FGV IBRE conclui reconstituição da série histórica do Índice de Confiança da Indústria

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Indicadores de alta frequência são hoje ferramentas fundamentais para se estimar a temperatura da economia no curto prazo, bem como identificar pontos de virada nos ciclos econômicos. A necessidade de aprimoramentos ao longo do tempo para torná-los cada vez mais aderentes à realidade do país, entretanto, impede que a evolução contada por esses indicadores seja analisada diretamente, sem um tratamento adequado dos dados para compatibilizá-los a tais mudanças.

Para colaborar com o trabalho de pesquisadores e analistas, e em comemoração ao 70⁰ aniversário do FGV IBRE, o departamento de estatísticas públicas do IBRE completou este mês a reconstrução da série histórica de seu mais antigo indicador, o Índice de Confiança da Indústria (ICI), que agora inclui informações a partir de meados de 1960. A série completa está disponível para consulta pública no Portal do Ciclo Econômico

A trajetória do Índice de Confiança da Indústria da FGV começa há exatos 55 anos, quando em outubro de 1966 foi lançada a Sondagem Conjuntural da Indústria, com periodicidade trimestral, inspirada em pesquisas similares realizadas na Alemanha e na França. Estudo publicado pela Cepal em 2008 classifica essa Sondagem como “a primeira de tendência contínua da América Latina”. Claudia Perdigão, economista responsável pelo ICI, ressalta que o outro indicador referência para a atividade do setor no Brasil, a Pesquisa Industrial Mensal (PIM-PF) do IBGE, era ainda um projeto, a ser lançado em meados da década de 1970.

Desde então, e mantendo a observação de práticas internacionais, essa sondagem foi recebendo atualizações metodológicas e tecnológicas. Em 2000, houve a implantação de um ambiente web para coleta de informações, e a adoção da frequência mensal aconteceu em 2005, para citar algumas dessas mudanças ocorridas. Nesse percurso, parte das informações da Sondagem teve de sair da divulgação como séries históricas. Em 2004, o início da série limitava-se a 1995; a partir de 2005, passou a incluir dados de 1980 em diante. Mas ainda faltavam 14 anos para se completar o trabalho. Para encadear as informações pré-80 à série histórica, Claudia conta que foi necessário o desenvolvimento de proxys não só do ICI no agregado, como de parte de seus componentes: os indicadores de Situação Atual e de Expectativas, que passaram a fazer parte da Sondagem em 1995, e sofreram reformulação em 2000. 

Série histórica do ICI


Fonte: FGV IBRE

Com essa recuperação completa, agora o Índice de Confiança da Indústria agrega à sua série o período de ouro da indústria brasileira. De 1967 a 1980, o PIB real da indústria da transformação do país mais do que triplicou.  Pelo ICI, é possível identificar que o aumento da confiança da indústria nesse período coincide com o impulso dado pelo lançamento do Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED), sob a égide da política de substituição de importações que marcou esse período, focado em ampliar o investimento em infraestrutura e estimular a ampliação do mercado interno, especialmente a demanda por bens de consumo duráveis. O grande salto da confiança do setor industrial  veio às vésperas do primeiro choque do petróleo, em 1973, sob a égide do primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), quando o indicador alcançou o maior nível de toda a série histórica. “Entre 1972 e meados de 1974, o Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci) apresentou tendência de alta em ritmo mais acelerado, chegando a superar 90% no decorrer de 1973”, aponta Claudia.

