“Preocupar-se com o sinal da variação do PIB não amenizará o momento ruim da atividade brasileira”

Paulo Picchetti, pesquisador do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Passamos o último mês debatendo o real estado da economia brasileira, se de recessão ou estagnação. A que se devem essas dúvidas?

O conceito de ciclos econômicos é em geral mais abstrato, pois envolve uma série de critérios e indicadores. O fato de tais indicadores estarem muito voláteis, sem padrão precedente, é que ainda não nos permite fazer qualquer afirmação robusta, convicta, seja  para dizer se a recessão que começou no ano passado acabou, ou se este ano começou uma nova. Nesse sentido, a postura do Comitê de Datação de Ciclos do Brasil (Codace) – do qual Picchetti é membro – sempre foi a de não ter pressa, e não realizar uma datação sem a certeza de fazê-lo corretamente.

Para ilustrar, tomemos o caso dos resultados do segundo e terceiro trimestres deste ano, que apresentaram, respectivamente, PIB de -0,4% (após revisão do IBGE) e -0,1%. Além de serem resultados próximos do zero, há uma questão técnica, que às vezes é de difícil compreensão para o público em geral, de que esses números são todos comparações com o trimestre anterior, e por isso têm que ter ajuste sazonal. Só que os modelos de ajuste sazonal foram para o espaço na pandemia, que descaracterizou qualquer padrão de sazonalidade. Foi um choque sem precedentes que alterou, por exemplo, comportamentos comuns da população nos principais feriados. Numa situação assim, quando se tenta recalcular coeficientes sazonais, não tem nada que faça sentido. Por isso, nós, e também o IBGE, mantivemos os fatores sazonais que ficaram congelados lá no fim de 2019. E quando tivermos mais clareza do que é de fato o novo normal em termos estatísticos, será possível revisar os números de PIB e todos os outros que têm ajuste sazonal – como produção industrial, comércio -, não só em função dos dados primários, o que normalmente acontece, mas por conta de uma revisão dos fatores sazonais.   

Há previsão de quando será possível recuperar a visibilidade desse cenário? 

Acho que ainda pode demorar.  Não tivemos nada parecido com essa descalibragem provocada pela crise sanitária. Todos os choques que tivemos até então foram muito pontuais. Em 2008, por exemplo, a produção industrial despencou 15% em um mês, mas depois voltou. A recessão de 2014-16 teve seu impacto diluído no tempo. Em 2018, o episódio de maio, com a greve dos caminhoneiros, também foi muito específico, as coisas se normalizaram e não houve descaracterização do padrão sazonal daí para frente. Ao analisarmos o que aconteceu, identificamos que esse mês de maio estava estranho em relação aos outros, então o modelo tratou de isolá-lo do cálculo do fator de todos os demais meses. Isso é feito normalmente. Mas em 2020, com a maior parte do ano impactada, é impossível encontrar uma solução em termos estatísticos. É como se o modelo olhasse para aquilo e respondesse: se você me diz que é tudo isto aqui é estranho, então é sinal de que não aprendi nada. Não há como solucionar uma situação que não reproduz nenhum padrão anterior, e você não sabe exatamente como aquilo vai se propagar no tempo – como  até hoje não sabemos.

Com o que se pode observar de concreto na economia desde 2020, o que podemos concluir até agora?

Se olharmos as séries históricas de PIB, proxies como o IBC-BR, a produção industrial, vemos a necessidade de considerar, em primeiro lugar, que vínhamos de um crescimento pífio pós-recessão de 2014-16. Foram dois anos de crescimento na casa de 1%, quando parecia que iríamos ter uma recuperação mais robusta, houve o escândalo envolvendo o presidente Temer e o empresário Joesley Batista, alterando a trajetória até a eleição. Depois da eleição, tivemos outra série de problemas, que se traduzem no que foi a trajetória do nível de atividade, que continuou muito baixa. Na virada de 2019 para 2020, antes mesmo da pandemia, já havia indicadores de que a atividade vinha desacelerando. O primeiro deles foi a produção industrial, que mostrou uma clara perda de ritmo. Isso, em parte, era o sinal do fim da ideia de que se teria um governo comprometido com as mudanças estruturais que todos até então vinham consensualmente apontando como necessárias.

