Governo federal: acirra-se a pressão por gastos, e risco de piora na sua alocação

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Como é comum em anos eleitorais, a disputa por recursos para alimentar bases políticas se acirra, e no âmbito federal acende o alerta de que este poderá extrapolar os limites fixados no Orçamento. Que, por sua vez, já contou com o espaço aberto com a PEC dos Precatórios, graças à qual o governo acomodou dentro do Orçamento, por exemplo, R$ 16,5 bilhões em emendas de relator, conhecidas como orçamento secreto, e outros R$ 4,9 bilhões para o fundo eleitoral. 

Matéria publicada pelo O Estado de S. Paulo desta terça-feira, 15/2, (acesso pode estar limitado a assinantes) aponta que a autorização de gastos com emendas parlamentares até setembro feita pelo presidente é a maior de sua gestão: R$ 25 bilhões. O Orçamento de 2022 prevê um total de R$ 33,8 bilhões em emendas. O jornal indica, entretanto, que há R$ 36 bilhões aprovados em anos anteriores que ainda não foram pagos.

Outra área sensível apontada por Juliana Damasceno, economista da Tendências Consultoria, pesquisadora do FGV IBRE, é a do reajuste salarial de servidores federais. “Até abril, quando se cumpre o prazo de seis meses antes do pleito, depois do qual não se pode mais conceder aumentos, esse será um setor de alta pressão”, diz a pesquisadora. Ela lembra que no Orçamento de 2022 está previsto R$ 1,7 bilhão para aumento de remuneração e reestruturação de carreira, inicialmente prometido pelo presidente para policiais federais. Mas outras categorias estão ativas na busca de seu quinhão. Juliana cita os servidores do Banco Central e da Receita Federal, que pedem aumento de 26%, e os servidores representados pelo Fórum Nacional das Entidades dos Servidores Públicos Federais (Fonasef), agremiação que oficializou um pedido de reajuste de 19,99%. O percentual representa o IPCA acumulado entre 2019 e 2020, que recomporia as perdas dos servidores que tiveram seu último reajuste em 2019 – na verdade, uma parcela remanescente do que foi concedido ainda no governo Temer. Já para o contingente que tem seu salário congelado desde 2017, esse percentual pedido representaria uma recomposição parcial das perdas inflacionárias, que chegam a 28,15%. “Caso aplicasse um reajuste linear de 28,15% a todos os servidores federais, o gasto estimado seria de R$ 84,5 bilhões”, ilustra Juliana.

Do ponto de vista distributivo, a pesquisadora aponta que tais reivindicações não deixam de ser meritórias, já que não foram só os policiais que tiveram o poder de compra de seus salários corroído nos últimos anos, tornando injustificada a escolha de uma só categoria para se beneficiar de reajustes. Mas Juliana lembra que a liberação de aumentos salariais e reestruturações de forma indefinida fere a responsabilidade na gestão fiscal de 2022 e além, pois implica um gasto permanente. E que, no caso das emendas parlamentares, ainda soma o risco de deterioração da qualidade do gasto, lembrando que emendas de relator são questionadas pela falta de critério técnico e de transparência. E que seu crescimento nos últimos anos acontece na contramão da trajetória de investimentos.  Rubrica, aliás, que ano passado ganhou fôlego nos estados, embalada pelo resultado surpreendente na arrecadação desses entes, grande parte impulsionada pelo efeito da inflação. Matéria do Valor Econômico de 15/2, da qual Juliana participa, mostra que os investimentos dos estados mais o Distrito Federal em 2021 tiveram alta real de R$ 83,6% em relação a 2020 e de 46,6% em relação a 2017 – último ano a anteceder uma eleição presidencial.

Investimento federal x emendas parlamentares
(R$ bilhões de dez/21)


Fonte: Siga Brasil.

Juliana lembra que a tese de uma melhora estrutural na arrecadação, defendida pelo Ministério da Economia e que justificaria mais folga nos gastos em 2022, não se comprova quando observada de perto. Primeiramente, porque do ponto de vista da receita o resultado primário do setor público consolidado que inclui governo central, estados, munícipios e estatais em 2021 não veio de aumento de alíquotas ou criação de novos impostos que expandissem a arrecadação, e contou com grande ajuda dos estados: com R$ 78,4 bilhões, para R$ 19,1 bi dos municípios e um resultado negativo de R$ 32,8 bilhões do governo federal. “Além do efeito da inflação em itens como energia e combustíveis, que pesam mais no ICMS, pelo lado da despesa os estados também foram beneficiados por uma ‘tempestade perfeita’”, lembra Juliana. Entre os fatores ela cita a trava legal da Lei 173, de 2020 que promoveu socorro financeiro a estados e municípios devido à pandemia e que teve como contrapartida o congelamento de salários até o final de 2021, além da economia provocada com demandas reprimidas como no atendimento eletivo na área de saúde e no custeio de escolas – o que fez diversos estados buscarem alongar o prazo de cumprimento do mínimo constitucional previsto em lei para essa área, até 2023. “Mas são fatores atípicos que não se repetem”, diz apontando que também esses entes serão desafiados em 2022 pela demanda de servidores por reajuste salarial. E, do ponto de vista dos gastos, a queda de R$ 522 bilhões de despesa em termos reais de 2020 para 2022, R$ 511 bi se referem à retirada de despesas relacionadas à pandemia de Covid-19.

O mercado já sinalizou estar atendo ao risco de piora do quadro das contas públicas. Pesquisa pré-Copom realizada pelo Banco Central apontou que, em fevereiro, 69% das instituições consultadas identificam uma piora na situação fiscal. A projeção do FGV IBRE para o primário do governo central em 2022 é de déficit R$ 98 bilhões, que não contabiliza qualquer novo reajuste salarial. Tampouco leva em conta qualquer decisão sobre uma redução ou eliminação de impostos sobre os combustíveis, tema que deverá ser votado hoje (16/2) no Senado. “Caso qualquer desoneração passe no Congresso, significará abrir mão de uma receita que, se não for compensada por aumento de alíquota de qualquer outro imposto, criação de novo tributo ou corte de gasto, vira dívida”, lembra Juliana. A pesquisadora reforça o time dos pesquisadores que defendem que qualquer decisão precipitada nesse campo, motivada pela pressão inflacionária em ano eleitoral, poderá sair mais cara que a encomenda. “Uma alteração de tributo não mitigará sozinha o impacto de pressões altistas sobre o preço do petróleo – já há analistas prevendo o barril do Brent chegando a US$ 120. E ainda há o fator cambial. Se uma mudança como essa impacta negativamente a percepção de risco, isso acaba chegando no câmbio, que se desvaloriza e pode anular a margem esperada via desoneração”, ilustra. “Imposto só se zera uma vez, não tem como repetir a dose. Com uma conta que sairá mais cara para os estados.”

Impostos sobre combustíveis
Arrecadação estimada com gasolina e diesel – R$ bilhões – 2022


Fonte: Projeções FGV IBRE.

Para Juliana, o fato de o debate dos combustíveis ter chegado à proposta de uma nova PEC – posteriormente descartada – retrata um momento de fragilidade orçamentária que inevitavelmente terá seu custo. “Acabamos de sair da PEC dos Precatórios, que no final acabou sendo absorvida pelo mercado como mal menor, frente ao risco de outros arranjos que pudessem ser mais criativos e perigosos”, diz. “Pode ser que essa desoneração também seja acomodada dentro das expectativas do mercado. Mas não sem custo.”

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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