Espaços coletivos – capital fluminense investe em valorização de parques públicos

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Se em algum fim de semana no Rio de Janeiro um visitante escolher as pistas do Parque do Flamengo para se exercitar, possivelmente irá se deparar com grupos de jovens lutando contra o calor sob becas pretas, junto a familiares, para eternizar a lembrança da formatura com uma foto em uma das icônicas paisagens da cidade, com o Pão de Açúcar de fundo. No próximo mês de novembro, outro grupo formalmente vestido aproveitará esse cenário da Baía da Guanabara, e também os jardins projetados por Burle Marx, para suas fotos oficiais. Será o encontro de chefes de estado do G20, para o qual o Museu de Arte Moderna (MAM) e o Parque passam por uma restauração avaliada em R$ 40 milhões, bancada pela Prefeitura.

A iniciativa do prefeito Eduardo Paes em transferir a cúpula de líderes do G20 do Riocentro, na Barra da Tijuca, para o MAM colabora para valorizar uma das paisagens que são referência do Brasil no exterior. O investimento em parques, entretanto, é mais amplo na agenda da Prefeitura e vai além dos cartões-postais da cidade. Em 2024, o plano é inaugurar – total ou parcialmente – cerca de cinco parques em regiões carentes de espaços públicos cuidados e verdes, somando cerca de 400 mil metros quadrados. “A inspiração para esse projeto foi a importância que o Parque de Madureira ganhou para a Zona Norte da cidade”, contou Eduardo Cavaliere, secretário Municipal da Casa Civil, no primeiro seminário da série “Reflexões Urbanas”, promovido pela FGV Conhecimento, em abril. O Parque de Madureira foi inaugurado em 2012 e posteriormente expandido, tem 450 mil metros quadrados e atravessa cinco bairros, onde se estimava uma densidade de menos de 1 metro quadrado de área verde por habitante. Hoje, é ocupado por cerca de 15 mil pessoas nos fins de semana, que aproveitam, entre outros, de quadras, playgrounds, ciclovias e a programação musical nos quiosques, que vai de samba a rock, além de um teatro a céu aberto com palco de 170 metros quadrados – em dia de eventos, a ocupação do parque chega a 35 mil pessoas. “A expansão por etapas nos permitiu entender a dinâmica de apropriação do espaço pela comunidade e aprimorar o projeto”, disse Ruy Resende, arquiteto e urbanista da RRA, responsável pelo projeto do Parque de Madureira.

Entre os parques novos está o de Realengo (imagem do projeto à esquerda), com 76 mil metros quadrados, que terá entre seus atrativos cinco torres de iluminação inspiradas no Gardens by the Bay, reconhecido ponto turístico de Singapura, além de espaços para esporte, atividades culturais e lojas montadas como um mercado popular, para organizar o comércio que atuava antes da construção. “Foi um parque que nasceu por demanda da própria população, por ser uma região árida, sem espaço de lazer”, afirmou Cavaliere. O maior projeto é o Parque Oeste, na avenida Cesario de Melo, com 234 mil metros quadrados onde estão previstos escola, creche, e para onde irá a piscina dos Jogos Olímpicos em que nadou o recordista americano Michael Phelps. “Esse parque também inclui quase 1 milhão metros quadrados de área reservada, de reflorestamento”, completou Cavaliere. A maioria dos projetos partem do zero, mas também há a requalificação de áreas, como o Boulevard Rita Lee, que serviu caminho de conexão entre as arenas do Parque Olímpico, na Barra da Tijuca, e agora ganha árvores e novas alternativas de lazer e prática de esportes, como uma pista de skate e uma esplanada destinada a eventos em frente à Lagoa de Jacarepaguá.

“Diferentemente das casas, parques são espaços em que as pessoas geram coletividade”, afirmou Luby Springall, arquiteta e artista plástica mexicana, sócia da Gaeta-Springall Arquitectos. No seminário, Springall descreveu a experiência de liderar projetos de parques no México, como alguns em Iztapalapa, na Cidade do México, região marcada por uma urbanização desordenada e irregular, com a maior densidade demográfica do município e também os maiores índices de violência. As soluções, descreve, foram sendo desenhadas conforme o espaço e as necessidades. Boa iluminação e arborização foram a base para estimular o convívio um dos parques, cujo espaço se assemelha a um corredor entre ruas. Em outro, aos equipamentos esportivos e culturais se somou um espaço para um lago ou atividades múltiplas, dependendo da época do ano, se de estiagem ou de chuvas. “Garantir a promoção de oficinas e espaços para as mulheres foi uma necessidade especial em um dos parques, dado o alto índice de violência à mulher registrado na região”, descreveu. “Para que as pessoas se apropriem dos parques, é preciso que sejam seguros, inclusivos e adequados a seus contextos.”

