Por que a recomendação do Ministro da Fazenda a artigo de Braulio Borges acende o debate sobre ajuste fiscal

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Na última semana, o ministro da Fazenda Fernando Haddad recomendou a leitura de artigo de Bráulio Borges, pesquisador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público (CPFO) do FGV IBRE, em sua conta na rede social X (leia a íntegra do artigo aqui). Desde então, o texto, publicado dia 19 de abril no Observatório de Política Fiscal, central de conteúdo do CPFO, voltou às rodas de debates, já que trata de temas caros ao governo, como fragilidades do Novo Arcabouço Fiscal (NAF) e a necessidade de se atacar temas sensíveis como previdência e mínimos constitucionais para a saúde e educação para se alcançar o ajuste fiscal necessário à estabilização da dívida pública. Quais sinalizações o ministro pretendeu dar com a postagem no X ainda é uma pergunta em aberto, mas algumas pistas podem ser obtidas revisando os principais pontos do documento. 

“A questão é que não dá para aumentar uma dívida pública que já está em um nível desconfortável. Precisamos de consolidação fiscal”, afirmou Borges, ao comentar a repercussão do artigo, lembrando que o controle das despesas é necessário inclusive para viabilizar o próprio arcabouço. Ele afirma que, para estabilizar a dívida, é preciso garantir um superávit primário entre 1% e 1,5% do PIB. Com a revisão da meta de resultado primário anunciada pelo governo em abril, a projeção é de que somente em 2028 a meta atingiria esse patamar, ou seja, no próximo governo, alimentando questionamentos que podem se refletir no próprio custo de rolagem da dívida.

Uma das características do artigo de Borges é derrubar o caráter polarizado de muitas análises sobre o equilíbrio fiscal brasileiro, assim como das escolhas de medidas visando a esse equilíbrio. A primeira delas, tal como o economista destacou para este Blog ao comentar a revisão da meta para 2025/26 (leia aqui), é a de que, tanto sob as regras do teto de gastos quanto com o NAF, o Brasil se mantém fora do que hoje é reconhecido como padrão virtuoso quanto a arcabouços fiscais. Países que fizeram ajustes bem-sucedidos, aponta, tem regras que equilibram o foco entre receita e despesa. No Brasil, entretanto, há limitações em consolidar uma estratégia “que olhe para os dois lados da equação”. Vejamos como Borges descreve esse quadro:

- O teto de gastos, que começou a valer em 2017, focou todo o ajuste pelo lado da despesa. “Inclusive, ignorando que parte da deterioração fiscal brasileira na década de 2010 ocorreu por conta de queda de carga tributária”, ressalta. No texto, Borges aponta que entre 2008 e 2019 houve uma queda de 1,9 ponto percentual do PIB da carga bruta federal, “revertendo em quase 40% o aumento observado entre 1999-2004, que levou o resultado primário do país do terreno negativo para perto de 2,5% do PIB em 2003-2004”. No texto, ele detalha os fatores que levaram a dessa perda, a começar pela não-prorrogação da vigência da CPMF em 2007, contribuição que desde 200 gerava uma arrecadação de 1,3% do PIB.

- Esse contexto, afirma Borges, de certa forma justifica a busca por um aumento de arrecadação. O problema, entretanto, é que o NAF, substituto do teto de gastos, jogou o ajuste para o outro extremo, mirando somente a receita. Neste momento, Borges apresenta um ponto sensível do NAF: o de que nem todas as despesas obedecem ao limite superior para o crescimento previsto na regra, de 2,5%, mesmo que a aplicação do limite de 70% em relação ao crescimento real da receita primária resulte em valor maior. É o caso das despesas previdenciárias, em especial com a retomada da política de reajuste de salário-mínimo que permite ganhos reais também para benefícios e pensões, dada a vinculação do piso previdenciário. Assim como dos pisos constitucionais da saúde e da educação, que estão vinculados a 100% da receita, e não apenas 70%, como reza o NAF.  “Então, o próprio arcabouço tem essa fragilidade interna, não só por depender 100% de aumento de carga para entregar as metas de resultado primário, mas porque tem uma pressão no orçamento que vai surgindo ao longo do tempo pelas vinculações e por conta de escolhas de política de governo, principalmente a de reajustar o salário-mínimo sabendo que não afeta só quem está no mercado de trabalho, mas aposentadorias e pensões”, reforça.