A indústria manufatureira ainda manteve sua melhor participação na atividade, de 20% do PIB, até 1980, impulsionada pelo segundo PND, período que ainda marcou o desenvolvimento de segmentos de insumos intermediários como petroquímica, fertilizantes, papel e celulose, e de bens de capital como equipamentos de transporte e máquinas e equipamentos. Mas a aposta brasileira de bancar as consequências do desarranjo do mercado mundial do petróleo, ampliando o endividamento externo para manter investimentos, passou a cobrar seu preço, lembra o pesquisador do FGV IBRE Paulo Picchetti. “A crise que crescia enquanto investia-se na industrialização esgotou a fonte externa de financiamento. A partir daí, o governo passou então a recorrer à fonte interna, pagando seus compromissos de dívida com criação de moeda - ou seja, inflação”, lembra. A tentativa de conter o processo hiperinflacionário dada pelo Plano Cruzado foi o segundo maior pico de otimismo registrado pelo ICI. “Foi um momento de grande expectativa, de que se havia achado uma bala de prata. Mas alguns economistas já alertavam que o problema essencial do processo inflacionário, o desequilíbrio fiscal, não estava sendo resolvido”, descreve Picchetti.

Pela fotografia da série histórica do ICI, é possível verificar reações de confiança da indústria antecedendo outras recessões identificadas pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace). Com exceção da nova década perdida, de 2010, quando a confiança industrial operou na maior parte do tempo em terreno negativo ou neutro. E da qual ainda não havia se recuperado quando a pandemia de Covid-19 chegou, levando a confiança do setor ao segundo pior recuo da série, perdendo apenas para o índice registrado no início da recessão de 1989-92, marcada por uma  hiperinflação que chegou a 1.620% em 12 meses, medidas polêmicas como o confisco da poupança, e uma política de abertura comercial.

Apesar da rápida recuperação da confiança da indústria em geral depois do período mais crítico do isolamento, em boa parte provocada pelo aumento da demanda por bens em substituição ao consumo de serviços, restrito pela pandemia, Picchetti lembra que o panorama para a indústria é preocupante, frente ao cenário inflacionário e de persistência na desestruturação da cadeia de insumos. E que já se reflete no ICI, que há três meses registra queda, apesar de ainda se manter acima do nível pré-pandemia. “No caso brasileiro, o problema da cadeia de suprimento, que é mundial, soma-se a outros fundamentos domésticos que comprimem a demanda. Vemos que a recuperação observada até o primeiro semestre, na verdade, recolocou a indústria em sua tendência pré-pandemia, andando de lado”, afirmou.

Para Maurício Canêdo, pesquisador associado do FGV IBRE, a tendência de se buscar soluções à concentração excessiva na produção de alguns produtos, o que colaborou para o colapso na cadeia global de suprimentos, em políticas de apoio à produção local como observadas em alguns países desenvolvidos precisa ser analisada com cautela pelo Brasil. “Em primeiro lugar, porque nosso lapso de competitividade ainda é grande na maior parte dos segmentos, fruto de não termos nos livrado das amarras protecionistas do início de nossa industrialização, inspirada em políticas de substituição de importações”, afirma, lembrando que o país ainda se encontra entre as economias mais fechadas do planeta, o que se reflete em sua estrutura tarifária.  “O otimismo com o setor industrial desses anos de ouro não era sustentável - outros países que buscaram um desenvolvimento industrial com maior abertura mantiveram mais participação desse setor na economia -, e não se pode repetir o mesmo erro”, afirma. “Além disso, o desarranjo macroeconômico e institucional que temos, refletido em uma alta flutuação cambial, é ruim para qualquer atividade econômica, mas especialmente para a indústria, que sofre concorrência internacional”, ressalta, lembrando que a questão fiscal é um problema que acompanha o país há 40 anos e joga contra a o desenvolvimento de atividades com alta produtividade.  Para Canêdo, o ideal, no caso brasileiro, é se pensar em como ajudar setores em que o Brasil tem potencial de ser competitivo, como o de energias renováveis, sem comprometer o caixa, e incentivar investimentos em inovação, como através de parcerias entre empresas e universidades. “No mais, nossa questão ainda é macroeconômica. Pois não há política industrial que possa resolver nosso problema fiscal e garantir mais previsibilidade ao investidor”, conclui.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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