“Incerteza pode corromper trajetória de queda do preço dos alimentos em 2022”

André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da FGV

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O que esperar do comportamento da inflação no início de 2022?

A tendência é de que ainda tenhamos uma inflação persistente no primeiro trimestre. Veja que, em 2021, praticamente metade da inflação acumulada se concentrou em energia e combustíveis (gasolina, etanol e gás de botijão). Quando a inflação fica concentrada nos energéticos, ela se espalha mais rapidamente, porque representa custo para a indústria, para a prestação de serviços. No ano que vem, uma parte desses efeitos poderá ser dissipada com o arrefecimento das tensões relacionadas à crise hídrica, favorecendo a queda do preço da energia elétrica, detendo sua disseminação em outros preços. A bandeira extraordinária deverá vigorar até abril, e para maio espera-se uma bandeira menos onerosa, provavelmente a vermelha patamar 2, aliviando o orçamento das famílias e os setores intensivos em energia.

Mas no início do ano essa melhora ainda não será percebida, porque nesse período ainda deve haver alguns movimentos que ponham lenha na inflação. Especialmente de serviços que são indexados à inflação, como reajuste de mensalidades escolares, faculdades. O IPVA é calculado com base em um percentual do valor dos automóveis, cujo preço subiu em média 15% em 2021. Além de tarifas de transportes urbanos.

E quanto ao preço dos combustíveis?

O preço do barril do petróleo está baixando. A retirada dos pacotes de estímulos nas economias desenvolvidas favorecem a uma redução da demanda, que tende a nos favorecer no sentido de blindar o setor de novas surpresas. Já tivemos uma boa notícia com a redução do preço da gasolina em dezembro, de 3% refinaria e 1% na bomba, ao consumidor. Esse viés de baixa tende a ficar mais claro com a passagem do inverno, que exige mais consumo de combustíveis e mantém a demanda em nível elevado. Passado esse período, essa tendência de arrefecimento pode ficar mais flagrante e ajudar a conduzir melhor os preços.

A partir de quando será possível identificar uma queda mais acentuada do IPCA para fechar o ano na casa de 5,2%, como estima o FGV IBRE?

O IPCA tende a ficar em torno de 8% em 12 meses pelo menos até junho. Uma desaceleração maior antes disso até pode acontecer, mas não é o que projetamos.  Até pelo fato de a base de comparação, o primeiro semestre de 2021, ter meses com taxas baixas, o que reduz muito o espaço para o índice desacelerar em 12 meses. Já no segundo semestre deste ano esse quadro muda; de julho a novembro, a variação média do IPCA em 2021 superou 1%.  Além disso, também esperamos um maior efeito do aumento da taxa básica de juros sobre a economia, afetando especialmente o consumo de duráveis, mais sensível aos efeitos da política monetária, em itens que pedem financiamento. E há ainda as perspectivas para alimentos, com tendência de desaceleração mais rápida, indo para algo em torno de 5% no final do ano. O único setor que ainda deve persistir na pressão de preços e fechar o ano com uma inflação acima da verificada em 2021 é o de serviços, sustentado especialmente por contratos que nem sempre obedecem à lei da oferta e procura, como aluguel de imóveis, apresentando maior rigidez. Mas entre os segmentos que dependem de demanda, a tendência é ceder mais rapidamente.

Como ficará essa evolução de preços quando observada por faixa de renda da população?

A expectativa de safras positivas promete um impacto menor dos alimentos, que é item importante para a cesta de consumo das famílias de mais baixa renda. No final do ano que vem, a alimentação no domicílio deverá ter subido menos de 3%, uma variação muito menor do que a esperada para este ano, em torno dos 10%. E que em 2020, quando os alimentos foram verdadeiros vilões, com aumento de 14,1%.

Como avalia a influência da mudança do cenário externo, especialmente com a estimativa anunciada pelo FED  de realizar três aumentos dos juros básicos americanos já no ano que vem?

A Selic é o único socorro e âncora que temos. Pois a âncora fiscal, que poderia ajudar a evitar uma fuga de capitais com a mudança de ventos no exterior, não está funcionando. Se tivéssemos uma âncora fiscal que reduzisse a incerteza brasileira, atrairíamos mais investimento, equilibrando o câmbio pelo diferencial de juros. Já estamos com a taxa básica de juros alta, que poderá superar 11,75% no ano que vem. Se aqui dentro tivéssemos uma cartilha minimamente bem feita de como vamos conduzir a política fiscal, sem esses atalhos como o da postergação do pagamento de precatórios, teríamos uma situação que nos favoreceria neste momento de mudança do cenário lá fora. Mas, com ambiente incerto aqui, podemos colocar o juro onde quisermos que não atrairemos o investimento que pretendemos. Então, o que vai acontecer é isso: o BC vai ter que segurar esse câmbio enquanto tiver instrumentos, usar reservas para fazer swap cambial. Até chegar no ponto em que haverá uma nova desvalorização cambial. Hoje estamos trabalhando com um câmbio médio de R$ 5,50 para o ano que vem, mas acho que ele pode ir além, se mantivermos esse cenário de incerteza.

Esse é um quadro preocupante, pois a incerteza pode corromper inclusive a trajetória de queda da inflação dos alimentos. Pois mesmo que as nossas safras sejam maravilhosas, nosso preço é fixado em dólar, são commodities. Se lá fora o preço da commodity sobe, ou se nossa moeda enfraquece, ganhamos competitividade e acabamos exportando muito. Os produtos brasileiros ficam promocionais em comparação ao resto do mundo, os produtores vão ampliar as exportações e aí corremos o risco de acontecer o desabastecimento observado em 2020: faltou arroz, feijão, e os preços subiram porque o produtor estava privilegiando o mercado internacional.

E quanto ao panorama para as commodities? Consolidaremos o fim do mini boom?

Vemos uma desaceleração do Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) graças à desaceleração das commodities, tanto agrícolas quanto minerais. Vale lembrar que nosso início de processo inflacionário foi muito puxado pela recuperação da demanda no resto do mundo. Uma estabilização da  demanda pode favorecer a queda dos preços em dólar. Se nossa moeda estiver estável, não se desvalorizar mais por outros fatores, isso pode tirar um pouco do fôlego financeiro do nosso produtor. Mas o mercado externo nunca será desvantagem para ele, pois é onde faz um bom hedge sobre os custos de produção, que no agro subiram muito. Preço de defensivos, agrotóxicos, adubos e fertilizantes aumentaram em função do preço do petróleo. Se vende em dólar, recupera essa pressão de custos.

Essa trajetória de desaceleração beneficia o Índice Geral de Preços (IGP). E a tendência é de que continue desacelerando forte. A menos que haja uma megadesvalorização do real, ou uma mudança do cenário agrícola – o que é difícil de acontecer –, a tendência é que encoste no IPCA lá para abril ou maio de 2022. Hoje o IGP está em torno de 17% em 12 meses, mas a tendência é de que no final do primeiro trimestre chegue em 8% ou 9%, podendo até ficar abaixo do IPCA em alguns momentos de 2022. Nossas simulações apontam a que feche 2022 próximo de 6%, algo como 5,8%. Isso, claro, considerando um câmbio estável, e a agricultura entregando um bom ano, como estamos prevendo. Se houver alguma desvalorização cambial mais forte, isso mexe completamente com o  IPA e, logo, com o IGP, e o descasamento deste com o IPCA permanece por mais um tempo.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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