Mercado imobiliário residencial: sem bolha à vista, apontam especialistas em webinar

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O crescimento da demanda do setor da construção em 2020 enquanto a maior parte da economia se derretia com o espalhamento da Covid-19 foi surpreendente, e sua persistência suscita questionamentos sobre a formação de uma bolha no mercado imobiliário residencial brasileiro. Especialistas reunidos em webinar promovido pelo FGV IBRE em parceria com a Folha de S. Paulo, moderado pelo repórter especial do jornal Fernando Canzian, afirmaram nesta quarta (31/3) que esse risco está fora do radar, ainda que a conjuntura macroeconômica jogue incertezas sobre a manutenção do entusiasmo no setor.

Alberto Ajzental, professor da FGV Eaesp, aponta que a definição de bolha nesse mercado segue três características – desequilíbrio substancial entre oferta e demanda, forte aumento de preços e risco sistêmico no crédito imobiliário –, que não estão presentes hoje no setor. “Quando observamos, por exemplo, 2020 o índice de preços no varejo em 2020 apontar um crescimento de 3% no segmento de supermercados e 18% em materiais de construção, nos perguntamos sobre o que está acontecendo. Mas é uma visão relativa, pelo descolamento do setor de construção em relação aos demais”, diz. O qual contou ainda com forte participação do chamado “mercado formiga”, das pequenas construções e reformas, incentivado, entre outros, pelo auxílio emergencial.

Ana Maria Castelo, pesquisadora do FGV IBRE responsável pela Sondagem da Construção, ressalta que o grande impulsionador do segmento residencial foram os juros baixos. “O número de concessões de crédito mais de dobrou de 2017 para 2020, mas ainda não chegou ao nível alcançado em 2014”, afirmou. Ajzental lembra que o tombo da Selic entre setembro de 2016 e agosto do ano passado – de 14,25% para 2% – foi inédito, e propiciou um barateamento importante no crédito. “A taxa básica de juros do Banco Central é a que mais se relaciona com o crédito imobiliário”, afirma, indicando que a Selic baixa reduziu o custo efetivo total desse crédito em torno de 5 pontos percentuais (pp). O professor da FGV Eaesp ainda calcula que, levando em conta um imóvel de R$ 250 mil – faixa de preço mais demandada –, e um financiamento de 20 anos, essa queda de 5 pp no custo do financiamento significaria uma dívida em torno de R$ 90 mil menor. “Fazendo uma simulação simples, cada ponto percentual a menos desse custo amplia a demanda em 1 milhão de famílias. Isso significa que estamos falando que eventualmente 5 milhões de famílias se tornaram aptas a comprar um imóvel”, afirma.

Ainda longe do pico
unidades habitacionais financiadas


Fonte: Abecip/ CEF.

Ana explica que a evolução da demanda residencial em 2020 foi heterogênea. “Dados da Associação Brasileira da Indústria da Construção (Abrainc) apontam que, enquanto as vendas no Programa Casa Verde Amarela cresceram 24%, o mercado de médio e alto padrão retraiu 7%.”.  E que não é possível separar, dentro dessa demanda, quais são os compradores que visam a uma moradia dos investidores. Ela destaca que o primeiro bimestre deste ano ainda registrou aquecimento nas contratações de financiamento, com alta de 83% em relação ao mesmo período do ano passado de acordo à Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). Mas que a incerteza quanto à atividade econômica pode frear esse ritmo. “Janeiro e fevereiro foram muito ruins para a poupança, mas ainda assim a disponibilidade de recursos dessa fonte segue elevada. Acho que hoje a preocupação geral deve estar posta no financiamento do FGTS, que é o responsável por garantir a demanda do segmento de baixa renda” afirma.

