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Crianças sem futuro

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Durante o período mais duro da pandemia da Covid-19 que, infelizmente, ainda assusta com aumento de casos, especialmente na China, a educação foi um dos setores que mais sofreu. Milhões de crianças deixaram de ir à escola. No Brasil e em outras partes do mundo, onde a desigualdade é enorme, o acesso instável à internet limitou, ainda mais, o aprendizado.

Muitas análises foram feitas sobre os efeitos que isso trará para a formação de mão-de-obra mais qualificada, melhorando nossa produtividade que tem engatinhado nos últimos anos como mostra o Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE. O que é uma trava essencial para o crescimento econômico.

Na pandemia escrevi muito neste espaço sobre isso. Mas esta semana, ao receber um gráfico sobre o aprendizado de crianças de 6 a 7 anos de idade, me assaltou uma enorme angústia. Entre 2016 e 2019, havíamos conseguido ter as porcentagens mais baixas de crianças nessa faixa etária que não sabiam ler nem escrever. Percentuais que oscilavam entre 24% e 26%. Mesmo assim, elevados. Em 2020, houve um salto para 32,9% e, no ano passado, nada menos do que 40,8% das crianças brasileiras entre 6 e 7 anos de idade não sabiam ler nem escrever. Uma catástrofe. Uma legião de crianças que estão sem futuro.

Percentual de crianças de 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever no Brasil


Fonte: IBGE/Pnad Contínua. Elaboração: Todos Pela Educação.

Não há dúvidas de que a pandemia foi o principal fator para essa enorme piora. Mas, também, a falta de estrutura das escolas, especialmente públicas, professores com pouca qualificação, falta de computadores, redes de internet, e políticas erráticas na educação alimentaram essa situação.

Mas se essa enorme piora na educação das crianças é visível pelos números – não podemos nos esquecer dos adolescentes que, também, tiveram interrupção ou piora no aprendizado –, há outros, porém, de difícil mensuração, mas que são tão ou mais cruéis, transformando a vida dessas crianças em um verdadeiro inferno.

Alguns pontos que gostaria de destacar:

• Fome – Na maioria das escolas públicas havia distribuição de refeições gratuitas, como café da manhã, almoço. Sem aulas, as crianças mais vulneráveis ficaram sem merenda, um substituto da alimentação em casa, já que os pais não tinham condições de bancar.

Com relação à fome, há muitos estudos que mostram que a situação brasileira piorou, e muito. Entre eles, estudo da Universidade Livre de Berlim apontou que em 2020 59,4% da população brasileira se encontrava em situação de insegurança alimentar: cerca de 125 milhões de pessoas. Quadro bem diferente de alguns anos atrás: em 2004, por exemplo, 60% dos domicílios brasileiros estavam na categoria de segurança alimentar, ou seja, não tinham nenhum risco de passar fome. Em 2009, chegou a 77%. Outro levantamento, também referente a 2020, apontou que naquele ano 55,2% das famílias brasileiras tinham algum grau de insegurança alimentar, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan): um aumento de 54% desde 2018, quando a insegurança alimentar estava na casa dos 36,7%.

Agora, com a inflação que se espraiou por toda a economia, o quadro fica ainda mais difícil, com maior impacto sobre os mais pobres, embora as camadas mais ricas da população também estejam sentindo o peso da inflação no bolso. Já há gente qualificada projetando uma inflação beirando os 10% este ano. O Boletim Focus, do Banco Central, pela 16ª vez subiu sua projeção de inflação em 2022: agora a taxa é de 7,89%.

Na última quarta-feira, 4, o FED, Banco Central dos Estados Unidos, aumentou em 0,5 ponto percentual a taxa básica de juros, a maior desde 2000, para enfrentar a inflação crescente que chegou a 8,5% em março A decisão é ruim para o Brasil e países emergentes, já que papéis norte-americanos se tornam mais atrativos com taxas de juros mais elevadas. E a sinalização é que pode haver uma nova alta de juros se a inflação não ceder. O que pode levar a uma pressão maior nas cotações do dólar, o que não é uma boa notícia para a inflação brasileira.

Por aqui, o Banco Central também subiu a taxa básica de juros em um ponto percentual, levando a Selic para 12,75%, o maior patamar desde fevereiro de 2017. Na próxima reunião, é esperada nova alta. A decisão é para conter a inflação que, segundo informou o BC, deve-se ao “ambiente externo que seguiu se deteriorando (...), que se intensificou com problemas de oferta advindos da nova onda de Covid-19 na China e da guerra na Ucrânia”. Esse foi o décimo aumento seguido da Selic, que chegou ao patamar mais alto desde janeiro de 2017.

A evolução da taxa Selic
(em % ao ano)


Fonte: Banco Central do Brasil

A dura vida de L... – Os preços estão pela hora da morte

• Violência doméstica – Com o confinamento, aumentaram os casos de violência doméstica, especialmente para as meninas. Há milhares de relatos de casos de gravidez precoce. E, também, que essas meninas foram relegadas a trabalhos domésticos. Outros fatores de interrupção do ensino.

• Aumento da evasão escolar – Embora não existam dados sobre evasão escolar que retratem com fidelidade o que realmente aconteceu, é bastante provável que tenha havido uma forte evasão no período da pandemia. O pior é que boa parte dessas crianças pode não ter retornado às salas de aula.

• Despreparo dos pais – Sem aulas, com ensino remoto, quando era fornecido, a responsabilidade de ajudar as crianças recaiu sobre os pais. Nas camadas mais pobres, com muita gente não completando o primeiro grau ou o ensino médio, foi uma tarefa inviável. O que piorou, ainda mais, o aprendizado.

• Interrupção do aprendizado – Aumenta o déficit em habilidades básicas como ler e escrever ou somar e subtrair, essenciais para avançar nos próximos níveis. Para os que estariam se formando, o problema é que suas perspectivas de ingressar no ensino superior ou no mercado de trabalho se tornam mais difíceis.

Com o arrefecimento da pandemia, o tema educação quase que sumiu dos noticiários. O que me parece um enorme erro, pois um país sem educação é um país sem futuro.

Agradeço a Silvia Matos, pesquisadora do FGV IBRE, pelas contribuições para a elaboração do texto.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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