Nível de adoção de home-office varia pouco entre 2022-23. Estabilidade? Empregados querem mais

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Na semana passada, uma pesquisa do FGV IBRE foi destaque do Valor Econômico (leia aquiconteúdo restrito a assinantes do jornal) ao apontar características do trabalho remoto no Brasil. O objetivo do trabalho, conta Rodolpho Tobler, economista do IBRE, foi somar dados qualitativos às estatísticas sobre a evolução do home-office no país desde a pandemia de Covid-19, que forçou empresas a adaptar seu funcionamento às medidas de isolamento social para conter o contágio.

De acordo a quesitos especiais aplicados há três anos nas Sondagens empresariais do IBRE – que cobrem os setores de serviços, comércio, indústria e construção –, do ano passado para cá observou-se certa estabilidade do número de empresários que afirmam adotar o home-office, seja ele total ou parcial, no modelo híbrido. Depois de alcançar 56,6% das empresas no final do terceiro trimestre de 2021, quando o processo de vacinação ainda estava em curso, esse percentual caiu para 32,7% na pesquisa de 2022, e este ano se manteve em nível próximo, com 31,9%.  “Em 2021, os percentuais elevados de adoção do trabalho remoto se justificaram mais pela necessidade do que pela vontade dos empresários”, diz Tobler. “Agora, sem o ruído da pandemia, parece que chegamos a um padrão mais próximo do que as empresas imaginam ser o ideal para elas.”

Tobler afirma que esse ajuste se reflete na evolução de algumas respostas, como o aumento de empresas que afirmam que seu tipo de negócio não permite adotar o trabalho remoto. Na indústria, por exemplo, esse percentual evoluiu de 13% em 2021 para 25% em 2023. Atividades em que essa modalidade de trabalho já era mais difícil também ampliaram esse percentual: na construção, as empresas que apontam essa restrição perfizeram 38,4% do total este ano e, no comércio, 48,2%.

Percentual de empresas com algum trabalhador em home office


Fonte: FGV IBRE.

Entre as empresas que mantiveram o trabalho remoto, observa-se que esse modelo é exercido, em média, por 24,7% dos colaboradores desses negócios, seja de forma híbrida ou total. O menor nível é observado no comércio, com 12%, e o maior em serviços, com 35,1%. A pesquisa do IBRE ainda apontou que a média de dias por semana em que esses funcionários trabalham fora da empresa é de 3 dias. Houve também uma evolução positiva em alguns setores que tinham percepções piores em outros anos sobre ganhos de produtividade – o que pode estar relacionado a essa calibragem na adoção do trabalho remoto.

Do ponto de vista dos trabalhadores, a percepção é de que quem provou o home-office não quer voltar atrás. Ao contrário. A pesquisa do IBRE demonstrou que os índices de satisfação com o trabalho foram mais altos entre os que trabalham de forma remota do que entre os que voltaram 100% ao presencial. Entre pessoas que trabalham remotamente, seja no modelo total ou híbrido, apenas 12,5% afirmaram preferir trabalhar totalmente fora de casa. No caso dos que voltaram 100% ao trabalho presencial, 49,7% afirmaram que prefeririam trabalhar de casa.

Como a pessoa está trabalhando e como gostaria


Fonte: FGV IBRE.

A pesquisa também indicou que a preferência dos trabalhadores é de trabalhar presencialmente apenas um dia por semana, ao invés da média atual de 3 dias. Essas pessoas também revelam que se sentem mais produtivas trabalhando de casa. “Nesse caso, entretanto, o conceito de produtividade é mais difuso, permitindo várias interpretações”, afirma Tobler. “Para os trabalhadores, ampliar a produtividade também pode ter relação à sua própria vida, como com a possibilidade de realizar afazeres domésticos com o tempo economizado no trajeto casa-trabalho, ou mesmo à possibilidade de realizar uma atividade extra, como ir à academia”, descreve.

Potencial de expansão

Para ponderar os dados da pesquisa, Tobler conta que foi usado um levantamento do IBGE sobre teletrabalho e trabalho por plataformas digitais com dados da PNAD Contínua para o quarto trimestre de 2022. Essa investigação experimental, divulgada em outubro (leia aqui), aponta que nesse período as pessoas que trabalhavam no domicílio representavam 15,6% da população ocupada. Para configurar o trabalho home-office nesse grupo, os pesquisadores do IBRE buscaram separar os que eram empregados no setor privado ou público o que exclui, por exemplo, conta própria.  Sob esse critério, o percentual cai para 9,8% – ou 9,8 milhões de pessoas –, das quais cerca de 1/3 trabalha apenas de casa e o restante híbrido, intercalando casa e presencial.

Levando em conta a preferência dos trabalhadores, é possível imaginar um aumento desse percentual adiante? Tobler lembra que, no caso do Brasil, essa possibilidade pode ser limitada por questões estruturais – a começar pela composição da atividade econômica.

Distribuição do tempo economizado em deslocamentos ao trabalho


Fonte: FGV IBRE.

Em 2021, o pesquisador do FGV IBRE Fernando de Holanda Barbosa Filho ressaltou que, no Brasil, a concentração do emprego em atividades de serviços de baixa complexidade e que exigem maior contato social faz com que o percentual de trabalhadores que desempenham funções passíveis de migração para o home-office seja baixa: de apenas 25,5%, quando em países como Estados Unidos e Reino Unido gira em torno dos 40% (leia aqui). Barbosa ainda destacou que, quando considerada a infraestrutura necessária para realizar o teletrabalho, como acesso a internet de alta qualidade, ou instalações adequadas em casa para garantir a qualidade do tempo de trabalho, esse percentual cai ainda mais. Na época, o pesquisador ressaltou, entretanto, que a tendência de aumento da digitalização da economia tende a provocar uma mudança gradual no perfil das atividades, o que demanda atenção a políticas que promovam maior acesso e conhecimento de tecnologias de informação por parte dos trabalhadores.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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