Presidente da Embrapa faz balanço dos 50 anos da instituição

Silvia Massruhá, presidente da Embrapa

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Em 2023, uma das instituições mais conceituadas do Brasil completou 50 anos: a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa.  Esse marco foi celebrado com a primeira mulher na presidência da instituição, a pesquisadora Silvia Massruhá, que tem 34 anos de casa e assumiu o posto em abril. Nesta semana, Silvia concedeu entrevista à Conjuntura Econômica, que complementa parte das análises da matéria de capa da edição de dezembro (leia aqui). Antecipamos aqui alguns trechos dessa conversa, que você lerá na íntegra em janeiro.

Qual sua avaliação do desempenho da Embrapa nestes 50 anos?

Nessas cinco décadas, houve uma verdadeira simbiose entre a Embrapa e a agricultura brasileira. O país saiu da condição de importador de alimentos para um dos grandes produtores e exportadores para o mundo. Um ponto importante para isso foi a visão inicial de se criar uma empresa voltada para agricultura tropical, pois naquela época a gente importava tecnologias do clima temperado. Aliado a isso, houve uma credibilidade e um espírito empreendedor dos produtores brasileiros, que foram parceiros da Embrapa ao trazerem suas demandas e ajudarem a validar as tecnologias desenvolvidas. Isso que fez o sucesso da nossa agropecuária, que nos colocou como grandes protagonistas na agricultura mundial.

Essas cinco décadas foram marcadas por três principais etapas. A primeira, na década de 1970, foi a que chamamos de grande revolução verde, em que se destacaram o desenvolvimento das grandes commodities e a expansão da soja para o Cerrado. No final da década de 1990, começamos a trabalhar com a intensificação agropecuária, saindo da monocultura para os sistemas consorciados, a integração lavoura-pecuária-floresta e a questão do melhoramento genético, evoluindo para a biotecnologia, a agricultura de precisão. E, no início dos anos 2010, mais fortemente a partir de 2015, começamos a falar mais no desenvolvimento de uma agricultura de base biológica, com bioinsumos que reduzem a dependência dos fertilizantes químicos. Com isso, hoje já podemos ver uma agricultura mais multidisciplinar, que exige uma equipe multidisciplinar, com uma visão mais sistêmica para a gente enfrentar os desafios do agro, que são muito diferentes de 50 anos atrás.

Nessas três grandes, ondas, podemos destacar algumas tecnologias, como plantio direto, a fixação biológica de nitrogênio e sistemas consorciados integrados, por exemplo. Veja, hoje tratamos muito do componente da floresta, mas a tecnologia de integração lavoura-pecuária floresta já tem mais de 15 anos. Nos últimos 30 anos,  a Embrapa se organizou também para coletar dados e informações dessa agricultura tropical, e tem trabalhado também com a parte de modelagem, simulações que nos ajudam a enfrentar três grandes desafios: segurança alimentar, segurança energética e impacto das mudanças climáticas.

A Embrapa é considerada um exemplo de sucesso mundial. O que acha que ela pode ensinar para outras iniciativas de desenvolvimento produtivo brasileiras?

Acho que o primeiro ponto é a qualidade de recursos humanos. Desde o início investiu-se em mandar pesquisadores para fora do país para estudar – foram mais de 2 mil nesses 50 anos – para aprender tecnologias e adaptá-las à nossa realidade.

Outro ponto é o investimento, porque não adianta eu ter pessoas e não ter recurso para fazer pesquisas. Claro que já tivemos uma situação melhor nessa área, pois os recursos para custeio e investimento têm caído muito nos últimos anos. Só para ilustrar, hoje a gente tem um terço do recurso de pesquisa de que precisaríamos, e são recursos que vêm do governo federal. Para manter nossos 1,1 mil projetos, precisamos de aproximadamente R$ 500 milhões, o que não é muito em se tratando de custeio e investimento em pesquisa. Mas há cerca de cinco anos recebemos em torno de R$ 150 milhões. Aí temos que buscar os recursos que faltam, negociar verbas de emendas parlamentares para cumprir com nosso compromisso, o que é muito desgastante.

Temos procurado novas formas de parceria público-privada, a exemplo de outros países em que existe uma cultura de maior participação da iniciativa privada no investimento em pesquisa. Temos ampliado essa participação, mas ainda não conseguimos um resultado ideal. Para se ter uma ideia, dos 1,1 mil projetos que mencionei, entre 20% a 25% são parcerias público-privadas. Levando em conta os ganhos que o agro proporciona, ainda não temos uma retroalimentação adequada. Assim, buscamos aprimorar nosso modelo de parcerias para atrair mais recursos, aumentar a arrecadação de royalty, por exemplo.

Acho que outro segredo da Embrapa foi também o de trabalhar a ciência e tecnologia aliada à política pública. Além de fazermos projetos de pesquisa que resultam nessas tecnologias e cultivares novos, apoiamos o Ministério da Agricultura e Pecuária em políticas públicas.
Vou colocar um exemplo. Há mais de 20 anos, temos um zoneamento agrícola de risco climático, que gera uma matriz de risco para 44 culturas em 5 mil municípios, validada pelas unidades da Embrapa. A gente encaminha os mapas e as matrizes para o Ministério, que publica no Diário Oficial e estas são usadas pelos bancos e pelas seguradoras na concessão de crédito e seguros, porque diminui o risco para os bancos. Ou seja, além de produzir ciência, a Embrapa é aliada à política pública que se baseia em ciência.

Como foi a participação da Embrapa da COP-28?

E foi interessante, porque foi a primeira vez que os sistemas agroalimentares entraram na pauta da COP, e tivemos a oportunidade de mostrar que  a nossa agricultura pode adotar boas práticas, sequestrar carbono.

Dados da ONU apontam a que o mundo terá que ampliar a produção de alimentos em 50% a 70% até 2050, e espera-se que o Brasil contribua com 40% no mínimo. Mas somos muito cobrados também quanto à preservação da floresta, por uma produção sustentável do ponto de vista econômico, ambiental e social. Assim, o Ministério da Agricultura apresentou o programa de recuperação de pastagens. Temos no Brasil 160 milhões de hectares de pastagens, dos quais entre 35 milhões e 40 milhões degradados e com aptidão agrícola. Assim, identificando qual aptidão para cada área, pode-se transformar esse pasto e, ao invés de emitir carbono, essa área passa a sequestrar carbono. Foi isso que mostramos na COP, que com a adoção de práticas sustentáveis, como a integração lavoura-pecuária, ou lavoura-pecuária-floresta, pode-se sequestrar carbono, ou seja, ter um balanço negativo de emissões.  O Ministério apresentou o programa como um todo, que também envolve a parte de financiamento, por exemplo, e explicamos as tecnologias.

Tenho um dado interessante de alguns colegas que trabalham na Amazônia, com consórcio de gramíneas e oleaginosas e leguminosas. Com uma combinação de bovinocultura e produção de amendoim, eles converteram 55 ml hectares, e conseguiram diminuir a emissão de gases em 33% a 36%. Esse é um exemplo concreto do resultado dessas boas práticas.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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