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“A prova do pudim”

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Não é novidade para ninguém que o crescimento de 2,9% do PIB no ano passado, anunciado no começo de março pelo IBGE – e que foi cravado pelo Boletim Macro FGV IBRE –, foi fortemente influenciado pela agropecuária que contribuiu com cerca de 1/3 desse resultado. Também a indústria extrativa ajudou bastante para se chegar aos 2,9%. Ou seja: o crescimento da atividade econômica do ano passado foi alavancada por esses dois setores que acabaram, também, puxando a expansão de outras atividades, como a de transportes, principalmente.

E isso não vai acontecer neste ano. É muito difícil se fazer previsões sobre o setor agropecuário, pelas incertezas que o cercam: chuvas, secas, questões logísticas, situação do mercado internacional. Mas já se sabe que o setor pode ter resultados negativos, ou ter um crescimento bem modesto. O Boletim de fevereiro estava estimando uma queda de 3,4% para o setor este ano. As chuvas e secas que atingiram o país, afetaram de forma diversa as regiões produtoras. No caso da soja, principal carro chefe do agro, houve perdas em importantes regiões do Mato Grosso, mas não foi disseminada. Algumas áreas conseguiram um clima mais favorável, sem perdas de produtividade. O caso do milho é mais complicado, pois foi mais duramente afetado pelas mudanças climáticas. O que vai ter impactos na ração animal, especialmente do frango, podendo pressionar para cima os preços.

Como o crescimento do ano passado ficou muito concentrado, 2024 será “a prova do pudim”, como diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro FGV IBRE, em entrevista a Conjuntura Econômica que circula essa semana. Ou seja: temos que saber os ingredientes que comporão o PIB este ano. E isso nos sinalizará, até certo ponto, se o Brasil terá criado capacidade para ampliar o seu crescimento de forma sustentável.

Trocando em miúdos: este ano, o importante a se considerar é menos o número em si do PIB, mas a sua composição, se a atividade econômica vai mostrar vigor para se espalhar por mais setores da economia.

Mas fazer previsões é sempre uma caixinha de surpresas. Como diz Silvia, “outro aspecto que pode influenciar o PIB, mas que é difícil de prever, é a possibilidade de um estímulo ao consumo, por meio de políticas de governo, e que não seria tão positivo. Já temos perspectivas de uma aceleração ao longo de 2024, com a tendência de queda de juros, em um processo, de certa forma, cíclico. Mas se houver a percepção de que a economia está crescendo menos do que se gostaria, e se buscar acelerar esse processo, até poderemos ter mais PIB, mas num cenário de juros pior”.

Alguns pontos destacados na entrevista de Silvia Matos à Conjuntura Econômica.

• Se tivermos medidas que comprometam o efeito da política monetária, será ruim, pois 2024 deve ser o último período do combate à inflação que chegou com o choque da pandemia. Ao contrário, se o trabalho da política monetária for respeitado, tanto aqui quanto na economia americana, permitiremos que a reação da economia aconteça de forma saudável. E, com uma composição melhor de crescimento da atividade, vindo também da indústria, da construção civil e, do ponto de vista da demanda, também do investimento, estaremos garantindo um movimento não só de curto prazo, mas pensando em 2025 também.

• Já vimos alguns reflexos da preocupação do governo em frear a tendência de desaceleração econômica este ano. Um exemplo foram os R$ 30 bilhões em antecipação de precatórios. Tanto no campo do crédito quanto no tributário há aspectos positivos, ligados à preocupação em melhorar a eficiência do sistema. Políticas que visam aprimorar o ambiente para o crédito são um exemplo, mas seus efeitos não tendem a se materializar no curto prazo, ainda que criem uma expectativa melhor em relação ao futuro do país.

• A grande dificuldade, entretanto, ainda é um aumento de gastos para receitas insuficientes. Como conseguir zerar o déficit se essa conta não fecha? Porque se de um lado há aumento de arrecadação, que de certa forma estimula eliminar uma trava de gerenciamento, que politicamente pode ser melhor, do ponto de vista econômico é pior, pois o ideal, sabemos bem, é se organizar com base na arrecadação recorrente. Esse é o grande problema, pois parte do aumento de arrecadação esperada para este ano não é recorrente.

• Neste primeiro trimestre, excetuando a questão do agro, que ainda é uma caixinha de surpresas, a pergunta que fica é sobre o desempenho de consumo das famílias e dos setores de serviços. As Sondagens do FGV IBRE divulgadas até o momento trazem um aspecto um pouco mais negativo – o que também não pode deixar de ser visto com atenção, diante da grande heterogeneidade dentro do Brasil. Mas há outros dados que corroboram o sentimento de cautela para este início de ano. Um indicador que gosto de acompanhar é o de gastos de cartão de crédito e de transações por Pix divulgados pelo Itaú BBA, que também apontam a certa desaceleração depois do final de ano.

• Outro fator importante é que talvez nossos termômetros ainda não estejam capturando mudanças mais persistentes de padrão de consumo desde a pandemia. Já tivemos deflação de bens manufaturados e uma inflação de serviços mais resistente. Mesmo assim, setores de serviços ainda surpreendem, enquanto a manufatura está sofrendo mais os efeitos da política monetária.

• Se levarmos em conta que o crescimento de 2023 foi muito dependente do agronegócio e outras atividades menos cíclicas, vemos que não foi apenas uma questão microeconômica ou de uma mudança de visão do Estado sobre produtividade. Além disso, frequentemente vemos preocupações surgirem – por exemplo, sobre a política de preços da Petrobras, seu impacto sobre o retorno do investimento. Então, diria que estamos em uma situação melhor, mas ainda não afirmaria que esse grupo de reformas – entre as quais a reforma trabalhista, os marcos legais setoriais, as medidas microeconômicas operadas pelo Banco Central visando ao mercado de crédito, para citar algumas – já gerou todos os efeitos que poderia. Ainda não vimos, por exemplo, um salto na produtividade dos serviços.

• Um aspecto importante que me preocupa é a parte demográfica. No período do chamado bônus demográfico, tínhamos um potencial para aumentar a taxa de participação. Junto a um aumento da escolaridade, mudanças como a da Previdência, aumentando a idade mínima de aposentadoria, isso levaria mais pessoas a trabalhar. Hoje, entretanto, estamos caminhando na direção oposta, para um ônus demográfico. Além disso, falta mão de obra qualificada em setores como o de serviços, no qual os salários aumentam acima da produtividade. Já vimos isso no passado, e sabemos que é inflacionário.

• Está mais difícil acelerar o crescimento. Os números do mercado de trabalho também apontam a isso. Quando você tem ociosidade, como aconteceu nos últimos anos, com o hiato do PIB negativo, é mais fácil acelerar o crescimento sem gerar pressão inflacionária. Agora, sem um agro tão forte e sem esse hiato do produto, não será tão simples. Diante desse quadro, acho que a prova do pudim sobre nossa capacidade de crescimento será 2024. Se conseguirmos um crescimento acima de 2% e a inflação ceder, com uma expansão mais generalizada, aí podemos pensar em um potencial de crescimento maior.

Leia a íntegra da entrevista na edição de março da revista Conjuntura Econômica.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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