Pandemia tende a ampliar a desocupação de longo prazo

Bruno Ottoni, pesquisadro associado do FGV IBRE, pesquisador da Idados

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Na semana passada, a OCDE lançou seu estudo anual sobre mercado de trabalho – OCDE Employment Outlook 2021 –, ilustrando a dificuldade enfrentada pelas economias do bloco para recuperar as condições de emprego do período pré-pandemia, seja em número de vagas, seja em horas trabalhadas. Nesses países, a crise sanitária resultou em um aumento de 20 milhões no número de desempregados, dos quais 8 milhões permaneciam desocupados em maio deste ano, e um aumento de 14 milhões de pessoas fora da força de trabalho. Com exceção de sete países, entre os quais Alemanha, Japão e Coreia do Sul, que preveem voltar às mesmas taxas de emprego de antes da Covid-19 ainda este ano, os demais esperam uma demora muito maior. Na média dos países da OCDE, a expectativa é de que o mercado de trabalho só retorne ao que era antes da pandemia na segunda metade de 2023; no Chile, a perspectiva é para a segunda metade de 2024; e, em Israel, somente em 2025.

No documento, a OCDE alerta para o risco de que essa demora torne o mercado de trabalho vulnerával a um aumento do desemprego de longo prazo. Ele aponta que, se por um lado as amplas medidas de retenção de trabalhadores beneficou muita gente – 60 milhões de pessoas, mais de dez vezes o observado na crise financeira de 2008/09 – os que perderam seus empregos no início da pandemia tiveram mais dificuldade em se reinserir no mercado. Bruno Ottoni, pesquisador associado do FGV IBRE e pesquisador da consultoria IDados, ressalta que pessoas que caem nas estatísticas de desemprego de longo prazo sofrem duplamente. "Uma pessoa que está buscando ativamente um emprego por tanto tempo é porque precisa muito dessa renda, sua família passa por alguma dificuldade. Mas, além da questão financeira, existe o agravante de que, quanto mais tempo estiver desempregado, mais difícil será para esse trabalhador conseguir uma nova vaga", diz Ottoni, lembrando que, na maior parte dos casos, longos períodos afastados de uma atividade provocam perda de capital humano. "O conhecimento que essa pessoa tinha de sua atividade tende a ficar obsoleto, parte dele pode ser esquecido. Empresas em geral dão preferência àqueles que estão com conhecimento fresco na cabeça, além do fato de que se tende a desconfiar dos motivos que levam alguém a ficar tanto tempo desempregado, se é um bom trabalhador, se tem alguma dificuldade de adaptação. E essa pessoa acaba sendo preterida", descreve. "Do ponto de vista da sociedade, um alto nível de desocupação de longo prazo tende a limitar as perspectivas de crescimento econômico do país, com a subutilização de pessoas que ficam menos produtivas e poderiam estar colaborando para a geração de renda, crescimento e riqueza."

Mais pessoas desempregadas por mais tempo do que antes da pandemia
média dos países da OCDE, aumento em %, 4o tri de 2019 versus 4o tri de 2020


Fonte: OECD Employment Outlook 2021.

Ottoni analisou a evolução da desocupação de longo prazo no Brasil no período recente, levando em conta pessoas sem trabalho há dois anos ou mais, com dados da Pnad Contínua. No primeiro trimestre de 2021, eram 3,5 milhões. "Em números absolutos, é o maior nível da série histórica, iniciada em 2012", afirma. Em percentual do total de desocupados, não é o nível máximo já alcançado (23,3%), mas isso se justifica pelo forte aumento do desemprego no agregado. "Em 2019, os desocupados de longo prazo representavam 25,3% do total; em 2020, caiu para 21,5% – muito provavelmente, por terem desistido de buscar emprego durante a pandemia, ficando fora da força de trabalho e, consequentemente, das estatísticas de desemprego", diz Ottoni. Entre os países da OCDE, observa-se movimento similar.

Este ano, entretanto, esse grupo chegou ao número recorde referido por Ottoni, e com características diferentes das observadas antes da pandemia. Comparando o primeiro trimestre de 2021 com o mesmo período de 2020, Ottoni identificou um aumento da proporção de homens, negros e pessoas com mais de 30 anos. No período mais recente, os homens passaram a representar 41,1% dos desocupados de longo prazo, contra 58,9% de mulheres. No primeiro tri de 2020, os homens eram 37%. Já a participação dos negros em relação aos brancos, que já era alta, cresceu de 63,1% para 64,4%; e a de pessoas com mais de 30 anos, em relação aos com 29 anos ou menos, saiu de 50,2% para 53,2%.

Série histórica do número de desempregados há 2 anos ou mais


Fonte: Pnad Contítnuia Trimestral. Elaboração: IDados

Ottoni ressalta que pensar políticas de reinserção para esses trabalhadores – bem como para lidar com o alto desemprego em geral – é uma tarefa desafiadora, sugerindo uma divisão entre medidas de acordo ao seu custo-efetividade. "Há um grupo de políticas que já passaram por avaliações de impacto criteriosas, cuja aplicação eu tenderia a favorecer no curto prazo", diz. Nesse grupo o pesquisador inclui estratégias que lidam com problemas conhecidos como de "fricção informacional", em geral de baixo custo e com alguma assertividade já comprovada. "Um exemplo é o de promoção de treinamentos simples, de poucos dias, para ajudar pessoas a prepararem seus currículos e ensinar a como se comportar em uma entrevista de emprego", diz, ressaltando que um currículo mal preparado, em se tratando de um desocupado de longo prazo, pode se tornar um passaporte para o fracasso. "Às vezes essa pessoa fica receosa, por exemplo, de mencionar atividades informais realizadas no período, que podem ser importantes informações para o empregador - ou, ao menos, melhor do que um espaço vazio", exemplifica. "No caso das entrevistas, é importante mostrar aos candidatos, por exemplo, como exercitar habilidades socioemocionais", cita Ottoni, tema sobre o qual o pesquisador conversou com o Blog anteriormente. Outro tipo de iniciativa visando a combater fricções informacionais é a construção de bancos de vagas e currículos, criando uma forma mais eficiente de unir oferta e demanda do que o porta a porta de entrega de currículos que muitas pessoas costumam fazer.

Há outro grupo de medidas que, apesar de serem populares, Ottoni considera que devem ser adotadas de forma mais cuidadosa, após uma avaliação dedicada de seu custo-benefício. Nesse bloco Ottoni coloca as políticas de treinamento profissionalizante, bem como as que oferecem subsídios salariais. "Os resultados dessas iniciativas tendem a ser variáveis, muitas vezes demandam ajustes de desenho. É importante pensar em adotá-las, mas de forma gradual, inicialmente com um piloto, para que se prove sua eficiência e, só então, serem escalonadas", diz.

 


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