Em Foco

Um barulho desnecessário

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

A ômicron, a nova variante do coronavírus, que surgiu recentemente, ainda é uma incógnita. As informações são ainda insuficientes para uma avaliação mais concreta sobre os seus efeitos. No entanto, a nova cepa, que passou por grandes mutações, causa alarme entre cientistas e governos e muitos acreditam que ela se tornará predominante devido à rapidez com que se propaga, já tendo se disseminado por mais de 57 países.

Isso tem levado cientistas a insistirem na manutenção das medidas de prevenção como forma de minimizar a propagação do vírus. Além disso, a Europa sofre nova onda da Covid-19. Mais de 60 mil casos diários foram registrados na última terça-feira na França, com a média móvel de novos contágios nos últimos sete dias superando a casa dos 44 mil, 48% a mais do que a média encerrada na terça da semana anterior. Há aumento de internações, com o sistema de saúde começando a dar sinais de exaustão.

A França já vacinou pouco mais de 76% da população. Até a semana passada, 19,37% dos franceses afirmavam que não iriam se vacinar, enquanto 2,19% não sabiam se iriam se imunizar.

Na Alemanha, o novo chanceler Olaf Scholz assume o governo em um momento bastante delicado, com o número de mortos batendo recorde essa semana, o mesmo ocorrendo com novos infectados que superaram mais de 69 mil na última quarta-feira.

Até agora, pouco mais de 69% da população alemã está totalmente vacinada. O governo já havia adotado medidas mais duras para conter a disseminação do vírus, com restrições de mobilidade para pessoas não vacinadas. Segundo levantamento do Our World in Data, 23,18% dos alemães disseram que não querem se vacinar, enquanto 5,48% ainda estão em dúvida. (ver Em Foco do último dia 3 de dezembro).

O novo ministro da Saúde alemão, o deputado e epidemiologista Karl Lauterbach, é um defensor da vacinação obrigatória e imposição de lockdown contra o novo coronavírus. Terá uma árdua tarefa pela frente.

Em Portugal, o país europeu que mais vacinou, com uma taxa ao redor de 87%, também assiste um aumento de novos contágios, passando a adotar medidas mais rígidas de controle. Além do passaporte de vacina para entrar em bares, restaurantes e outros locais – bem como na entrada no país –, as aulas que começariam dia 2 de janeiro foram postergadas para dia 9. Não é a mesma rigidez quando a pandemia estava em seu auge, mas são ações de prevenção. Em Portugal, cerca de 37 casos da nova cepa já foram registrados.

Na África do Sul, onde parece ter surgido a nova variante – há quem afirme que casos foram detectados na Holanda antes do continente africano – o número de casos dobrou na semana encerrada em 5 de novembro, quando passou de 62 mil.

Aumentos de incidência "muito grandes" são vistos na Suazilândia, Zimbábue, Moçambique, Namíbia e Lesoto, conforme informe da Organização Mundial de Saúde (OMS). Até agora, os números de contaminados na África, onde apenas 3,08% da população foi vacinada, ainda era relativamente baixo, em relação ao resto do mundo.

Por outro lado, em Botsuana, onde se descobriu a variante, com cerca de 71% de sua população vacinada, não há registros de aumento das internações e de mortes pelo coronavírus. Para o ministro da Saúde, há uma tendência que começa a ser notada de que os casos mais graves são de pessoas que não se vacinaram.

A nova variante trouxe, novamente, uma corrida dos cientistas e laboratórios na pesquisa sobre a eficiência das vacinas contra essa nova mutação, e a discussão sobre a obrigatoriedade da vacina e a imposição de passaportes vacinais.

A BioNTech e a Pfizer anunciaram na última quarta-feira (8) que três doses de sua vacina contra o coronavírus seriam capazes de neutralizar a nova variante, segundo estudos feitos em laboratório, e que podem, se for o caso, entregar uma vacina específica para combater a nova cepa em março de 2022. A Sinovac, fabricante da Coronavac, também já havia informado que até março do ano que vem terá uma vacina pronta para enfrentar a nova variante. Já o Organização Mundial de Saúde (OMS) jogou um balde de água fria ao afirmar que ainda é cedo para se ter certeza de que três doses da vacina combatem a nova cepa. Segundo a entidade, nas próximas semanas é possível ter melhores evidências sobre a questão.

Enquanto isso, o governo brasileiro, depois de muito barulho, em que afirmava que não iria exigir comprovante de vacina para quem chegasse ao país, baixou portaria em que estabelece que quem for vacinado poderá entrar livremente. Quem não estiver imunizado terá que ficar cinco dias de quarentena e fazer um teste para saber se foi infectado.

Antes da portaria, o ministro da Saúde havia afirmado na quarta-feira (8), que “não se pode discriminar as pessoas entre vacinadas e não vacinadas e, a partir daí, impor restrições. Até porque a Ciência já sabe que a vacina não impede totalmente a transmissão do vírus”, conforme notícia publicada na Folha de S. Paulo. O que acabou causando muito barulho e confusão. O ministro, médico, deve saber que nenhuma vacina tem eficácia de 100%, infelizmente.

Possivelmente, as pressões para que a recomendação da Anvisa fosse seguida pesaram na mudança de rota. É provável que se não fosse exigido o passaporte vacinal, haveria grande chance de o caso cair no colo do Supremo Tribunal Federal (STF), que poderia determinar a obrigatoriedade da vacinação para a entrada no país. O que seria mais uma derrota para o governo, pois o STF já havia decidido, no auge da pandemia, que estados e municípios tem poder para decretar medidas para conter a propagação do vírus, como lockdown, por exemplo. O governo de São Paulo já se preparava para entrar com uma ação no Ministério Público se não fosse exigido o passaporte vacinal.

A portaria publicada no Diário Oficial de ontem (9), aliviou as tensões e apreensão, já que uma legião de turistas deve desembarcar no Brasil para as Festas de Final de Ano. No Rio, por exemplo, depois de cancelar o Réveillon, o prefeito Eduardo Paes e o governador Claudio Castro, anunciaram que será mantida a queima de fogos, com suspensão dos shows programados. Geralmente, cerca de duas milhões de pessoas acompanham a queima de fogos na orla do Rio de Janeiro, especialmente em Copacabana.

O presidente da Anvisa, Barra Torres, que depois das declarações do ministro da Saúde e do presidente, defendendo a entrada livre no país, havia afirmado que os sentimentos de “intranquilidade” e “preocupação” com a pandemia causam danos ao organismo, afetando o potencial de humanidade. Ao dizer que a pandemia não acabou, e sem mencionar a intenção governamental, Barra Torres enfatizou que seria muito importante “manter, preservar, cultivar a tranquilidade das pessoas, a tranquilidade de nossa população”. (ver os estragos do estresse de 26 de novembro).

Com a nova decisão de exigir passaporte vacinal, satisfeito, Barra Torres declarou que a determinação da Anvisa foi acatada e que, dependendo do andar da carruagem, novas medidas de controle sanitário poderão ser tomadas.

Não há dúvidas de que ninguém mais aguenta ouvir falar em pandemia, embora ela ainda esteja nos rondando. Mas abrir a porteira de uma vez, com uma nova onda varrendo a Europa e uma nova cepa, como pretendia o governo, causou muito barulho e tempo gasto, tempo esse que poderia ter sido usado de forma mais inteligente.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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