“Problema do Brasil é a complacência com o descumprimento da lei”, diz ex-ministro sobre a Amazônia

Joaquim Levy, diretor de Estratégia Econômica e Relação com Mercados do Banco Safra

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A edição de junho da revista Conjuntura Econômica traz uma entrevista com o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy sobre economia de baixo carbono. Estudioso sobre o tema, Levy analisa os principais desafios do Brasil para recuperar credibilidade no campo ambiental e participar da retomada verde liderada pelas principais economias do globo. A seguir, trechos dessa conversa:

O Brasil tem perdido credibilidade no campo ambiental devido ao aumento do desmatamento ilegal na Amazônia, intensificado no último ano. Quais as principais frentes de ação, em sua opinião, para reverter esse processo de forma permanente?

O problema do Brasil é a complacência com o descumprimento da lei. Quando a lei não é cumprida, atrapalha investimento, crescimento econômico. A gente sempre busca as razões estruturais de por que isso acontece, mas o fato é que é importante cumprir a lei. Segurança jurídica é essencial para o desenvolvimento econômico.

Veja o exemplo das concessões florestais. Se há desmatamento e venda de madeira ilegal concorrendo, dificulta-se a manutenção das atividades legais. Temos um arcabouço efetivo em todos os aspectos, que tem que ser aplicado tanto do ponto de vista de impedir o desmatamento quanto de operacionalizar a fiscalização, a verificação de documentos. Isso também vale para as leis da gestão fundiária. Literalmente, centenas de milhares de processos de titularização não estão concluídos. A adoção de novas tecnologias poderia facilitar esse processo, com digitalização dos cartórios, por exemplo. Sei que o ministro da Economia tem tomado atitudes para acelerar algumas ações, com cruzamento de cadastros, e diria que esses tópicos são muito importantes para evitar desmatamento.

No caso da Amazônia, também é importante ter uma estratégia para a região. Aí seria interessante ter instituições de Estado, como o Ipea, e parceiros como a FGV, ajudando a desenhar essa estratégia, que pudesse ser discutida com a sociedade e depois implementada de forma sistemática. No Brasil, todas as vezes em que isso ocorre, dá certo.

Poderia dar exemplos?

Desde a década de 1950, quando chamamos os americanos para desenhar uma estratégia de desenvolvimento, uma porção de coisas passaram a acontecer, ainda que tenham levado alguns anos. A criação do BNDES é uma delas. O que quero ressaltar é que, a partir do momento em que há um plano coerente, em geral a coisa funciona.

Hoje, o esforço é rever os instrumentos que temos, verificar quais setores são competitivos. Veja o caso da Zona Franca de Manaus. O que queremos dela daqui para a frente, com qual nível de transparência? Como seu excedente deve ser aplicado? O benefício fiscal cria um excedente – para que uso? Escrevi recentemente um artigo (publicado no jornal Valor Econômico em 27/5/2020), em que aponto que a Zona Franca poderia se tornar um polo de atração de investimentos verdes para a Amazônia, de pessoas interessadas em apoiar a região. Mas isso só se consegue com alto grau de governança, de transparência.

Então, desenha-se uma estratégia dessa, de Estado, para se desenvolver nos próximos 15, 20 anos, que é o que todos os países estão fazendo, com projetos associados à questão do clima. Parece-me ser o caminho adequado. Mas, como disse, nada disso vai funcionar se não conseguirmos garantir o cumprimento da lei. Por outro lado, se juntarmos planejamento e cumprimento lei, com condições adequadas para impedir desmatamento, provavelmente chegaremos a uma estratégia brasileira, com credibilidade.

Hoje, entretanto, a situação do Brasil frente à comunidade internacional é crítica. Quais medidas poderiam reverter essa deterioração da imagem do país no curto prazo?

No curto prazo, o que as pessoas estão esperando, é o que o próprio vice-presidente Hamilton Mourão gostaria e sinalizou, à frente do Conselho da Amazônia: que reduzamos drasticamente a área desmatada na Amazônia. Se voltarmos aos níveis de 2012 até 2015, com um desmatamento na faixa de 4 mil a 5 mil quilômetros quadrados por ano, seria uma sinalização muito importante. Para alcançar isso, a gente conhece como faz. Se fazíamos há 10 anos, por que não se pode fazer agora?

Programas como o American Jobs Plan do presidente Joe Biden, programa de incentivo de US$ 2 trilhões focados na descarbonização da economia, que inclui cerca de US$ 147 bilhões à mobilidade elétrica, podem representar um novo momento para as políticas industriais?

Para fazer algo como isso, como disse, é preciso organizar um plano. Na Europa, especialmente na Alemanha, esse plano tem sido construído durante vários anos, com a participação das indústrias. Foi anunciado na Conferência do Clima da ONU em Madri (COP 25, em 2019), e vem sendo enfatizado com a Covid-19. Tem algumas linhas claras, até porque percebeu-se que é preciso evitar o aquecimento além de 2 graus até 2050, e que o tempo era curto. Então, para conseguir evitar esse aquecimento, é preciso tomar ações muito drásticas até 2030, 2035. E para isso é preciso mobilizar toda a economia.

No caso brasileiro, o principal item de política industrial para eletrificar a mobilidade é começar a investir e se associar para fazer a célula de combustível movida a etanol. A célula de combustível a hidrogênio, é promissora, mas levar hidrogênio até o automóvel é complicado. Por outro lado, já existem pesquisas em Campinas (SP) e no Japão para extrair hidrogênio do etanol. E por que estou falando isso? Porque o motor de combustão interna vai desaparecer. Daqui a 15 anos, nenhuma empresa vai querer ficar produzindo motor de combustão interna para atender ao etanol brasileiro. Então, para se manter a vantagem do etanol, é preciso incorporá-lo às novas tecnologias.

Atualmente, o conceito empresarial da vez é o ESG, ou ASG em português, referência aos temas ambiental, social e de governança. Qual potencial desse conceito para impulsionar a sustentabilidade da economia?

Esse conceito trata de coisas que já vimos trabalhando há vários anos. E que, se olhar bem, são fundamentais para que um investimento dê certo. Quem vai querer ser minoritário em uma empresa que não tem governança? A parte social também é importante, e cada vez mais crescer a expectativa sobre a postura social das empresas. E o ambiental é muito relevante, particularmente no Brasil, pela estreita relação de sua atividade econômica com a exploração de recursos naturais. Então, essas três letrinhas são parte integrante de qualquer política inteligente de investimento. Ninguém quer aportar em uma empresa que não atenda a essas expectativas.

Existe uma questão que pode ser de autorregulação, ou de regulação, para garantir que produtos vendidos como verdes sigam certos padrões, protegendo o consumidor e o investidor. É o que os europeus chamam de Taxonomia e que o Banco Central está estudando. A demanda existe, e temos que garantir os padrões de qualidade.

Leia a íntegra desta entrevista na Conjuntura Econômica de junho.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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