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“Nossa maior tragédia não será envelhecer, mas ficar velho e pobre”

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A frase, de Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do FGV IBRE, em entrevista à revista Conjuntura Econômica, é a evidência dos efeitos do fim do bônus demográfico, fruto de importantes mudanças estruturais que ocorrerão no Brasil nos próximos anos, em função do rápido envelhecimento da população.

As discussões que têm sido feitas sobre o fim do bônus demográfico têm se restringido, em sua grande maioria, aos impactos no sistema previdenciário, que ficará mais sobrecarregado. Mas as mudanças que vêm ocorrendo na sociedade terão um efeito mais amplo, se espraiando das mais variadas formas. E isso vai demandar do Estado uma mudança de estratégia, reorganizando os seus gastos para evitar fortes desequilíbrios.

Veja alguns pontos da entrevista da revista, que você poderá acessar gratuitamente no Blog da Conjuntura, a partir da próxima semana:

• Ao mesmo tempo em que passamos a ter mais idosos, com pessoas que estão no mercado de trabalho se aposentando e a base encolhendo devido a uma proporção menor de jovens, também geramos um problema sobre o PIB. Enquanto vivemos o bônus demográfico – período em que o crescimento da população em idade ativa se dá a um ritmo mais acelerado que o do total da população –, garantimos certo crescimento do PIB per capita sem muito esforço. De 1980 para cá, o bônus demográfico contribuiu em média com 0,4 ponto percentual do PIB per capita. Como o fim desse bônus, para crescer o mesmo que crescíamos antes, precisaremos de muito mais produtividade. Sem isso, em 2050 nosso PIB potencial cairá de forma substancial.

• O fato é que hoje envelhecemos com um sério problema previdenciário, somado a outras implicações que vêm juntas. Por exemplo, pode-se dizer que o benefício de 1 salário-mínimo ao idoso de baixa renda que não conseguiu se aposentar possibilitou a criação de uma rede de cuidado dentro da própria família, que passou a contar com o apoio financeiro dessa aposentadoria. Agora, entretanto, com a tendência a núcleos familiares menores, com poucos ou nenhum filho, não adiantará apenas o benefício, pois faltará gente para cuidar desse idoso. Vale lembrar que estamos falando de um tipo de cuidado diferente pois, à medida que se envelhece, começam a surgir doenças crônicas, como problemas de locomoção que demandam uma atenção especializada. É o que chamamos de long term care, que na Europa representa um gasto acima de 1% do PIB, e que teremos que encaixar no orçamento. Ou seja, será preciso uma resposta pública, o Estado tomando a dianteira para cuidar dessa quantidade de idosos que as famílias não conseguirão tomar conta.

• A demanda por serviços públicos sofrerá uma mudança importante, e precisamos discutir onde o Estado terá de atuar mais e menos para reorganizar esses gastos e não gerar mais desequilíbrios.  Veja o exemplo da educação. Nessa área, devemos ter uma redução de gastos, posto que haverá uma diminuição gigantesca no número de alunos – tendência, aliás, que já está em curso. Entre 2015 e 2020, o número de pessoas entre 0 e 17 anos no país reduziu-se em 2,2 milhões; entre 14 e 15 anos, a queda foi de 530 mil. Levando em conta apenas o grupo em idade escolar, são cerca de 400 mil matrículas a menos por ano.  É claro que esse ritmo de queda também tende a se reduzir adiante.  De qualquer forma, entre 2015 e 2030 serão cerca de 5 milhões de crianças a menos. Sob esse contexto, cabe perguntar: faz sentido manter o percentual de gasto com educação que temos hoje, enquanto a demanda por gastos com saúde irá aumentar?

• Se levarmos em conta só o fator demográfico, o gasto por aluno, que hoje é de 5% do PIB, cairia para a faixa de 3% para manter a qualidade que temos e que, de fato, precisa melhorar. Mas o que precisamos questionar é: temos conseguido relacionar aumento do gasto a melhor desempenho escolar? Historicamente, a resposta é não. Também se pode argumentar que a manutenção do nível de gastos seria positiva porque permitiria reduzir o tamanho das turmas, e uma relação mais próxima com o professor poderia melhorar a qualidade do ensino. Ainda que fossem assim, são temas que não estão sendo discutidos. Simplesmente estamos tocando o barco, fingindo que as coisas não estão mudando.

• Precisaremos de uma mudança na atuação do Estado. Ele pode ter menos escolas, ou mais escolas em tempo integral, mas isso demanda planejamento, que não se faz da noite para o dia. O que não se pode ignorar é que essa pressão demográfica é ampla e irrestrita. Ela não aconteceu só com aposentadoria, e não acontece só com o menor crescimento do PIB per capita. Ela está espalhada na sociedade de várias formas, e temos que buscar adaptar as políticas para que deem conta dessa mudança.

• Quanto à questão das mudanças estruturais e o impacto de políticas, o que se pode dizer é que é difícil achar que nos próximos 50 anos o emprego com carteira continuará a ter a mesma importância que tem hoje no Brasil. Logo, sustentar o sistema sobre essa base é um problema. Não se trata somente do fato de o percentual de pessoal ocupado estar diminuindo, mas que possivelmente haverá menos gente contribuindo da forma como contribui hoje em dia. Então, é preciso que as pessoas que hoje entrsm no sistema considerem que ele sofrerá mudança ao longo do tempo. E tomar cuidado com soluções que têm sido dadas e que transformam a pessoa em um contribuinte que aporta menos, como é o caso do MEI.

Veja: Estudo do FGV IBRE sobre o MEI ganha destaque na mídia. A recomendação é reformar, e não ampliar esse regime.

• No Brasil, além de termos um problema demográfico, temos políticas públicas que contribuem para reduzir a sustentabilidade previdenciária ao longo do tempo, o que reforça o diagnóstico de que isso será um problema adiante. O Estado brasileiro não pode fingir que isso não acontecerá. A reforma da Previdência desarmou a bomba, mas não quer dizer que outros problemas não irão surgir. A reforma foi um passo na direção correta, mas não parece ser uma solução permanente para um problema dinâmico – por exemplo, como como será o mercado de trabalho no futuro. E, obviamente, partir para soluções que deem direitos sem que os trabalhadores arquem com custos só aumenta o problema.

• No campo burocrático, poderemos contar com menos gente para atender o cidadão mais novo, e concentrar a atenção na população idosa menos adaptada a resolver suas questões no ambiente digital, e que ainda demandará atenção presencial. Se não pensarmos nisso agora, também teremos uma rede pública pesada e pouco eficiente. Um dos elementos que temos que considerar, no geral, é o de garantir mais flexibilidade para transferir servidores conforme a demanda por determinados serviços mude, com as condições demográficas se alterando. Nesse campo, a reforma administrativa poderá ajudar. O fundamental, como disse, é que de fato comecemos a pensar nessa reorganização.

Leia a íntegra da entrevista na revista Conjuntura Econômica de fevereiro, disponível gratuitamente no Blog a partir de segunda (13/2).

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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