IBGE ao medir o PIB, o filme pode não ter um final tão feliz assim, embora a torcida de todos é de que continuemos crescendo e resolvendo os vários problemas estruturais de nossa economia.
Veja: O que ocorre com o PIB.
Economia cresceu. Questões estruturais persistem.
O crescimento de 1,4% no PIB do segundo trimestre, como sabemos, foi puxado pela demanda, com significativos aumentos no consumo das famílias e do governo. O que para a maioria dos economistas ortodoxos não se sustenta.
Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro FGV IBRE, reitera que houve uma melhora no crescimento potencial do País se for considerado o período da grande recessão (2014/2016). No período, a taxa de investimento caiu para 15% e a produtividade contraiu fortemente.
Hoje, o conjunto de reformas, como a da Previdência, Trabalhista, mudança da TJLP pela TLP pelos bancos públicos, que contribuíram para o crescimento do crédito privado e mercado de capitais, entre outras, elevaram o crescimento potencial da economia brasileira. Temos uma taxa de investimento maior, mas ainda baixa, e melhora na produtividade, que também ainda deixa a desejar.
Tudo isso leva a uma estimativa do potencial de crescimento da economia da ordem de 2%, mas abaixo do ritmo de crescimento atual do PIB.
“Seria melhor ter um PIB menor, sem que tenhamos a necessidade de se aumentar juros. Estamos estimulando a economia pelo lado da demanda, dos gastos públicos, o que não é um bom sinal”, diz Matos.
Armando Castelar, pesquisador do FGV IBRE, também credita às reformas parte do crescimento observado, aumentando o potencial do PIB, fazendo com que o País crescesse sem exigir uma política monetária contracionista. Os modelos utilizados para projeções, talvez, não estejam captando esses efeitos, o que explicaria os erros de previsões dos analistas.
Mas ele cita em matéria publicada no O Estado de S. Paulo um exemplo: nos últimos 24 anos (2000-23), o crescimento previsto do PIB pelos analistas ficou abaixo do real em apenas 11 anos. Ou seja, na média houve um acerto para um erro. Castelar enfatiza que o País, com a série de problemas estruturais que carrega, não está preparado para manter taxas de crescimento sustentáveis. Para ele, o crescimento tem fôlego curto, já que há necessidade de ampliar os investimentos e resolver a questão fiscal.
Ainda está longe a conclusão de que o País está preparado para manter esse ritmo e perfil de crescimento observado nos três últimos anos, acredita.
Samuel Pessôa, em sua coluna Ponto de Vista publicada na edição de setembro da Conjuntura Econômica, faz parte do grupo que acredita que uma hora a conta vai chegar, já que puxar o crescimento liderado pela demanda até o limite da capacidade produtiva da economia traz desequilíbrios que vão se avolumando. O que levará a um forte ajuste econômico em algum momento. Só que ninguém sabe quando isso poderá ocorrer.
Para Pessôa “não conseguimos aprender que a estabilidade da economia com a máxima suavização do ciclo econômico é um dos fatores mais importantes para gerar previsibilidade e estímulo ao investimento a longo prazo”.
Segundo sua avaliação, na gestão anterior do PT, o mesmo fato se observou. E a justificativa para isso, para Pessôa, “é que quem tem fome tem pressa”. A frase é bonita. Cunhada pelo grande brasileiro Betinho. No entanto, em se tratando da América Latina e do seu populismo congênito, não parece ser uma boa diretriz para a política econômica”.
Populismo que também já havia sido abordado por Roberto Castello Branco, ex-presidente da Vale e da Petrobras, em entrevista à Conjuntura Econômica de agosto.
“Infelizmente, as reformas no Brasil são diluídas pelo populismo, pela vontade de agradar grupos de interesse. Tome como exemplo o caso da reforma da Previdência de 2019. Conforme calculado por economistas, metade do efeito dessa reforma foi engolida pela nova política do salário mínimo”.
Outro ponto destacado por Castello Branco foi o aumento dos gastos públicos como forma de turbinar o PIB, como vem ocorrendo, o que é “uma ilusão de curto prazo. O crescimento aumenta um ano, dois. Depois temos as repercussões negativas dessa política, com aumento da taxa de juros, desestímulo ao investimento privado, menor produtividade (a nossa engatinha como mostra o Observatório da Produtividade Regis Bonelli), e esse ganho de curto prazo não compensa. Já experimentamos isso. É algo que se repete em vários países”.
Relembre: Reformas diluídas pelo populismo.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.