“Regra que limita gastos públicos deveria diferenciar despesas, privilegiando as que geram maior dinamismo econômico”

Venilton Tadini, presidente-executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib)

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Análise da Abdib divulgada no final de 2020 aponta que as novas concessões previstas pelo governo vão acrescentar, em média, menos de R$ 15 bilhões de investimentos anuais até 2025 no setor de transporte e logística, quando seriam necessários em torno de R$ 150 bilhões. Quais áreas seriam as menos beneficiadas? Em linhas gerais, o que falta fazer para ampliar esse investimento?

O investimento realizado na infraestrutura brasileira somou R$ 123 bilhões em 2020, um volume 30% menor em relação ao pico registrado em 2014, quando foram aplicados R$ 180 bilhões no setor, em números atualizados. O Brasil precisa de R$ 284 bilhões de investimentos por ano, o que corresponde a 4,3% do PIB, a números de 2019, ao longo de dez anos ininterruptos, para reduzir gargalos existentes. Lacuna de tal magnitude precisa ser reduzida para que a infraestrutura seja de fato uma alavanca para o crescimento e redução do custo Brasil, e só poderá ser preenchida por uma combinação de investimentos públicos e privados.

De um lado, o do setor privado, os leilões realizados recentemente são sinais positivos. Tivemos projetos bem estruturados e disputados, mostrando o apetite do investidor em plena pandemia. Precisamos continuar apostando na atração de investimentos privados por meio de concessões, com racionalização de prioridades e com bons estudos de viabilidade, como tem sido feito, além de acelerar avanços regulatórios e reduzir a insegurança jurídica. De outro lado, o do setor público, precisamos encontrar espaço no orçamento para aumentar o investimento público, que é fundamental em áreas onde o capital privado não está e nem estará presente. Nesse sentido, é importante destacar que chegamos a um nível de investimento do governo federal extremamente reduzido, de somente 0,3% do PIB. Um exemplo é a manutenção e a melhoria de parte da malha rodoviária pavimentada federal que ainda não foi transferida para o setor privado. Mesmo que a participação privada continue pujante e crescente na infraestrutura brasileira, ainda haverá enorme segmento desta infraestrutura que permanecerá com o Estado, que terá de realizar investimentos para manutenção e melhorias. Aqui, novamente, é necessário também que os investimentos tenham racionalidade e eficiência na sua execução, e que os órgãos de controle permaneçam atentos. Há um esforço enorme e louvável para direcionar emendas parlamentares para investimentos, sobretudo para finalizar obras essenciais para a matriz de transportes e logísticas. Há também esforço para reinvestir no próprio setor os recursos obtidos como pagamento de outorgas. Outra saída está no Congresso Nacional, onde repousa um projeto de lei que esclarece regras para securitização de dívida tributária, com enorme potencial para viabilizar dezenas de bilhões de reais de forma recorrente. Estes recursos podem ser direcionados para investimentos públicos diretos e também para fundos ou contas que servem para garantir as obrigações do Estado em parcerias público-privadas – neste caso, no âmbito estadual, por exemplo.

Considera que os leilões promovidos em abril e os vindouros – em particular, o da Cedae – seguem por um bom caminho?

Os leilões de concessão já realizados em abril – e os próximos que estão programados para 2021 – estão, sim, no caminho certo. Há consenso no setor privado que os estudos e os projetos têm sido estruturados com boa qualidade, e a governança entre os órgãos púbicos está afinada. Esse cenário melhorou muito nos últimos cinco anos, com a criação do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), a atuação da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), a reformulação de agências reguladoras como a ANTT e o fortalecimento do Ministério da Infraestrutura. Há apetite dos investidores e há empresas bastante qualificadas se sagrando vencedoras. Os resultados e a quantidade de participantes nos projetos de transportes e logística comprovam que o caminho está correto. No caso da Cedae, como em outros projetos já leiloados ou em fase de licitação, há a participação do BNDES na função de “fábrica de projeto”. Este é um projeto emblemático, dada a dimensão dos investimentos e dos impactos esperados. Atualmente, no Estado do Rio de Janeiro, 88% da população têm acesso ao abastecimen­to de água – mesmo que intermitente – e 37% têm esgotos coletados. O leilão de concessão do saneamento básico envolve 35 cidades e vai gerar um impacto positivo enorme. Serão R$ 31 bilhões de investimentos ao longo do contrato, a maior parte nos primeiros 12 anos, para universalizar até 2033 a prestação do serviço. O governo estadual receberá elevado valor de outorga e estão previstos 400 mil empregos durante a execução dos investimentos. Há grande preocupação social, a tarifa não poderá ser reajusta acima da inflação, e até 5% das casas poderão ter tarifa social – hoje, são 0,5%. A Baía de Guanabara deixará de receber esgoto de 8 milhões de pessoas. Os investimentos vão causar impacto de R$ 46,8 bilhões na economia, e os cofres públicos vão receber R$ 1,4 bilhão em tributos. É um grande projeto, desenhado com qualidade, para mudar a história do Rio de Janeiro com um choque de investimento privado importante.

