Em Foco

A energia e os impactos sobre o Brasil

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

A escalada dos preços da energia no mundo, com fortes impactos sobre a economia brasileira, pode ser caracterizada por, pelo menos, três fatores conjunturais: 1) o forte aumento da demanda de combustíveis, em meio ao significativo crescimento mundial em 2021 e ao projetado para 2022, consolidando a rápida reversão do quadro econômico fortemente recessivo, característico de 2020, devido aos efeitos devastadores da pandemia da COVID-19; 2) as condições climáticas adversas, com temperaturas elevadas na Europa e na Ásia, levando a um aumento no consumo de energia; e 3) instabilidades geopolíticas, como o aumento da tensão entre Rússia e Ucrânia e problemas no Oriente Médio.

Em artigo publicado na revista Conjuntura Econômica deste mês, os economistas José Roberto Afonso, Geraldo Biasoto Jr e Murilo Ferreira Viana destacam que, além da questão conjuntural, o setor de energia também foi impactado pelos “efeitos da ambiciosa política de transição energética global. A crescente preocupação com o aquecimento global, manifestada em acordos internacionais e políticas nacionais e empresariais associadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e ao Enviromental, Social and Governance (ESG), tem pressionado pela rápida transição de uma economia global baseada em combustíveis fósseis (altamente poluentes) para uma outra, alicerçada em energia renovável de baixa pegada de carbono.

A sinalização e a exigência – meta de fim de emissão líquida de carbono, finanças verdes, ESG etc. – de uma nova economia baseada em energias renováveis têm deprimido o investimento em fontes energéticas não renováveis, ainda predominantes na economia global”.  

Os autores sinalizam que “há anos os investimentos em expansão ou mesmo na manutenção da capacidade de geração de energia não renovável têm sido reduzidos, fenômeno aprofundado com a pandemia e sem perspectiva de reversão no pós-pandemia. não renovável para fazer frente ao rápido avanço da demanda por energia no mundo”.

Outro fato relevante que ocorreu no mercado de energia foi que em 2020 os os países pertencentes à OPEP e seus aliados (OPEP +) absorveram a maior parte do choque de oferta, cortando de forma significativa a produção. Entretanto, em 2021, a recomposição da oferta de petróleo por parte da OPEP + se mostrou bastante paulatina, seja por interesses do cartel em questões geopolíticas, na busca de manutenção de preços internacionais elevados, seja ainda pelo baixo nível de investimento em capacidade de produção do petróleo.

“Tal fenômeno contribui consideravelmente para a manutenção do descompasso entre oferta e demanda de petróleo no cenário internacional. O preço do petróleo tem sido pressionado pelo aumento excepcional do preço do gás natural, já que, no curto prazo, derivados do petróleo têm ganhado competitividade como substitutos na geração de eletricidade. Segundo estimativas do Morgan Stanley, o petróleo ainda representa 31% da oferta primária de energia global. Entretanto, sua contribuição como fonte adicional de oferta de energia está abaixo de 20%, com tendência de queda ao redor de 0,5% ao ano, especialmente com a perspectiva de eletrificação dos meios de transporte”. 

Em vista do elevado peso do petróleo como fonte energética mundial e da baixa elasticidade-preço da oferta desse combustível, em meio à transição energética, diversos bancos e instituições financeiras estimam que o mercado global de petróleo deva continuar pressionado nos próximos anos, contribuindo para a manutenção de preços mais elevados em relação aos últimos anos.

Conforme mencionam os autores, estimativas do Goldman Sachs apontam que o preço do petróleo tipo Brent deve alcançar US$ 100 por barril, ainda no terceiro trimestre de 2022, chegando a US$ 105, no primeiro trimestre de 2023. Na média de 2022, segundo as expectativas, o preço deve se situar em US$ 96 por barril, alta superior a 35% ante o preço médio de 2021 (US$ 70). E o impacto sobre a economia brasileira é agravado pelo câmbio desvalorizado.

“Em cenário de forte e duradouro período de preços internacionais elevados e de real desvalorizado, o preço dos combustíveis em reais apresenta vertiginoso crescimento. Em 2021, os combustíveis subiram quase 50%, sendo o principal fator para a alta de 21% nos preços de transportes, que contribuiu com  4,19 p.p. dos 10,06% de avanço do IPCA no ano”.

Segundo estimativas do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), se o preço médio do barril, em 2022, se situar em US$ 80, os preços da gasolina e do diesel podem subir 13,4%, em relação a 2021. Já nos cenários de preços em US$ 90 e US$ 100, os preços em reais da gasolina e do diesel devem avançar expressivos 27,5% e 41,7%, respectivamente. No cenário de US$ 100 o barril, a depender do estado, a gasolina poderá alcançar R$ 10, e o diesel, R$ 8.

Para os autores, é evidente que a escalada de preços também impacta diversos setores da economia. “Do ponto de vista dos transportes, os mais diferentes modais são atingidos.  No caso do transporte rodoviário de cargas (TRC), estimativa realizada pela ESALQ-LOG aponta que, na média, o custo com combustível representa quase 39% do custo total de um veículo típico de transporte de grãos, para uma distância percorrida de 1.000 km.

Já no caso do transporte público coletivo, a NTU estima que o dispêndio com combustível represente, em média, quase 27% do custo total incorrido pelas empresas. Trata-se da segunda maior categoria de custo operacional, atrás apenas daquele decorrente de mão de obra.

O choque nos custos de combustíveis significa assim uma nova e relevante fonte de aprofundamento da crise econômico-financeira vivenciada pelas empresas do setor de transportes. A NTU calcula que os prejuízos acumulados pelas empresas operadoras de serviços de transporte público por ônibus urbano em todo o país e pelos poderes públicos concedentes tenham alcançado expressivos R$ 21,37 bilhões, desde o início da pandemia. A queda do número de passageiros e a obrigatoriedade de oferta de frota para atender às necessidades de distanciamento social contribuíram muito para este resultado. Diante dos expressivos prejuízos acumulados, as tarifas dos transportes públicos podem chegar a subir 50% neste ano”.

Ver mais na revista Conjuntura Econômica

Leia também: Elbia Gannoum, da #Abeeólica, afirma que inflação da energia deve levar a revisão da estratégia de descarbonização, mas que isso não inviabiliza a meta de neutralizar emissões até 2050.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir