Manter a produtividade em alta dependerá de condução fiscal e desempenho dos serviços, alertam pesquisadores do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Em 2023, a produtividade seguiu os bons ventos da economia e também registrou surpresas, tanto na produtividade do trabalho quanto na PTF, como é conhecida a medida que leva em conta não só a mão de obra, mas a eficiência do uso do capital.

A produtividade do trabalho por horas efetivamente trabalhadas cresceu 2,3% no terceiro trimestre em comparação ao mesmo período de 2022, de acordo ao Observatório da Produtividade Regis Bonelli. São três altas seguidas, algo que não acontecia desde 2017. No caso da PTF, a alta foi de 0,5% na mesma comparação (terceiro tri 2023 x terceiro tri 2022). Ainda que apresente uma desaceleração quanto observada na ponta, em relação ao trimestre anterior, ambos os resultados colocam a produtividade brasileira acima da tendência observada no período 2017-2019, pré-pandemia.

“É uma surpresa, porque a produtividade do Brasil cresce pouco há décadas”, afirmou Fernando Veloso, coordenador do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, no seminário Produtividade e Mercado de Trabalho, promovido dia 14/12 pelo FGV IBRE em parceria com o Valor Econômico, moderado por Sergio Lamucci, editor-executivo e colunista do jornal. “Nosso cálculo é que de 1981 a 2022 foi um crescimento de 0,5% ao ano no caso da produtividade por hora trabalhada – com queda forte na recessão 2014/16, recuperação tímida em 2017; nova queda em 2019 e alta durante a pandemia, nesse caso, devido a um efeito composição”, descreveu Veloso, referindo-se ao fato de que as restrições sanitárias levaram à saída do mercado de trabalhadores principalmente de trabalhadores informais e de baixa escolaridade, menos produtivos, que prestavam serviços presenciais.

“Esses setores mais afetados voltaram com muita força no ano passado, e quando fizemos este webinar no final de 2022 a produtividade tinha recuperado a tendência de queda do pré-pandemia”, lembrou o pesquisador do IBRE. No evento, Veloso destacou o importante papel do setor agropecuário para a alta da produtividade, especialmente no primeiro trimestre. “Mas mesmo quando excluímos o agro, observamos que nos trimestres seguintes a evolução da produtividade permanece positiva, dando sinais de ser um fenômeno mais generalizado”, disse. Ele afirmou que indústria extrativa demonstrou um crescimento forte; a construção teve bom desempenho, registrando leve retrocesso no terceiro trimestre; e que o destaque ficou com o setor de serviços. “Os serviços, que há muitos anos – com exceção da pandemia – registravam crescimento negativo da produtividade, passaram para o terreno positivo este ano”, apontou. O Observatório aponta elevação da produtividade dos serviços tanto no segundo quanto no terceiro trimestre deste ano. No terceiro tri, foi de 0,7%, medida por horas habitualmente trabalhadas. Tanto Veloso quanto o pesquisador Fernando de Holanda Barbosa Filho destacaram no webinar a importância de que a produtividade dos serviços permaneça evoluindo positivamente. “Mesmo que seja um crescimento modesto, se isso acontecer, dificilmente teremos um crescimento agregado negativo”, disse Barbosa.

Evolução da PTF por hora efetivamente trabalhada e tendência observada no período pré-pandemia
(primeiro trimestre de 2017 até o quarto trimestre de 2019)


Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração do FGV IBRE com base nas Contas Nacionais Trimestrais, Pnad Contínua (IBGE) e Sondagem da Indústria (FGV).

A questão, agora, é saber se esse ganho veio para ficar. Os pesquisadores do IBRE ressaltaram que, para manter a economia aquecida este ano, além da colaboração do agro, também ajudou o pacote fiscal de início de governo com a PEC da Transição – somando dois pacotes sequentes, se for contabilizado o estímulo dado pelo governo anterior em 2022. Mas eles também ressaltaram o efeito de mudanças estruturais. A começar, enumerou Barbosa, pelo efeito da reforma trabalhista, que agora parece ter ficado definitivamente claro, defendeu. “Em 2023, o que esperávamos, na melhor das hipóteses era que a taxa de desemprego se estabilizasse no nível do início do ano, em 8,4%, mas já está em 7,9% (com ajuste sazonal), mostrando uma resiliência maior que previamente esperado”, disse. Para ele, o fato de essa manutenção ter se dado com uma criação de empregos majoritariamente no campo formal é o sinal do sucesso da reforma trabalhista.  “Quando observamos o mercado de trabalho brasileiro, pós-2014 toda a dinâmica era dada pelo setor informal, especialmente conta própria sem CNPJ. Este ano, mais de 50% do pessoal que entrou para o mercado de trabalho foi com carteira assinada, o que também colabora para a produtividade.”

Veloso destacou que, apesar do mau desempenho brasileiro no Pisa (leia mais aqui), o capital humano brasileiro tem evoluído positivamente. “Desde 1995 nosso capital humano registra crescimento de 2,2% ao ano”, destacou, explicando que esse cálculo, realizado pelo Observatório, leva em conta escolaridade do trabalhador, experiência e taxa de retorno que ambos apresentam. “Apesar das mazelas em termos de composição, hoje nossa população é mais escolarizada. Ao menos dois terços da mão de obra têm ensino médio completo. Isso é importante, e pouca gente chama a atenção. Contribui para aumento de produtividade e redução da informalidade, já que a tendência é de que a população escolarizada seja menos informal.”

Taxa de crescimento da produtividade agregada com base nas diferentes medidas do fator trabalho 
(por hora habitualmente trabalhada, por hora efetivamente trabalhada e por pessoal ocupado - em % em relação ao mesmo trimestre do ano anterior) – Brasil


Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração FGV IBRE com base nos dados das Contas Nacionais Trimestrais e da Pnad Contínua (IBGE).

Ainda no campo do mercado de trabalho, Barbosa ressaltou que as taxas de desemprego melhores do que o esperado ainda embutem uma menor oferta de trabalho pelos brasileiros – pessoas que saem da força de trabalho, portanto não são contabilizadas na taxa de desemprego –, fato que precisa ser considerado  “Se tivéssemos o mesmo percentual de pessoas no mercado de trabalho, e se essas não conseguissem emprego, nossa taxa estaria próxima de 10%”, lembrou (leia mais aqui). Outros sinais de que essa taxa não aponta a um superaquecimento preocupa, indicou Barbosa, é de que o emprego acumulado no ano cresceu apenas 0,8%, e 0,5% em 12 meses. “Outra variável importante que ilustra essa análise é pegar a razão entre pessoal ocupado/PIA (população em idade para trabalhar). Em 2013/14, quando o mercado de trabalho estava aquecido, ela era de 58,5%; agora está em 57,2%. Para ter o mesmo nível de aquecimento, de 2013/14, precisaríamos ter a taxa de desemprego de 1,5% a 2% mais baixa, só ajustando pela taxa de participação”, afirmou. 

Podemos ser otimistas quanto à manutenção dessa tendência – especialmente lembrando que este ano essa produtividade aumentou mesmo diante de um quadro de retração dos investimentos? Para Veloso, o que aconteceu com os investimentos é mais explicado pela percepção dos investidores sobre o futuro do país no final de 2022. “Naquele momento, tínhamos um quadro bastante negativo de incertezas quanto ao futuro do arcabouço fiscal com o fim do teto de gastos, bem como quanto à sustentação de reformas já feitas – como o marco do saneamento e a privatização da Eletrobrás. Não me parece surpreendente que, diante desse quadro, houvesse um retrocesso de investimentos”, diz. “Parte dessa agenda não aconteceu por resistência da sociedade; aprovou-se um arcabouço minimamente funcional, deu-se sequência à reforma tributária, também nas políticas no campo do crédito, o que foi positivo” afirmou. “Mas agora temos sinais da possibilidade de se mudar a meta de resultado primário, além de que a perspectiva de um crescimento mais baixo em 2024 (leia aqui) pode estimular medidas de natureza populista no campo dos gastos”, lembrou Veloso. Ele ressaltou que a manutenção da incerteza no campo fiscal pode comprometer o horizonte de crescimento da produtividade.

Reveja o Seminário de Produtividade e Mercado de Trabalho.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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