Concessão de parques

Um desafio não menor para esses projetos maiores é o do financiamento de sua manutenção. No Rio, a prefeitura contratou o BNDES em 2023 para estruturar concessões à iniciativa privada. Os estudos estão sendo feitos tomando sete parques como âncoras: Quinta da Boa Vista, Parque de Madureira, Aterro do Flamengo e Parque Tom Jobim (Lagoa), e os parques naturais Dois Irmãos e o Complexo de Marapendi, que inclui os parques Marapendi e Nelson Mandela.  A cada um se somarão outros parques chamados satélites, selecionados não por sua proximidade, mas por formar um conjunto considerado equilibrado quanto à potencial geração de receita versus custos de manutenção. Em todos os casos, o acesso aos parques permanece gratuito, tendo a concessionária que buscar fontes de receita na exploração de negócios como espaços publicitários e comerciais.

No evento, Robson Enéas, chefe do Departamento de Estruturação de Projetos de Infraestrutura Socioambiental no BNDES, ressaltou que não se trata de um trabalho rápido. “Trata-se de um contrato administrativo que depende, de um lado do equilíbrio financeiro e, de outro, do interesse público, que deve ser debatido com a sociedade de forma ampla”, afirmou. Mesmo com a previsão de obras e melhorias em contratos de concessão, Enéas ressalta que o maior peso em contratos que podem durar 30 anos é de manutenção, com cerca de 80% do total. “Concessões de parques são novas, e não são simples. Experiências como o Parque do Ibirapuera, em São Paulo, demonstram que as opiniões se dividem. Trata-se de um instrumento válido, do qual é preciso avaliar a necessidade.”

A prefeitura do Rio já tem dois contratos de concessão assinados, um do Parque da Catacumba, na região da Lagoa, e outro para o Jardim de Alah, que divide os bairros de Ipanema e Leblon. Este último, cuja licitação vencida pelo Consórcio Rio + Verde envolveu o compromisso de investimento de R$ 110 milhões em melhorias e R$ 20 milhões por ano para manutenção e operação, por um prazo de 35 anos, ainda é contestado pelos moradores da região, que alegam que o projeto poderá comprometer a vegetação do lugar.  

“Já abrimos para receber contribuições iniciais para o debate em torno dos novos projetos”, afirmou Jorge Arraes, secretário Municipal de Coordenação Governamental - Gestão de parques urbanos, destacando que os parques que serão inaugurados agora serão inicialmente operados pelo município, entrando na fila para uma segunda rodada, sob o mesmo conceito de parques âncoras e satélites. “A ideia é que se garanta a capacidade de atração de recursos necessária, e todos sejam bem mantidos e operados”, afirmou. “Queremos ser referência nacional na concessão de parques.”

Para Arraes, a vantagem das concessões é simplificar contratos de gestão para a Prefeitura. “Ao invés de termos contratos de limpeza, iluminação, deterização etc, a concessionária é quem faz essa gestão de uma vez, simplificando a operação, criando sinergia na administração dos parques e economia de recursos”, defendeu, sinalizando que à prefeitura caberá uma verificação objetiva da prestação do serviço, além de acompanhar pesquisas de satisfação periódicas com os usuários.

O primeiro lote de parques estruturado pelo BNDES tem como âncoras o Parque de Madureira e o Dois Irmãos, e quatro satélites: Garota de Ipanema, Parque da Cidade, Orlando Leite e Pinto Teles, e até abril a previsão era de que a consulta pública fosse aberta neste mês de maio. “Em termos de melhorias, o projeto prevê serviços como de mobilidade ativa e novos atrativos. No estudo, o BNDES especifica em cada parque investimentos obrigatórios e outros facultativos, sobre os quais as concessionárias podem oferecer propostas. Nossa ideia é publicar o edital desse primeiro lote em junho”, afirmou.

 

Inscreva-se no X Seminário de Política Monetária, que contará com a presença do presidente do Banco Central e economistas convidados. Na ocasião será prestada uma homenagem ao professor Affonso Celso Pastore, falecido recentemente.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir