“Quanto mais cedo houver harmonia entre Legislativo e Executivo, melhor para o andamento das reformas”

Rafael Fonteles, governador do Piauí

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Em breve passagem pelo Rio de Janeiro, para uma agenda que incluiu reunião com os presidentes da Petrobras e do BNDES, e com o professor da EPGE Aloisio Araújo na sede da FGV, o governador do Piauí Rafael Fonteles falou ao Blog sobre sua expectativa quanto à aprovação da reforma tributária e os planos de posicionar o estado no mapa da produção mundial de hidrogênio verde. Veja como foi a conversa:

Qual sua expectativa quanto à votação do novo arcabouço fiscal, prevista para começar na semana que vem?

Acredito que o ministro Fernando Haddad foi feliz na elaboração desse texto, que consegue ao mesmo tempo sinalizar para a sustentabilidade da dívida do país que é algo mito importante sem perder as condições de atuar de forma anticíclica quando necessário, ampliando investimentos e alguns programas sociais fundamentais, alinhados com o programa de governo eleito nas urnas. Vejo que o mercado reagiu positivamente à proposta, então espero que seja aprovada o mais rápido possível, para irmos para a pauta que reputo como mais importante, que é a da reforma tributária – que, segundo ouvi dos líderes do Congresso, será pautada na Câmara ainda no primeiro semestre.

Por liderar o comitê que reúne secretários estaduais de Fazenda (Comsefaz) até se desligar de seu posto para concorrer ao governo do Piauí, no ano passado, o senhor mantém esse canal para debater o andamento da reforma tributária. Como avalia o tratamento que está sendo discutido para o pacto federativo e, especialmente, para o Fundo de Desenvolvimento Regional?

Tivemos uma reunião do Consórcio do Nordeste com o grupo de trabalho da Câmara do Deputados, inclusive com o presidente Arthur Lira, e fiquei esperançoso com as perspectivas para esse fundo. Temos tudo para ter um sistema tributário menos complexo, mais justo, mais transparente, e ainda garantir a política de desenvolvimento regional sem aumento de carga tributária.

Como os novos governadores têm reagido ao debate?

A grande maioria se manifestou favoravelmente. Em linhas gerais, sobre a necessidade da reforma e os princípios básicos, conversei com praticamente todos e há apoio nesse sentido. Claro que pode haver divergências pontuais quando o texto for apresentado. Mas nunca estive tão otimista, e acho que é a reforma mais importante do país. Quero participar dessa agenda quando as discussões afunilarem no Congresso.

O senhor tem declarado como meta investimentos logísticos para apoiar a atividade econômica do estado. Quais são os principais?

Uma cosa que atrapalhou muito o desenvolvimento do Piauí até hoje foi o fato de o estado não contar com um porto marítimo. Hoje, o escoamento da produção agrícola do Piauí ao mercado externo – as exportações representam 70% da produção do estado – se dá pelo Porto de Itaqui, no Maranhão. Agora, entretanto, a estrutura semiconstruída do Porto de Luís Correia, que já tem mais de 50 anos, vai se transformar de fato em porto (conforme anunciado na mídia, uma primeira parte da obra estará pronta até o final do ano com investimento de R$ 90 milhões do Tesouro do estado). Aí teremos a necessidade de fazer a conexão do sul do Piauí, onde se concentra a produção de grãos, pecuária e de energias renováveis, com o norte. Para isso, queremos desenvolver uma estrutura rodoviária, hidroviária e ferroviária, que chamamos de Intermodal do Vale do Paraíba.

Como se dará o financiamento dessas obras?

A ideia é de que esses modais sejam licitados como PPP ou concessão. Vai depender da demanda do mercado e do que os estudos de viabilidade econômica que estão sendo licitados irão apontar. Também queremos o apoio do BNDES na modelagem dessas futuras PPPs. Hoje, estimamos que o intermodal demandará em torno de R$ 5 bilhões entre investimento público e privado.

O senhor tem buscado parcerias internacionais para estudos de viabilidade de produção de hidrogênio verde. Quais as perspectivas para essa indústria no estado?

Nossa principal agenda econômica é a da energia renovável, em especial do hidrogênio verde. Hoje o Piauí já é o maior produtor de energia solar do país (segundo em potência instalada de geração centralizada, de acordo a Aneel/ ABsolar /2023, com 14,3 GW, atrás de Minas Gerais). É o terceiro em energia eólica (com capacidade instalada de 3,5 GW, depois de Rio Grande do Norte e Bahia, de acordo a informe da Abeeólica de fevereiro deste ano). E queremos ser o maior produtor de hidrogênio verde, a partir principalmente da fonte solar. Estive recentemente em Portugal e Estônia – neste último, firmamos um acordo de cooperação com o Vale do Hidrogênio Verde – e em junho irei a Espanha, Alemanha, Inglaterra e Suécia, com o mesmo propósito. Minha opinião é de que o Piauí reúne as melhores condições do país, e até das Américas – em incidência solar, vento, abundância de água – para essa produção. Além do fato de contarmos com uma zona de processamento de exportação (ZPE), tal como o Ceará, em Pecém.

A proximidade com o Ceará amplia a concorrência?

