Sondagem do FGV IBRE joga novas luzes sobre o emprego por conta própria no Brasil

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A segunda divulgação da Sondagem do Mercado de Trabalho – estatística do FGV IBRE lançada no final de 2022 –, traz novos dados que ajudam a compreender o perfil do trabalho por conta própria no Brasil. Com o aumento desse tipo de ocupação dentro do mercado brasileiro, representando atualmente ¼ da população que trabalha, amplia-se a importância de se aprofundar o conhecimento sobre essa evolução.

Da coleta realizada em dezembro, a Sondagem levantou que 33,5% dos entrevistados entre os conta-própria sempre trabalharam sob esse arranjo, percentual que se amplia no caso das mulheres (37,8%) e dos trabalhadores com remuneração superior a 2 salários-mínimos (46,7%). Entre os motivos que levaram esse grupo a buscar uma fonte de renda como conta própria, o mais citado é ter pedido o emprego (32,1%). Analisado por faixa de renda, esse percentual é maior entre os trabalhadores com até 2 salários-mínimos (37,5%), que também citam com mais frequência a necessidade de um adicional de renda – 15,8%, contra 8,1% entre os que ganham mais de 2 salários. 

O segundo fator mais indicado pelos entrevistados foi a busca por independência. Entre os trabalhadores com rendimento acima de dois salários, esse motivo registrou 34,5% de citações, ao que se somou a referência de ter flexibilidade de horário (20,4%). Fernando Veloso, coordenador do Observatório de Produtividade Regis Bonelli, ressalta que a busca por independência também é significativa entre trabalhadores com até 2 salários, o que poderia sinalizar que a tendência crescente do trabalho por conta própria não se trata apenas de precarização do mercado de trabalho, mas também é reflexo de uma mudança estrutural desse universo laboral. “Estamos diante de um quadro heterogêneo, e essa é a riqueza da pesquisa” afirma.

Outra tendência que emerge do relatório é a da preocupação dos trabalhadores em geral por políticas de proteção. Na coleta de informações de novembro, a Sondagem investigou quais os principais riscos que os entrevistados temiam no horizonte de três anos. O item mais citado (por 58,9% dos respondentes no geral) foi ficar doente ou incapacitado. Tal liderança aconteceu em ambas as faixas de renda, com percentuais semelhantes. Para Veloso, esse item se relaciona estreitamente com outra demanda captada na edição anterior da Sondagem, que apontou que 70% dos trabalhadores por conta-própria preferiam um trabalho com carteira assinada. Entre as justificativas para essa resposta, uma das mais citadas (por 31,4% dos respondentes) foi o desejo de ter acesso a benefícios. Ou seja, é possível que, com acesso a um seguro-desemprego, por exemplo, esse conta-própria não valorizasse tanto  o regime CLT. “Certamente para 2023 temos uma discussão contratada sobre modelos de proteção social para esses novos arranjos de trabalho relacionados aos conta-própria. É um grupo diverso, será difícil encontrar uma só forma ideal de proteção para todos”, diz, indicando que será preciso um extenso debate para se encontrar soluções. Ao qual os próprios atores do mercado da economia digital, como Uber e Ifood, já tem contribuído (leia mais). O primeiro motivo mais citado pelos entrevistados como motivador da preferência por um posto com carteira assinada foi a garantia de um rendimento fixo (33,1%), que conversa diretamente com outros dois motivos mais citados como risco futuro, que são dificuldade para cobrir todas as despesas (47,9% no agregado) e perder a principal fonte de renda (39,2%).

Você sempre trabalhou por conta própria?

 

Como trabalhava antes?

 

Por qual razão trabalha por conta própria?


Fonte: FGV IBRE – dez/22.

Viviane Seda Bitencourt, do FGV IBRE, ressalta diferenças regionais e de gênero encontradas na pesquisa. Por exemplo, a maior incidência de trabalhadores por conta própria no Norte e Nordeste – “dos quais mais de 50% afirmaram nunca ter trabalhado sob outro arranjo”, lembrando que nessas regiões é que se encontra o menor nível de empregados formais. No caso das mulheres, ela destaca o fato dessas serem maioria entre os trabalhadores que nunca tiveram outro ripo de vínculo, ressaltarem a importância da flexibilidade de horário promovida pelo trabalho por conta própria, e serem as mais preocupadas em ter dinheiro suficiente para honrar as despesas, cuidar de familiares e com crime e violência. “Por mais que sejam resultados esperados, é importante buscar uma caracterização dessa realidade”, diz.   

Olhando para os próximos 3 anos, quais itens você considera o maior risco para você ou sua família?


Fonte: FGV IBRE.

Apesar da melhora acima das expectativas observada no mercado de trabalho em 2022, o que inclui a criação de vagas com carteira assinada,  Veloso lembra que a desaceleração econômica esperada para 2023 tende a se refletir no mercado de trabalho e, com isso, não alterar significativamente a participação do trabalho por conta-própria no total. Viviane, que coordena o Índice de Confiança do Consumidor ressalta que as preocupações com o mercado de trabalho já se refletem nos resultados desse índice, que em janeiro registrou queda de 2,2 pontos no agregado, chegando a 85,8 pontos, puxada especialmente pela piora quanto à percepção sobre o futuro de curto prazo. “A perspectiva sobre o emprego nas faixas de renda mais alta vem caindo, diante de um panorama econômico de difícil mudança no curto prazo”, diz. Viviane ressalta que, entre as famílias de mais baixa renda ainda há melhora das expectativas, que de acordo à economista pode estar vinculada ao otimismo quanto ao novo governo. “De novembro de 2022 a janeiro, o índice de expectativas da faixa mais baixa de renda subiu de 88,6 para 108,4 pontos. É um salto que deve estar mais vinculado à confiança de uma política social / assistencial mais intensa, que lhes garanta maior proteção”, diz.

A divulgação da Sondagem do Mercado de Trabalho ouviu 2 mil pessoas em todo o país, e o resultado divulgado tratou de quesitos especiais aplicados nos meses de novembro e dezembro. A partir de agora, a divulgação dos resultados passa a ser trimestral, com a próxima divulgação marcada para abril.

Evolução expectativa dos consumidores: baixa renda mais otimista com o futuro


Fonte: FGV IBRE.

Leia a íntegra do relatório divulgado hoje.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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