Passamos por um debate fiscal delicado – vide as discussões para viabilizar o Orçamento de 2021, quatro meses depois do prazo correto. E, em geral, nossa necessidade de ajuste tem recaído nos gastos discricionários, onde se encontram os investimentos. Quais as implicações de se manter essa dinâmica por mais tempo, e como mitigar seus impactos?

Infelizmente, a realidade é essa: o ajuste fiscal tem recaído sobre os investimentos. A lógica da emenda constitucional que instituiu o teto para os gastos públicos, reajustados pela inflação do ano anterior, foi forçar uma mudança qualitativa na estrutura de gastos públicos, mas não foi isso o que aconteceu. Os gastos correntes com o funcionalismo continuam a crescer, benefícios fiscais da ordem de 4% do PIB permanecem. Diante das pressões, o gasto discricionário, que representa entre 5% e 7% do PIB, onde está incluído também os investimentos públicos, serve como mecanismo de ajuste. O que defendemos é que a regra que limita os gastos públicos preveja um mecanismo mais inteligente para tratar diferentemente tipos distintos de gastos públicos, privilegiando aqueles que tenham multiplicadores maiores, ou seja, aqueles que geram mais dinamismo e mais efeitos positivos na economia. É o caso dos investimentos públicos. Estudo do FMI publicado no segundo semestre de 2020 mostrou quanto o investimento público apoia a retomada econômica. O trabalho apontou que, ao aumentar o investimento público em 1% do PIB, seria possível impulsionar o PIB dos países em 2,7%, aumentar o investimento privado em 10% e elevar o emprego em 1,2%. O FMI frisou que, considerando o cenário de incerteza, é preciso que o investimento público tenha uma ação anticíclica, estimulando o investimento privado.

Alguns analistas defendem que uma retomada virtuosa da pandemia demandará que o Brasil invista em uma política industrial voltada especialmente para os segmentos industriais que geram emprego, e que também “conversem” com a responsabilidade ambiental e o desenvolvimento sustentável (leia conversa do Blog com Nelson Marconi, da FGV Eaesp). No país, entretanto, o termo política industrial foi demonizado. O senhor também defende a necessidade de uma política de desenvolvimento produtivo? Qual seria, e como fazer para que esta obtenha apoio?

Sim. A política industrial foi demonizada nos últimos anos por uma má condução da política pública tanto na sua formatação, quanto ausência de acompanhamento. Política industrial ficou associada a subsídios e protecionismo. Isso não é política industrial, embora, sim, estas possam ser ferramentas para compor um todo de ações muito mais complexas. A política industrial precisa focar no desenvolvimento da competitividade. Para tanto, financiamento para a inovação, foco no desenvolvimento de setores de alta e média tecnologia, escalabilidade e sustentabilidade têm que ser o norte desta política. Vejam o que está ocorrendo no mundo. Não faz sentido desenvolver setores em que não conseguimos ter escala. Não seremos competitivos assim. O fomento tem que ser em setores de média e alta tecnologia, que por sua vez são também mais sustentáveis, o que coaduna com a agenda ambiental atual e abre uma forte fonte de atração de investimentos ao país. Além disso, o fomento tem que ser acompanhado do monitoramento da política pública. Aliás, esse é um ponto central. Pouco se faz nesse sentido no Brasil, em qualquer política pública. Para pensar em política industrial, é preciso pensar na governança e no monitoramento. O setor não pode ser dependente do Estado para ser competitivo no médio e longo prazo. Fortalecimento das relações entre empresas e universidades também é outro ponto fundamental. É preciso direcionar recursos para pesquisa e, ao mesmo tempo, fortalecer as relações público-privadas, para que o processo inovador ache os canais para atingir a sociedade e a geração de valor para o país. Tudo isso que falei, obviamente, depende de uma condição básica que é uma infraestrutura e educação que permita iniciarmos essa corrida global. Sem esse básico, dificilmente alguma política industrial conseguirá obter êxito.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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