Então, naquele momento, já não dava para afirmar que a pandemia interrompeu o que se poderia chamar de um novo ciclo de crescimento robusto, pois o sentimento de incerteza já se refletia no nível de atividade. E foi em cima dessa situação que veio a pandemia. Que trouxe meses muito negativos, com o início das medidas de isolamento, e hoje quando se olha o gráfico identifica-se o V que o ministro Paulo Guedes menciona. só que a perna direita desse V é exatamente o nível anterior, que apontava a um crescimento de basicamente zero.

Então, o que aprendemos até agora é que tivemos uma recessão enorme provocada por uma crise sanitária, sob um contexto que já apontava para estagnação. Recuperou-se da pior parte dessa recessão em alguns aspectos, mas em outros ainda não. O mercado de trabalho ainda apresenta um nível de emprego inferior ao de antes da recessão, e com qualidade de emprego pior. E a tudo isso somou-se um conjunto de incertezas adicionais, parte vindas do resto do mundo, e outra parte majoritária daqui de dentro mesmo. E que se refere à instabilidade política, aquela preocupação gerada com o 7 de setembro, e todo o debate envolvendo o quadro fiscal. Enquanto o mundo somente discutia a normalização de política monetária, já estávamos num processo de subida de juros que em tempos normais causaria um fluxo de capitais enorme, porque o diferencial de juros é significativo, e uma apreciação do câmbio, que não aconteceu.

Se tomarmos como base a evolução dos Barômetros Globais, em que medida o Brasil se descolou da expectativa de recuperação em relação às demais economias, e quanto de nossa piora está relacionada a fatores comuns a outros países?

Teve uma primeira fase, no início de 2021, em que parte do mundo já estava na frente do Brasil, se beneficiando da imunização, da abertura, portanto retomando o nível de atividade. Havia a preocupação quanto ao restabelecimento das cadeias de suprimento, mas nesse momento a percepção era de que esses problemas desapareceriam ao longo do ano.

A segunda fase, na virada do semestre, foi marcada pela constatação de que esses problemas logísticos não eram tão simples, nem se resolveriam tão cedo. E os Barômetros começaram a refletir isso. Havia uma retomada do nível de atividade, mas não a mesma percepção, principalmente no Barômetro Antecedente, de que esses problemas iriam se dissipar no curto prazo. Nos dois últimos meses, estamos vivendo uma nova fase marcada não só pela percepção de que os problemas na cadeia de suprimento são mais complicados como se agravaram. Com a chegada da variante Ômicron, há a perspectiva de fechamentos localizados, principalmente nos países asiáticos, que costumam reagir mais rapidamente para conter surtos localizados. Ao mesmo tempo, na Europa, o que estamos vendo são países retomando medidas em graus variados. Os Barômetros Antecedentes estão pegando esse contexto, levando a confiança para baixo.

No Brasil, não só deixamos de aproveitar o momento em que as coisas bem ou mal estavam com cara de recuperação, como estamos sendo prejudicados pela conjuntura do resto do mundo. A demanda por commodities está caindo, com impacto negativo – para nós – nos termos de troca. E, dado que a inflação entrou definitivamente no radar dos bancos centrais das economias desenvolvidas, ainda somamos uma mudança na vantagem de diferencial de juros que poderíamos ter para atrair capital e apreciar o câmbio, que vai se estreitar. O próprio BC americano já deu recado, com três aumentos de juros em 2022, provavelmente a partir do segundo trimestre.

Pensar que em 2022 a economia brasileira, na melhor das hipóteses, ficará estagnada, é uma visão muito pessimista?

Na minha análise, ainda não estou vendo os fundamentos para curto e médio prazo que dêem condições claras de retomada de ciclo de crescimento. Por enquanto, a cara da nossa recuperação é a de subir quatro ou cinco degraus depois de ter descido os mesmos cinco.

Veja, preocupar-se com o sinal da variação do PIB não amenizará o momento ruim da atividade brasileira.Se crescermos 0,5%, ou pouco mais que isso, não será um resultado suficiente para reverter o pior lado da crise, seja do ponto de vista do desemprego, da renda, do trabalho precário. Um grande determinante das expectativas em 2022, entretanto, será a política, as eleições presidenciais. E aí tem muita coisa para acontecer, pode ser que tenhamos ao menos uma esperança de melhora.

Para mais informações sobre os indicadores do FGV IBRE e acesso ao Relógio do Ciclo Econômico, visite: Portal do Ciclo Econômico do FGV IBRE

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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