Mudança de meta levanta dúvidas sobre compromisso do governo com consolidação fiscal, afirmam pesquisadores do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A mudança da meta de superávit primário para 2025 e 2026 anunciada ontem pelo Ministério do Planejamento e Orçamento – passam agora a zero e 0,25% do PIB, respectivamente – reforçam a desconfiança sobre a intenção do governo em trabalhar pela consolidação fiscal e estabilidade da dívida, apontam pesquisadores do FGV IBRE consultados pelo Blog.

Braulio Borges, pesquisador do Centro de Política Fiscal e Orçamento (CPFO) do IBRE, considera que essa postergação da busca por superávit, com a manutenção para 2025 da mesma meta de 2024, “levanta sérias dúvidas do compromisso do governo de buscar alguma consolidação fiscal”. Ele lembra que simulações de médio e longo prazo feitas pelo próprio governo federal apontam a necessidade de superávit primário de ao menos 1% do PIB para estabilizar e, eventualmente, encaminhar a dívida pública na direção de queda. “A promessa de iniciar uma ainda tênue consolidação fiscal só a partir de 2026, sob um contexto ainda abaixo do necessário para estabilizar a dívida, é uma sinalização ruim, arranha a credibilidade da política fiscal e econômica e pode ter repercussões negativas na política monetária por vários canais”, afirma.

Meta de resultado primário


Fonte: MPO.

Borges lembra que essa mudança se soma a outro sinal negativo: a aprovação pela Câmara, na semana passada, de um aumento de R$ 15,7 bilhões nas despesas, um crédito suplementar que deve ser antecipado para 2024 mas ainda não está considerado nas contas de 2025. “Outro elemento de destaque na apresentação é que as projeções para a carga tributária como proporção do PIB para 2025-28, seja bruta ou líquida, se mostra estável, o que pode indicar que o governo já pode ter jogado a toalha na identificação de frentes de aumento de carga para cumprir as metas fiscais”, observa. Mesmo no campo da revisão de gastos, as possibilidades apresentadas dentro do PLDO de 2025 pelo ministério – de economia de R$ 37,4 bilhões com mudanças em benefícios previdenciários e no Proagro – foi identificada como modesta por analistas, em suas primeiras manifestações na mídia. Para Borges, o ideal neste momento seria que o governo mantivesse algum compromisso de ajuste – por exemplo, revisando a meta de 2025 para superávit de 0,25%, limite que estaria dentro da meta central realizada no ano passado, de 0,5% do PIB, considerando os limites de 0,25% para cima e para baixo. “Dessa forma, o governo ainda sinalizaria a busca por um resultado fiscal parecido com o que se comprometeu em março do ano passado. Ao contrário, a impressão que se tem agora, olhando as projeções do governo, é de que ele não quer amarras ao crescimento do gasto daqui até as eleições, posto que só em 2027 é que se espera alguma moderação de gasto”, afirma.

Dívida bruta do governo geral (% do PIB)


Fonte: STN/MF. Elaboração: MPO.

“A falta de qualquer consolidação fiscal entre 2024 e 2025 é um sinal muito ruim, especialmente porque estamos parados numa situação que não é confortável”, reforça Livio Ribeiro, pesquisador do FGV IBRE. Para Ribeiro, será importante agora observar o funcionamento dos previstos no arcabouço, que limitam o espaço para aumento de gastos no ano seguinte ao descumprimento da meta. “Isso implica uma limitação de crescimento da despesa a um percentual menor do crescimento das receitas elegíveis no ano anterior, ainda de 70% para 50%. Assim, o nível onde você liga a redução de despesas também fica menor, o que torna mais difícil reduzir o ritmo de crescimento da despesa”, descreve, indicando que a conta do ajuste começa a ficar mais complexa, ampliando as chances de um primário pior.

Tanto Ribeiro quanto Borges destacam que esse contexto ressalta um problema do arcabouço, que é o de concentrar o ajuste no lado das receitas. “Uma regra que muda já no primeiro ano de validade plena mostra suas imperfeições, ao achar que se pode fazer ajuste apenas colocando um piso para o aumento de gastos, com um desenho complexo que reduz a previsibilidade do debate”, diz Ribeiro.

Possibildades de redução de gastos apresentadas pelo Ministério do Planejamento e Orçamento
Economia potencial 2025-2028 em R$ bilhões


Fonte: MPO.

“Se olharmos para a literatura de ajustes fiscais, a consolidação em geral é de uma regra pautada 40% na receita e 60% em corte de gastos”, afirma Borges. “No Brasil, entretanto, nosso histórico de ajuste mostra que trafegamos de um lado para o outro, revelando nossa limitação em ter uma estratégia de consolidação fiscal que olhe para os dois lados da equação.”

 

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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