Para a pesquisadora do IBRE, ainda não há preocupação quanto a um aumento de inadimplência nas operações já contratadas. “Dados do Banco Central apontam que não houve alteração significativa da inadimplência em 2020”, lembra, ainda que para isso colaboraram iniciativas de negociação e postergações de pagamento. “Mas, se a dificuldade de retomada da economia persistir, podemos revisar essa expectativa”, diz. Entre compradores com vistas a investimento, Ana lembra que mudanças regulatórias inibem o não pagamento. “Entre 2010 e 2014 tivemos um movimento especulativo em que se compravam apartamentos na planta esperando sua valorização para posterior revenda. E, se isso não acontecesse, vinha o distrato. Com a mudança na legislação, agora só não paga quem realmente não tem capacidade de fazê-lo, pois agora isso implica perda de recursos”, diz.


Fonte: Abrainc/ Fipe.

Paulo Picchetti, pesquisador do FGV IBRE, avalia que a fatia da população que optou pela compra de um imóvel em busca de uma opção de investimento mais lucrativa que a poupança não perderá dinheiro. “Mais uma vez, o imóvel aparecerá como oportunidade de investimento”, diz, resgatando a memória do IGP-M – usado como indexador de contratos de aluguel – para justificar sua análise. “Nos anos 1980, quando se tinha uma incerteza muito grande com o cenário de hiperinflação, havia dois portos seguros para os investidores: o dólar e os imóveis. E para proteger quem comprava imóveis de que o valor dos aluguéis fosse corroído pela inflação, e dessa forma mantê-lo como investimento competitivo frente ao dólar, pegou-se o índice que mais refletia a variação do dólar na época, que era o IGP, por ter uma participação grande de commodities”, conta. Frente a um novo cenário de incerteza quanto às contas públicas, que podem jogar dúvidas quanto à solidez dos títulos do governo, Pichetti afirma que os imóveis seguem como boa estratégia de diversificação.

Sobre as perspectivas para o setor, Ana Castelo reforça que a tendência ainda será de um ano de boa expansão, mas não como em 2020. “A Sondagem da Construção já identifica uma mudança de ânimo em todos os segmentos, incluindo o das incorporadoras. E temos que lembrar que o movimento de expansão verificado em 2020 tampouco havia se disseminado pelo país, e para que isso aconteça, depende da economia. Só deslocamento de poupança das famílias não justificará continuidade”, diz.

Aumento de preços não é heterogêneo, e parte dele é reposição


Fonte: Abecip/FGV.

Um novo indexador para os aluguéis

Ainda sobre o IGP-M, Picchetti lembrou do forte descolamento que esse índice tem registrado em relação à realidade do mercado imobiliário, provocando uma série de renegociações entre locadores e locatários, e mencionou que o FGV IBRE está estudando a construção de um novo índice de aluguéis. “Estamos conversando com parceiros potenciais, como empresas do setor de administração de contratos, em busca de fontes de informação. A ideia é ter acordos de compartilhamento que nos permitam produzir um índice que reflita o mercado como um todo, mas com informação suficiente para se extrair informações segmentadas, como por cidades, regiões dentro de grandes cidades, categoria de imóveis e assim por diante”, conta. Picchetti afirma que indicadores desenvolvidos a partir de preços de oferta de imóveis, como os encontrados em sites de anúncios, não refletem a realidade de mercado, devido ao descolamento entre os valores pedidos e os contratos fechados. “Por isso, nenhum desses está sendo proposto como alternativa para indexar contratos de aluguéis. Temos que construir índice com base em contratos efetivos”, diz. “Em momento como este, em que discutimos a presença de uma bolha no mercado, é que se destaca a importância de boas informações para uma resposta qualificada. E esta nova iniciativa faz parte do esforço de construir indicadores de qualidade que reflitam fundamentos de mercado, que é uma das grandes missões do FGV IBRE”, diz.

Índice de Confiança da Construção
(Dados de mar/12 a mar/21, dessazonalizados)


Fonte: FGV IBRE

Reveja o webinar Há bolha no mercado imobiliário?

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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