Para Borges, mesmo a agenda de revisão de gastos capitaneada pelo secretário Sergio Firpo no Ministério do Planejamento deveria contemplar a necessidade de ajuste. “O governo é sempre muito vocal em dizer que essa revisão está aí para abrir espaço e viabilizar novos gastos, e não para gerar economia fiscal”. Na situação brasileira, entretanto, não basta ampliar a efetividade do gasto público, reforça.

Em seu artigo, as principais frentes de ação – seja pelo lado da despesa e/ou receita –  defendidas são a previdência, os mínimos constitucionais para saúde e educação e o desenho do Imposto Seletivo.

Borges lembra que o déficit primário com a previdência representa hoje quase 3% do PIB. “Sem ele, a União seria superavitária”, ilustra. Esse tema que também tem sido abordado pelo pesquisador associado do FGV IBRE Fabio Giambiagi em textos de discussão de sua coautoria, em que analisa segmentos que deveriam sofrer mudanças em uma nova rodada de reforma (leia mais aqui). “A gente ainda não conhece os números do Novo Censo em termos de projeção populacional, mas é provável que o processo de envelhecimento da população brasileira seja ainda mais rápido do que os números que temos hoje”, alerta Borges, defendendo que é preciso repensar idade mínima, critérios para cálculo do benefício (taxa de reposição) e o BPC, “que no fundo é uma aposentadoria não contributiva, porque o mesmo valor do piso previdenciário gera um incentivo enorme para a não contribuição de uma parte grande da população”, diz. Desvincular o piso previdenciário do salário-mínimo nacional é uma das recomendações para conter a expansão do déficit. “O salário-mínimo é uma variável que deve sim ser reajustada ao longo do tempo em termos reais, refletindo ganhos de produtividade da mão de obra, mas é uma variável que deve regular o mercado de trabalho, ou seja, a vida de quem está participando ativamente da produção econômica”, defende no texto. Ele também aponta a agenda de reformas pelo lado da receita, que inclui uma redução dos subsídios ao MEI e ao Simples Nacional – tema também tratado pelos pesquisadores do Observatório da Produtividade Regis Bonelli (leia aqui), que destacam o déficit atuarial desses regimes –, bem como uma desoneração horizontal da folha de pagamentos. Borges cita trabalho acadêmico que mostra que a tributação sobre folha no Brasil é tão alta que uma redução horizontal se autofinanciaria, pode conta da redução da informalidade estimulada por uma reforma.

No campo dos mínimos constitucionais para saúde e educação, a defesa de Borges não é uma completa desvinculação, mas um novo desenho desta. Além da pressão para o orçamento dada a regra fiscal do arcabouço, o pesquisador aponta o fato de que a atual vinculação implica alta volatilidade de recursos, não garantindo a previsibilidade que políticas públicas no campo da saúde e educação precisam ter. Para ele, uma proposta mais adequada seria vincular ambas a um modelo que levasse em conta a inflação, para manter o poder de compra, o crescimento populacional – de crianças e jovens no caso da educação, e total no caso da saúde – e algum crescimento real.

Quanto ao Imposto Seletivo, que agora está sendo discutido no Congresso no âmbito da regulação da reforma tributária, Borges enfatiza seu potencial como fonte de receita. Em recente entrevista, o secretário Especial da Reforma Tributária Bernard Appy afirmou que o objetivo do Imposto Seletivo será manter a arrecadação atual do IPI. Para Borges, entretanto, o ideal seria que o Congresso perseguisse uma decisão mais ambiciosa, focada em aumento da arrecadação, incluindo a de um carbon tax. A Cide, contribuição que mais se aproxima de um carbono tax, está praticamente zerada desde 2018, “enquanto o mundo seguiu o caminho oposto, ampliando a taxação relacionada a combustíveis fósseis, como sugere a agenda climática”, lembra Borges. “Ampliando a incidência do Imposto Seletivo – em alíquota e abrangência – podemos combater as externalidades negativas geradas por esses produtos e, de outro lado, reduzir as despesas relacionadas aos efeitos destes na saúde e meio ambiente.  E o aumento de arrecadação, no carbono tax, pode contribuir não apenas para o esforço de consolidação fiscal como para financiar nossa transição energética”, diz.

Borges reconhece que, do ponto de vista político, é uma agenda difícil de ser implementada. “Mas é uma discussão importante de se amadurecer e deixar encaminhada para 2027”, afirma.

 

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