Considero que há espaço para todo mundo. Pelo que tenho acompanhado, o foco do Ceará é mais em exportação. No nosso caso, pretendemos atuar nas duas pontas, mas especialmente na atenção de demandas locais – como para a indústria de biocombustível, fertilizantes, ou até mesmo siderúrgico, considerando que o Piauí tem um potencial em exploração de ferro ainda inexplorado. Consideramos que é a oportunidade de industrializar o Piauí, gerando produtos a partir de uma matriz limpa. É exatamente nesse aspecto que o Piauí irá se destacar. E há financiamento disponível no mundo, sem inclusive precisar do apoio de bancos locais, porque se trata de uma agenda que também é global.

Temos feito reuniões com Ministério de Energia, Aneel, Casa Civil, para incentivar esse plano Brasil de hidrogênio verde, de energia renovável, para que seja conduzido de forma prioritária por todos os agentes que fazem parte do ecossistema de energia.

Em evento recente no IBP, executivo do setor de eólica comentou que, no campo das energias limpas, o desafio brasileiro não esta na oferta, mas na demanda. Preocupa-lhe ter de casar projetos novos tanto do lado da oferta do hidrogênio verde quanto da indústria que o consumirá?

Acrescentaria que, no campo das novas capacidades em renovável, ainda precisamos que todos os linhões de transmissão programados se concretizem. Hoje existem muitos projetos no ponto, dependendo das linhas e subestações. Com relação a essa contratação firme a que se referiu, não vejo isso como grande preocupação, porque se trata de um processo de migração de matriz, da fóssil para a limpa, que é irreversível. No caso do hidrogênio, é uma febre no mundo inteiro, de estudos para viabilizar essas indústrias, porque terá de haver uma mudança completa da matriz que alimenta o parque industrial, onde entram algumas variantes do hidrogênio. Pelo que tenho conversado com investidores, estes estão menos preocupados do que nós. Sabem que isso vai acontecer, dentro de um prazo que quatro, seis, dez anos.

Qual sua principal preocupação quanto a concretizar essa agenda aqui mencionada?

Acho que a preocupação é quanto ao ritmo das reformas. Quanto mais cedo houver harmonia entre Legislativo e Executivo, mais cedo essa agenda moderna que envolve transição energética, economia do conhecimento, poderá ser implementada. O avanço da transformação digital – outra agenda nossa na Estônia foi exatamente a de transição digital, de transformação digital dos governos –, que promove um ecossistema de inovação perpassando também pela formação educacional, a ampliação desse letramento digital do ensino das disciplinas básicas, bem como a transição para a economia verde, só tem a beneficiar o país. Então, além das reformas fiscal e tributária, consideramos que o avanço do marco do hidrogênio verde, que torne claro a direção para a qual pretendemos ir, é fundamental. Trata-se de decisões legislativas, mas também de uma agenda de governo que tornará o ambiente mais estável. Ainda vivemos um clima político muito polarizado, e isso se reflete em ambas as frentes. Torcemos para que se possa dar celeridade a esses temas, da transição energética e da transformação digital, junto deum sistema fiscal e tributário mais robusto, transparente, progressivo, pois quanto mais cedo essas agendas forem endereçadas, mais cedo o país vai decolar.

Em entrevista à Conjuntura Econômica em novembro do ano passado, o senhor mencionou que uma de suas metas de governo seria colocar o Piauí no primeiro lugar do Ideb. Qual sua agenda no campo da educação?

Na última quinta-feira (4/5), anunciei uma mudança na meta para escolas de tempo integral – de dobrar a atual oferta (para 200 escolas), para uma cobertura de 100% (452 escolas). Será tempo integral, incluindo educação profissional e técnica.

Como esse investimento será financiado?

Tenho ouvido o ministro Camilo Santana falar dessa prioridade (declaração do ministro ao Senado no início de maio indica intenção de ampliar em 10% a cobertura do ensino integral no país até 2024, além de anúncio, pelo presidente Lula, de um programa prevendo indução financeira para estados e municípios cumprirem essa meta). Também lançaremos mão de recursos do estado. Queremos avançar nessa pauta, que é minha principal bandeira, pois sou professor e milito na área educacional desde sempre.

O que espera da revisão da implantação do novo ensino médio?

O modelo sempre pode ser aperfeiçoado. No nosso caso, como o foco já é ampliar o ensino integral, é mais fácil encaixar os itinerários formativos. Acho que o Governo Federal pode aumentar o fomento. Sempre dizia, antes do novo Fundeb, e continuo dizendo: a participação da União no financiamento da educação é pouca. Era de zero até surgir o Fundef, a partir do qual se criou o complemento da União que chegava a 10%; agora, será ampliado gradativamente, até 2026, para chegar a 23%. O Fundeb é iminentemente estadual e municipal, e muito menos federal. Assim, acho que a forma como a União pode contribuir é com mais fomento nessa direção da educação em temo integral. Com mais carga horária e boa formação, fortalecemos o pensamento crítico dos alunos, a questão da cidadania, e com a possibilidade profissionalização, ele fica preparado para seguir qualquer caminho com mais força.

O que lhe trouxe à FGV em sua breve passagem pelo Rio de Janeiro?

Tive uma reunião com Aloisio Araújo, que foi meu professor de mestrado. Devido a essa proximidade, busco sua contribuição em temas relevantes como a reforma tributária – em cujo debate ele tem participado desde o governo anterior – bem como na agenda educacional. Ele é próximo de James Heckman (Nobel de Economia, também conhecido por seus estudos em primeira infância), que tem apontado a importância da educação básica. Ambos são temas que nos interessam muito. 

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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